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A cada crise que se instala no país surge um pedido dissonante e estridente cinzelado por vozes descontentes que clamam: intervenção militar! Não é de se estranhar que alguns setores mais radicalizados da política e da sociedade recorram a esse subterfúgio, que pretende solucionar todos os problemas com uma só cartada. Esse clamor, aparentemente formulado sem grandes digressões racionais, busca amparo no art. 142 da Constituição Federal, que estabelece que as Forças armadas se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

A invocação dos militares, por mais estranha que pareça, arrebata alguns corações desatentos, principalmente diante da propagação de conteúdos duvidosos e da oferta de verdades Prêt-à-porter nas redes sociais. No menu de arbitrariedades tem-se a opção de “soldados armados, amados ou não”, à escolha do cliente.

A interpretação segundo a qual o artigo 142 da Constituição admite que as forças armadas podem intervir autonomamente sobre todos os Poderes da República é, no mínimo, contraditória. Isto porque o próprio dispositivo determina que as Forças Armadas devem submissão à autoridade suprema do Presidente da República (um civil) e somente pode agir por iniciativa dos Poderes para garantir a lei e a ordem. Ou seja, a Constituição não estabelece uma autonomia na ação dos militares, mas sim uma exceção que possibilita a sua atuação no âmbito da segurança pública, nos casos previstos na Constituição e sob a condução da autoridade civil.

A dita garantia da lei e da ordem, regulamentada pela LC 97/99 e pelo Decreto 3.897, em nada tem a ver com a tomada de poder por parte de militares. Esta hipótese, além de não encontrar amparo constitucional, desvirtuaria toda a ordem democrática em função do arbítrio e do autoritarismo, com a consequente admissão da existência de uma espécie de “poder moderador”, já condenado à morte pela Constituição Republicana de 1891.

Apesar de já celebradas as suas exéquias, o espírito do poder moderador parece atormentar a vida democrática deste país, e vive (mesmo morto) um eterno retorno. Assim, contra os males das vidas passadas, o Supremo Tribunal Federal exumará o falecido e cantará mais uma vez o réquiem da democracia, para que de uma vez por todas se entenda a tripartição do Poder e o sistema republicano. O Supremo continuará a missão de dizer obviedades, sem a necessidade do “Beneplácito Régio” das Forças Armadas.

Ultimamente a atividade mais corriqueira dos juristas tem sido a de repetir o óbvio. E, eis que me sinto na mesma obrigação. O modelo de repartição do Poder adotado no Brasil, segue os contornos formulados por Montesqieu, notadamente pela previsão do art. 2º da Constituição que diz que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O que passar disso, seja anátema.

É bem por isso que a Constituição, logo em seu primeiro artigo, previne o leitor dizendo que “todo poder emana do povo e é exercido por meio de seus representantes ou diretamente”. Vale dizer que a vontade do povo é aquela expressa pelas instituições democráticas e não por aqueles a quem a constituição atribui o monopólio do uso legitimo da violência.

Por certo não basta saber interpretar a Constituição, é preciso ter o mínimo de vontade de não a deturpar deliberadamente ou voltemos a Hesse e digamos que é preciso, acima de tudo, ter vontade de constituição.

Por fim, parafraseio Thomas Jefferson para dizer que a democracia exige uma eterna vigilância, principalmente quando os ataques heréticos tendem à sobrenatural atração pelo passado.

Diego Justiniano
Advogado

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