No Pará, o melhor açaí se come com farinha e o chocolate brasileiro mais puro, na folha do cacau
Por Roberta Nascimento
Chef de Cozinha e Mestre em Turismo pelo IFS
A melhor parte da Missão Belém promovida pelo Sebrae para os empresários e chefs do Polo Gastronômico de Sergipe foi o turismo de experiência na Ilha do Combu, famosa pela produção de açaí e cacau. Para chegar lá, fizemos um passeio de barco pela baía de Guajará até o encontro da foz do rio Guamá e Acará. Além das riquezas naturais e da bela vista panorâmica da capital paraense, o trajeto nos mostrou um pouco como vive a população ribeirinha local.
A primeira lição do passeio nos ensinou a comer o açaí e como funciona a sua produção – desde a colheita na palmeira até a distribuição – e a qualidade desse produto que virou uma febre mundial. Na rota do açaí, vimos como os ribeirinhos fazem a peconha, espécie de cinto rudimentar amazônico feito de fibras de Ubuçu, tucuri ou do próprio açaizeiro, para fazer as escaladas na palmeira. Colher açaí não é brincadeira! O peconheiro, extrativista, sobe na maior facilidade, mas vá tentar para você ver? Nem adianta buscar a força no açaí!
O produto tem que ser valorizado desde a colheita. E o preço da fruta oscila de acordo com as estações do ano. A partir de junho os açaizeiros começam a ficar com os cachos carregados, mas a safra chega no auge de agosto a dezembro, antes do inverno amazonense. Nesse período, o preço da rasa, cesto de arumã que serve de medida local 28,5 (rende 20l), custa em média R$85, mas na entressafra chega a custar R$350 e são necessários uns 15 a 20 cachos bem cheinhos para enchê-la. O preço do litro do açaí médio, diluído com pouca água, o mais consumido pela população de Belém varia de 10 a 16 reais, o tipo grosso, oscila de 18 a 25 reais.
AÇAÍ QUE VALE OURO
A fruta púrpura do Norte vale ouro, ou melhor, é o ouro negro e motivo de muito orgulho para o paraense, empregando cerca de 200 mil pessoas. Depois de ver a debulha e a limpeza do açaí na ilha, provamos a melhor parte: o processamento e a despolpa. O fruto que chora, tradução da palavra açaí em tupi, nos fez chorar de emoção ao saboreá-lo em uma cuia com a farinha d’agua de Bragança e o camarão fresquinho do rio, direto do matapi (armadilha de pesca ecológica amazonense), para o fogo à lenha, no meio do açaizal. A melhor expressão da gastronomia brasileira estava ali entre nossas mãos.
Açaí se come com camarão, peixe frito ou assado, carne seca, acompanhado de farinha d’agua ou farinha de tapioca, explicou o empresário e produtor de açaí Nazareno Alves. Misturar tanto açúcar nesse superalimento é um pecado e os próprios paraenses criticam a forma como o mercado absorveu o açaí desse jeito, pois, contraditoriamente, é vendido com o slogan fit, mas é consumido na forma de “bombas calóricas”, grandes sobremesas com confeitos de chocolate, frutas, leite condensado, mel, biscoitos etc. Sobra gosto de tudo, menos de açaí!
Se o paraense não vive sem açaí, consumindo meio milhão de tonelada por mês (60% da produção nacional), imagine quem prova dessa fruta pelo Brasil afora e no exterior? O povo fica doido e viciado. Além de ser bom, açaí faz bem pra saúde. Uma pena que a qualidade do produto que é vendido em muitos estados, como Sergipe, por exemplo, está bem distante do sabor original do açaí fresco, cremoso, com pouquíssima adição de água e nada de gomas e xaropes (espessantes e açúcares). Quer a prova disso? Deixe seu açaí na tigela descongelar para ver a situação. Outra dica: conheça e beba o açaí no Pará.
CHOCOLATE DE DONA NENA
A segunda lição do passeio pela ilha ficou por conta de Dona Nena, Filha do Combu, que faz um chocolate orgânico incrível. Desde 2006 ela vem trabalhando no resgate de cultura em uma área de proteção ambiental e sustentável, fazendo intervenções para melhorias da produção de cacau. Essa experiência mostrou como os empresários do polo e chefs de cozinha podem envolver os pequenos produtores para inovar seus negócios com maior responsabilidade social.
Dona Nena deu uma aula show deliciosa, contou sua história e mostrou como produz seu chocolate 100% cacau enrolado na folha, servindo brigadeiros com nibs, geleia de cupuaçu e o melhor chocolate quente, mesmo no calor de 30°C. Das dificuldades financeiras veio a transformação. Dona Nena percebeu que poderia comercializar o chocolate artesanal que sua família fazia para consumo próprio, na feira de produtos orgânicos em Belém. A aceitação do público foi tão grande que o chef Thiago Castanho virou seu parceiro e levou seu chocolate para servir e vender em seus restaurantes. O restaurante Famiglia Sicilia fez um percurso diferente e já produz uma linha de chocolates finos, o Gaudens, em parceria com os produtores locais. Difícil descrever o sabor da castella, pasta de castanha-do-Pará com cacau inspirada no doce italiano de cacau e avelã. Infinitamente melhor!
É assim que o turismo de negócios na área de gastronomia constrói as melhores experiências. A Ilha do Combu é puro patrimônio alimentar e cultural!