A expressão do momento é “cultura do cancelamento”. Para alguns, um meio de romper a estrutura de poder que blinda os privilegiados. De fato, foi dessa forma que grupos minoritários conseguiram expor violações e fazer denúncias a direitos humanos pelo mundo afora. Para quem se debruça sobre o comportamento que ganhou ainda mais visibilidade, e provocações, a partir de um reality show, exibido em canais aberto e por assinatura, alguns questionamentos merecem atenção: o “cancelar” resolve problemas estruturais de desigualdade ou apenas reproduz uma lógica punitivista? Qual o limite do linchamento em território virtual?

Para a psicóloga Larissa Moura, mestre em psicologia social e pós-graduado em psicologia de comunicação e do marketing e professora do curso de Psicologia da Unit, esse movimento que reprova o comportamento, atitudes e declarações, tanto de pessoas famosas como de celebridades, muitas vezes se conecta a fragmentos, comentários enviesados que são consumidos sem nenhum tipo de filtro.

“Numa democracia somos inocentes até que se prove o contrário. O funcionamento na cultura do cancelamento seria o oposto: você é culpado até que se prove o contrário. Muitas vezes é tarde quando se consegue provar a inocência. É um tribunal em que nem todas as pessoas envolvidas no caso têm a oportunidade de se explicar”, reflete.

Ainda de acordo com a psicóloga, não dá para ser conivente com comportamentos inadequados, mas o cancelamento gratuito talvez não seja melhor forma de lidar com essas ações, isso porque existe uma linha tênue entre a crítica construtiva e o ataque revestido de ofensa e com o adicional de que a internet possibilita o anonimato.

“Uma situação é a condição de se colocar na posição de juiz, como se realmente estivesse acima do bem e do mal, de propagar o modelo de perfeição, capaz de determinar se a outra pessoa está correta ou não. Outro viés é, o que particularmente acredito, é que o funcionamento do cancelador, em algumas vezes, é até com intenção positiva, no intuito de passar uma lição para que a pessoa aprenda, que não faça mais isso e que pela punição a atitude não se repita”, esclarece.

Pesquisadores apontam que a cultura do cancelamento foi difundida a partir do movimento #MeToo, com denúncias nas redes sociais para expor relatos de assédio sexual, especialmente na indústria do entretenimento. A dinâmica foi incorporada de vez nos meios digitais com a nova face de que não é necessário cometer um crime para ser cancelado, basta a formulação de ideias equivocadas, ou por pura ignorância acerca de um assunto, e o cancelled aponta.

Se para alguns o cancelamento traz o lado positivo de romper com uma estrutura de poder para fazer uma denúncia justa que de outra forma não seria ouvida, por outro fica uma interrogação sobre se o movimento foi perdendo o senso de proporção. Para a Juliana Almeida, professora do curso de Jornalismo da Unit, com mestrado e doutorado em cultura digital, a forma encontrada de punir as pessoas pelo mau comportamento se entrelaça com temas em relacionados à liberdade de expressão e o linchamento virtual sem oportunidade de defesa.

“A cultura do compartilhamento das redes sociais facilita a viralização de conteúdo. Então, como hoje todo mundo pode falar, interagir, se expressar na rede, a cultura do cancelamento acaba fazendo com que esse mundo que se cria entorno de opiniões e posicionamentos seja mais vigiado e a reflexão, muitas vezes, não tem tanto espaço, há mais espaço para o ímpeto”, diz.

A professora Juliana Almeida observa ainda que a cultura do cancelamento se alimenta da espetacularização e falta de filtros. Já com relação à liberdade de expressão o ponto estaria no limiar da censura e/ou da censura velada quando se utiliza dispositivos para alcançar os fins, por meio do cancelamento.

“Há uma discussão grande que envolve não só pesquisadores da cultura digital. Cancelar alguém não é algo novo, na idade média, por exemplo, as religiões faziam seus cancelamentos. A grande novidade é justamente essa escala viralizada em que determinadas atitudes acabam sendo propagadas e como causam alguma ação social coletiva nesse sentido, ou seja, não se pune mais as pessoas através da lei, de mecanismos institucionais”, atenta.

Em análise, a professora aponta para dois caminhos muito complexos: as redes sociais como espaço de visibilidade e, também, como espaço de visibilidade que pode ser um causador de uma ação reversa, ação coletiva, que pode efetivamente fazer com que uma pessoa pública tenha a sua reputação manchada, o seu direito de livre expressão cerceado.

“Seria uma espécie de tribunal paralelo que não usa os dispositivos legais para punir as pessoas dentro desse contexto de posicionamentos, de como se expressam na rede. É algo bastante complexo que envolve uma série de elementos. Chama a atenção no mundo das celebridades, mas há pessoas que sofrem bastante com situações que envolvem bullying e tudo mais. Essa cultura do cancelamento pode trazer problemas efetivamente sérios”, alerta.

Assessoria de Imprensa | Unit

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