Bem antes da Lava Jato, Sergipe esteve na
rota de empréstimos milionários do BNDES

O ano era 1990. A empresa, uma das mais sólidas, até então, no ramo de navegação do país, a H. Dantas. Depois de 27 anos, o que restou de ambos, o empréstimo e a empresa, foi uma imensa briga judicial e, à vista de todos, um navio enferrujado e sendo desmontado, num símbolo decadente que serve de referência àquela que pode ter sido mais uma das tramoias urdidas em gabinetes de empresários com a participação de políticos e autoridades influentes, envolvendo um empréstimo milionário que, contraditoriamente, ao invés de salvar a empresa da bancarrota, a afundou definitivamente. Tal empréstimo foi, na verdade, para uma empresa pertencente à parte dos sócios atualmente controladores de H.Dantas. Coube à empresa funcionar como uma espécie de avalista.

Mas o imbróglio é extenso, digno de um abominável roteiro de um filme de terror, com inúmeras ações nos Tribunais de Sergipe e Rio de Janeiro, dentre elas ações de prestação de contas, inibitórias e de dissolução de sociedade. Algumas correm em segredo de Justiça, o que dificulta acesso, mas em outras se identifica que há um bloco de sócios representados pelos espólios que impetraram a ação de prestação de contas, solicitando elucidações de atos praticados pelo outro bloco, pertencente a José Fonseca de Oliveira e Adolfo Acioly do Prado Neto que foram, inclusive, condenados pelo Tribunal de Sergipe a prestarem essas mesmas contas.

As ações ainda tentam evitar transferência e sangramento financeiro da H.Dantas para as empresas dos demais sócios, através de inibitórias. Estes, por sua vez, têm investidas de ações de dissolução de sociedade nos dois Tribunais: de Sergipe e Rio de Janeiro. No do Rio de Janeiro, corre em segredo de justiça, mas em Sergipe eles solicitam suspensão do direito de voto dos seus sócios. No Tribunal de Justiça de Sergipe, o assunto é tabu: ninguém se manifesta abertamente. Mas já se sabe que a decisão no caso da H. Dantas, atualmente no pleno do TJ/SE, possui ao menos três desembargadores que se julgaram impedidos de atuação no processo. E ainda que ninguém se manifeste, há indicativos de que fortes influências políticas, inclusive de um ex-governador, pressionam para que as decisões advindas do caso sejam favoráveis ao atual comando da empresa.

ENTENDENDO O CASO

Mais uma vez retornamos ao passado. Em 1990, sob o comando do então presidente Fernando Collor, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES – liberou um empréstimo de cerca de R$ 100 milhões para a Naveriver, empresa pertencente a três dos quatro sócios de H. Dantas, numa operação encabeçada pelo comando da empresa na época, capitaneada por Adolfo e José, tio e sobrinho, respectivamente. Enquanto isso, um dos sócios, atualmente um dos espólios e que estava alijado da sociedade foi surpreendido com um processo em execução.

Acontece que, tanto na época como atualmente, a parte representada pelo espólio de Augusto Fonseca de Oliveira, além de alijada do comando da empresa, por ser voto vencido, não teve acesso nenhum aos dados que envolveram o empréstimo. Atualmente, o espólio de Regina Souza de Oliveira encontra-se igualmente alijado da sociedade e, juntos, estes dois espólios buscam esclarecimentos de muitos atos praticados pelos demais sócios que controlam a empresa.

No meio disso tudo, o bloco dos espólios foi surpreendido com o recente aumento de salários que os sócios José e Adolfo deram a si mesmos, como diretores, multiplicando por sete os valores e retroagindo a fevereiro deste ano, conforme ata de reunião de sócios, em que o voto do espólio de Augusto teve sua negativa derrotada por voto minortitário contra os dois, e o espólio de Regina está com os direitos societários suspensos. Antes disto um ingrediente a mais: numa ação de cobrança no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJ/RJ, em que a Ship América cobra uma dívida celebrada por José e Adolfo no valor de R$ 30 milhões, essa empresa, com petições diretas, acusa José e Adolfo de praticarem transferência de patrimônios para seus filhos. A Ship, assim, logrou êxito na sua ação, mas quem pagou a conta foi, mais uma vez, a H.Dantas.

Passado algum tempo, eis que surgem mais empresas deste bloco formado por José e Adolfo: uma factoring no Rio de Janeiro, em nome de Adolfo – posteriormente transferida para seu filho –  e seu sobrinho Marcelo, além de uma nova companhia de navegação, a Lyra Navegação, que tem o filho de José como sócio e representante numa holding sediada nas Ilhas Marshall. A suspeição aumenta quando, em meio a esses novos investimentos, a H. Dantas simplesmente entra em espiral decrescente, perdendo sua força no mercado a ponto de, como já citado, ficar como o navio que era de sua propriedade e se encontra no Rio Sergipe, ancorado na Barra dos Coqueiros, enferrujado e sendo desmontado. Ou seja: a H. Dantas, de uma potência em navegação marítima, viu seu barco, literalmente, afundar em termos econômicos.

“Nenhum desses processos contaram com a nossa participação. Nada, nem mesmo o empréstimo junto ao BNDES, nem o empréstimo interno. Nada disso contou com nossa opinião e nem mesmo com a análise de documentos por nossa parte. Tudo nos foi negado. Só que agora, como o BNDES quer receber o que emprestou, nossa parte chegou: eles tomam o dinheiro, fazem o que bem querem, e nós teremos que pagar. Isso é muito injusto”, revela nossa fonte, se referindo aos sócios controladores da H.Dantas. Mas a dúvida permanece: como a H.Dantas, após tanta sangria, será capaz de pagar dívidas de empresas de José e Adolfo?

FORÇA E INFLUÊNCIA

Mas o que poderia ser resumido em apenas uma disputa societária, ganha contornos dramáticos quando se analisa friamente as relações da atual diretoria do bloco controlador com gente de poder e influência no estado. Como diz frase atribuída ao ex-governador Albano Franco, “em Sergipe, todos se conhecem”.

É de conhecimento público que o atual diretor, Adolfo, tem ligações familiares com pessoas de grande poder no estado, e isso é preocupante aos que se interessam tão somente em esclarecer assuntos da sociedade com tantas implicações e responsabilidades. E essa ligação é objetiva: Adolfo é cunhado do conselheiro e ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe – TCE/SE –, Carlos Pinna. “É contra a possibilidade de que haja qualquer tipo de interferência nesse caso que nós estamos preocupados”, reforça um dos interessados. “Confiamos plenamente na Justiça sergipana, confiamos nela e nas suas decisões”, reforça um dos interessados. A reportagem não conseguiu contato com o conselheiro.

Mas, ao final, o que vem à tona é mesmo o fato de que o BNDES, tão presente nos últimos tempos nos noticiários por empréstimos milionários aos irmãos Joesley e Wesley Batista, do Grupo JBS, tenha deixado que um empréstimo a empresas de sócios de H.Dantas, tenha resultado em uma situação como a atualmente vivida pela empresa. E pior é que o processo tenha contado com uma assessoria Luiz Guilherme Ponce de Leão Cavadas que, por sinal, possui condenação pela Comissão Mobiliária de Valores por operações financeiras ilegais e o advogado de Adolfo e José seja Carlos Augusto Coelho Branco, condenado à multa de R$ 150 mil justamente por ter usado informações privilegiadas em atividades que envolveram o BNDES. Se a Justiça sergipana não der um encaminhamento correto para o caso da H. Dantas, Sergipe pode se tornar alvo de investigações, a exemplo das empreendidas no âmbito da Lava Jato, por má aplicação de recursos públicos oriundos de empréstimo junto à maior instituição financeira de fomento e apoio à economia nacional.

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