A população de Sergipe começa a ficar profundamente incomodada com o desabastecimento de vacinas básicas, principalmente a antitetânica, que sumiu da rede pública. Nos postos de saúde, Unidades Básicas de Saúde, Hospital Nestor Piva, Hospital de Pronto Atendimento e HUSE – Hospital de Urgência – não existe uma única ampola da vacina ou soro contra o tétano, a chamada imunoglobulina antitetância.

A Secretaria de Estado da Saúde informa que do estoque de 1.500 vacinas mensais, Sergipe tem apenas 0,8%, ou seja, 12 ampolas apenas.

Por conta da falta da vacina, na última semana o cantor popular sertanejo, Tupã da Viola, morreu ao contrair a doença, já que não conseguiu receber a dose da vacina antitetânica, nem mesmo uma das doze ampolas que a Secretaria de Saúde afirma ter armazenado.

De imunização obrigatória a parturientes, neonatos, acidentados – especialmente vítimas de acidentes automobilísticos -, além de crianças na primeira infância, a vacina antitetânica, que deveria proteger a vida de milhares de sergipanos entre gestantes e crianças, simplesmente desapareceu do estado.

DIAGNÓSTICO TARDIO

A doença que acometeu o cantor Tupã da Viola não foi diagnosticada no início da manifestação dos sintomas pelos médicos que o trataram. Quando a causa de sua enfermidade foi finalmente descoberta, constatou-se que não havia vacina em Sergipe para administrar ao artista, o que obrigou sua família a viajar a Alagoas para adquirir a medicação.

Quando o medicamento finalmente chegou ao estado, não havia mais tempo para salvar Tupã. “Se o diagnóstico do tétano e o tratamento adequado tivessem sido realizados com rapidez, era provável que o fim seria feliz e nosso pai e marido estaria aqui vivo com a gente”, lamentam a filha e a esposa do artista popular.

FALTAM TODAS AS VACINAS

A falta de vacina contra o tétano nas redes públicas de saúde da Grande Aracaju e no interior está deixando mães e gestantes apavoradas. Além da falta de doses da antitetânica, há registro também da falta da vacina tríplice, a DTP infantil, que previne contra difteria, tétano e coqueluche, que deve ser aplicada na primeira infância e que também está em falta na Secretaria de Estado Saúde.

Já os estoques das vacinas DT, que previne adultos e grávidas contra difteria e tétano e a tetraviral (sarampo, rubéola e caxumba) também estão muito baixos.

Em alguns postos de saúde da capital o problema de desabastecimento ocorre há mais de dois meses.

As Secretarias Municipais de Saúde da capital e do interior informam que a responsável por fazer o repasse das vacinas é a Secretaria Estadual de Saúde. Já a SES se esquiva afirmando que recebe as doses do Ministério da Saúde, que estaria fazendo repasse menor em função de dificuldades com fornecedores dos produtos.

A antitetânica não estaria sendo distribuída a contento devido a baixa disponibilidade no estoque nacional, atendendo apenas a demandas emergenciais.

A carga do imunobiológico que chegou ao país em outubro de 2016 foi condenada pela ANVISA devido a desvio de temperatura. Aguarda-se posicionamento da Organização Pan-Americana de Saúde acerca da reposição dos lotes. a previsão é a de que a chegada de nova carga referente à aquisição do ano de 2017 só aconteça no segundo semestre deste ano.

A Secretaria de Estado da Saúde (SES) reconheceu o desabastecimento do soro e informou que apesar da produção parcial de soros através do Ministério da Saúde, mantém estratégia capaz de garantir a cobertura das unidades hospitalares inseridas na rede estadual de saúde.

ESCASSEZ DE UM ANO

Ana Beatriz Lira, enfermeira da Central Estadual de Armazenamento e Distribuição dos Imunobiológicos (Ceadi), da SES, afirma que o problema do desabastecimento de soros perdura há mais de um ano no país, o que provocou redução considerável na disponibilização de soros nos estados.

Sergipe, segundo ela, recebia 1.500 doses mensais, o que foi reduzido para 0,8% após o início da crise de desabastecimento (12 ampolas).

A equipe de reportagem do CINFORM entrou em contato com o Hospital de Urgência de Sergipe que informou não ter nenhuma ampola do soro.

A MORTE DE
TUPÃ DA VIOLA

A família de Tupã da Viola, que morreu de tétano na segunda feira, dia 18, denuncia descaso da saúde pública e afirma que o atraso no diagnóstico e a falta do soro antitetânico provocaram a morte do artista que sofreu três paradas cardiorrespiratórias.

Tupã da Viola tinha uma serralheria localizada na Avenida Hermes Fontes e animava os clientes se apresentando na calçada. Uma multidão se aglomerava para ouvir o artista. “Ele chamava atenção e todos que passavam pela avenida observavam a sua arte. Ele foi muito querido e foi feliz”, afirma a esposa dele, Sônia Maria dos Santos, casada com ele durante 44 anos, com quem teve quatro filhos.

Sônia disse que Tupã era diabético e se machucou enquanto cortava as unhas dos pés com uma tesoura no fim de agosto. A ferida não cicatrizou e ele começou a passar mal. “Ele saiu da serralheria e chegou em casa assustado, sentindo fortes dores nas costas e falta de respiração. O drama começou no dia 8 de setembro e a situação foi piorando. Sua mandíbula travou, ele passou a se comunicar com a gente através da escrita e as filhas levaram ele ao HUSE”, conta.

No HUSE, o médico disse que poderia ser problema psicológico. No dia seguinte levamos meu pai para o Hospital São José, onde ele foi medicado e voltou para casa. O psiquiatra passou um remédio tarja preta para ele tomar. Compramos mas as dores continuaram, então retornamos no dia seguinte para o mesmo hospital e o médico do plantão olhou a ferida do pé dele e suspeitou de uma bactéria, fazendo sua transferência para o Hospital Nestor Piva. Ele passou por uma bateria de exames e ficou internado”, prosseguiu.

Na madrugada da terça-feira (12) ele caiu quando foi ao banheiro, sofreu uma parada cardiorrespiratória. Foi socorrido, reanimado, entrou em coma induzido e entubado. Eu estava com a minha irmã no quarto e ouvimos o barulho quando ele caiu”, recorda a filha Crislaine Batista dos Santos.

No mesmo dia ele foi diagnosticado com tétano e necessitava tomar o soro antitetânico mas o medicamento não foi encontrado. A viúva lamentou: “o diagnóstico só veio quando ele já estava entubado, com o estado de saúde muito grave, após passar por seis médicos. Não tinha o soro no Nestor Piva e em nenhum outro hospital de Sergipe. Procuramos para comprar mas não encontramos e nosso desespero aumentou”.

Na quarta-feira, a família conseguiu ajuda de uma amiga que é enfermeira e trabalha em um hospital de Maceió. “Ela veio trazer o soro e meu pai recebeu o medicamento na noite do mesmo dia. Somente depois o hospital informou ter encontrado o soro no estoque do HUSE. Meu pai precisou ir para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e só encontramos vaga no Hospital Regional de Lagarto, para onde ele foi transferido na quinta-feira. A situação se complicou e seus rins começaram a falhar. Ele sofreu mais duas paradas cardiorrespiratórias e morreu”, conclui a filha.

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