Nesta série de artigos no Caderno Saúde do Cinform Online, em homenagem aos 35 anos do Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS), a serem completados em 2023, já tivemos a oportunidade de resgatar um pouco de sua história, da importância da mobilização social na efetivação de seus pilares e ainda revisitamos todo o arcabouço legal da constituição do controle social no SUS, através da participação da comunidade, na construção das bases efetivas para o seu planejamento.
Antecipo-me, pedindo sinceras desculpas aos leitores pelo extenso volume da revisão legislativa que faremos a seguir, porém necessárias para uma compreensão detalhada e crítica do que pretendemos abordar neste terceiro artigo, que trará uma série de informações sobre as bases legais dos planejamentos dos governos e do SUS, nas três esferas e o quão possivelmente ainda estamos distantes de uma efetiva aplicação de seus instrumentos.
Instrumentos de planejamento de governo e do SUS: o que diz a legislação para que possamos ter as suas práticas efetivadas plenamente
A Constituição Federal em seu artigo 197, traz: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle” …
O que diz a Lei orgânica do SUS 8.080 de 19 de setembro de 1990 sobre o tema:
CAPÍTULO IV – Da Competência e das Atribuições – Seção I – Das Atribuições Comuns – Art. 15. “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições: VIII – elaboração e atualização periódica do plano de saúde; X – elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), de conformidade com o plano de saúde”; XVIII – promover a articulação da política e dos planos de saúde.
CAPÍTULO II – Da Gestão Financeira – Art. 33. “Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde”.
CAPÍTULO III – Do Planejamento e do Orçamento – Art. 36. “O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União. § 1º Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária. § 2º É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde”.
João Lima Júnior, Especialista em gestão de serviços especializados em saúde
O que diz a Lei orgânica do SUS 8.142 de 28 de dezembro de 1990 para essa temática
Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com: III – plano de saúde; IV – relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, que diz: “Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde. § 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei”.
A LEI COMPLEMENTAR Nº 141, de 13 de janeiro de 2012 que regulamenta o § 3º. do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde e estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo, traz as seguintes orientações sobre o tema:
CAPÍTULO II – DAS AÇÕES E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE Art. 2o Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes: II – estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação;
Seção V – Disposições Gerais – Art. 30. “Os planos plurianuais, as leis de diretrizes orçamentárias, as leis orçamentárias e os planos de aplicação dos recursos dos fundos de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão elaborados de modo a dar cumprimento ao disposto nesta Lei Complementar. § 1o O processo de planejamento e orçamento será ascendente e deverá partir das necessidades de saúde da população em cada região, com base no perfil epidemiológico, demográfico e socioeconômico, para definir as metas anuais de atenção integral à saúde e estimar os respectivos custos;
Seção III – Da Prestação de Contas – Art. 36. O gestor do SUS em cada ente da Federação elaborará Relatório detalhado referente ao quadrimestre anterior, o qual conterá, no mínimo, as seguintes informações: I – montante e fonte dos recursos aplicados no período; II – auditorias realizadas ou em fase de execução no período e suas recomendações e determinações; III – oferta e produção de serviços públicos na rede assistencial própria, contratada e conveniada, cotejando esses dados com os indicadores de saúde da população em seu âmbito de atuação.
- 1o A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão comprovar a observância do disposto neste artigo mediante o envio de Relatório de Gestão ao respectivo Conselho de Saúde, até o dia 30 de março do ano seguinte ao da execução financeira, cabendo ao Conselho emitir parecer conclusivo sobre o cumprimento ou não das normas estatuídas nesta Lei Complementar, ao qual será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público, sem prejuízo do disposto nos arts. 56e 57 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
- 2oOs entes da Federação deverão encaminhar a programação anual do Plano de Saúde ao respectivo Conselho de Saúde, para aprovação antes da data de encaminhamento da lei de diretrizes orçamentárias do exercício correspondente, à qual será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público.
- 3oAnualmente, os entes da Federação atualizarão o cadastro no Sistema de que trata o art. 39 desta Lei Complementar, com menção às exigências deste artigo, além de indicar a data de aprovação do Relatório de Gestão pelo respectivo Conselho de Saúde.
- 5oO gestor do SUS apresentará, até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, em audiência pública na Casa Legislativa do respectivo ente da Federação, o Relatório de que trata o caput.
Art. 39. Sem prejuízo das atribuições próprias do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas de cada ente da Federação, o Ministério da Saúde manterá sistema de registro eletrônico centralizado das informações de saúde referentes aos orçamentos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluída sua execução, garantido o acesso público às informações.
- 1oO Sistema de Informação sobre Orçamento Público em Saúde (SIOPS), ou outro sistema que venha a substituí-lo, será desenvolvido com observância dos seguintes requisitos mínimos, além de outros estabelecidos pelo Ministério da Saúde mediante regulamento: IV – realização de cálculo automático dos recursos mínimos aplicados em ações e serviços públicos de saúde previstos nesta Lei Complementar, que deve constituir fonte de informação para elaboração dos demonstrativos contábeis e extracontábeis; V – previsão de módulo específico de controle externo, para registro, por parte do Tribunal de Contas com jurisdição no território de cada ente da Federação, das informações sobre a aplicação dos recursos em ações e serviços públicos de saúde consideradas para fins de emissão do parecer prévio divulgado nos termos dos arts. 48e 56 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, sem prejuízo das informações declaradas e homologadas pelos gestores do SUS;
- 4o Os resultados do monitoramento e avaliação previstos neste artigo serão apresentados de forma objetiva, inclusive por meio de indicadores, e integrarão o Relatório de Gestão de cada ente federado, conforme previsto no art. 4oda Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990.
- 5oO Ministério da Saúde, sempre que verificar o descumprimento das disposições previstas nesta Lei Complementar, dará ciência à direção local do SUS e ao respectivo Conselho de Saúde, bem como aos órgãos de auditoria do SUS, ao Ministério Público e aos órgãos de controle interno e externo do respectivo ente da Federação, observada a origem do recurso para a adoção das medidas cabíveis.
Art. 41. Os Conselhos de Saúde, no âmbito de suas atribuições, avaliarão a cada quadrimestre o relatório consolidado do resultado da execução orçamentária e financeira no âmbito da saúde e o relatório do gestor da saúde sobre a repercussão da execução desta Lei Complementar nas condições de saúde e na qualidade dos serviços de saúde das populações respectivas e encaminhará ao Chefe do Poder Executivo do respectivo ente da Federação as indicações para que sejam adotadas as medidas corretivas necessárias.
Art. 42. Os órgãos do sistema de auditoria, controle e avaliação do SUS, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão verificar, pelo sistema de amostragem, o cumprimento do disposto nesta Lei Complementar, além de verificar a veracidade das informações constantes do Relatório de Gestão, com ênfase na verificação presencial dos resultados alcançados no relatório de saúde, sem prejuízo do acompanhamento pelos órgãos de controle externo e pelo Ministério Público com jurisdição no território do ente da Federação.
João Lima ao lado de Jurandi Frutuoso, Secretário Executivo do CONASS, durante Congresso em Goiânia
Dos Sistemas de informações oficiais do Ministério da Saúde para registros e monitoramento dos instrumentos de planejamento e orçamentário do SUS
O DigiSUS é um sistema de informação para estados e municípios, a partir das normativas do planejamento do SUS e da internalização da lógica do ciclo de planejamento orçamentário. Criado no âmbito da antiga Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde em conjunto com o DataSUS, o objetivo do sistema é apoiar os gestores municipais e estaduais na elaboração dos instrumentos de planejamento, ampliando a transparência e o monitoramento dos planos e dos gastos no SUS.
O SIOPS é o sistema informatizado, de alimentação obrigatória e acesso público, operacionalizado pelo Ministério da Saúde, instituído para coleta, recuperação, processamento, armazenamento, organização, e disponibilização de informações referentes às receitas totais e às despesas com saúde dos orçamentos públicos em saúde. O sistema possibilita o acompanhamento e monitoramento da aplicação de recursos em saúde, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sem prejuízo das atribuições próprias do Poder Legislativo e dos Tribunais de Contas. É no SIOPS que gestores da União, Estados e Municípios declaram todos os anos os dados sobre gastos públicos em saúde, proporcionando acesso público e irrestrito a essas informações.
Por um pacto Inter federativo de qualificação do SUS para os próximos 35 anos
No segundo artigo eu iniciei com a seguinte reflexão, que vale a pena reprisar, após toda explanação acima: estariam os 5.570 Conselhos Municipais de Saúde, 26 Conselhos Estaduais de Saúde, 01 Conselho Distrital de Saúde e o próprio Conselho Nacional de Saúde devidamente estruturados, qualificados e exercendo as missões de condutores das diretrizes do planejamento em saúde, seu monitoramento e fiscalização, inclusive no que diz respeito aos aspectos orçamentários e financeiros do SUS, conforme prevê as legislações do SUS?
Aproveito a abordagem acima sobre o controle social e complemento: estariam as estruturas das gestões do SUS dos 5.570 municípios, dos 26 estados e do distrito federal, efetivamente conduzindo e liderando todos os processos que envolvem o arcabouço do planejamento, orçamento e financeiro, à luz do que nos direciona a Constituição Federal, regulamentados por todas as normas infra legais aqui revisitadas?
A partir das informações trazidas na revisão legislativa acima, no que se referem aos instrumentos de planejamento de governo e do SUS, para as três esferas de governo, podemos afirmar que os Planos de Saúde e suas respectivas Programações Anuais de Saúde estão sendo elaborados, observando as boas práticas de elaboração nos quesitos tempo e efetividade de articulação, com o PPA – Plano Plurianual, LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias e LOA – Lei Orçamentária Anual? Os Planos de Saúde estão representando efetivamente os capítulos da saúde nos PPA’s? As Programações Anuais de Saúde estão sendo efetivamente reproduzidas nas LDO’s?
As casas legislativas, câmaras municipais de vereadores, assembleias legislativas e congresso nacional, vêm exercendo as suas funções de realização de audiências públicas quadrimestrais, conforme indica a legislação do SUS, para que gestores municipais, estaduais e nacional apresentem, respectivamente os seus RDQA’s – Relatórios Detalhados dos Quadrimestres Anteriores?
O Ministério da Saúde tem exercido a sua função de monitoramento e de auditoria sobre o que diz a legislação, no que concerne aos quesitos de conformidades da efetivação dos instrumentos do planejamento do SUS em estados e municípios, avaliando se o que tem sido executado condiz com o que realmente foi planejado pelas gestões e aprovados nos respectivos conselhos de saúde?
Considerando que o Sistema do DigiSUS, módulo planejamento, tem a missão de registrar oficialmente todos os instrumentos do planejamento do SUS, das três esferas de governo e o SIOPS de registro de toda a parte orçamentária, quais obstáculos ainda “resistem” ou “persistem” para que o Ministério da Saúde possa fazer a integração plena e a interoperabilidade dos dois sistemas, uma vez que, para a efetiva aplicação das legislações citadas, essa ação é estratégica?
Se efetivamente queremos avançar numa agenda de qualificação do SUS para os próximos 35 anos, precisamos trazer à superfície todos os elementos pilares, para que realmente tenhamos sucesso nessa empreitada. Se o SUS é um Sistema e por esse termo “sistema”, definirmos como um “conjunto de elementos interdependentes, de modo a formar um todo organizado”, precisamos priorizar, “hoje”, de forma pactuada entre as gestões tripartites e controle social do SUS, as pautas bases que proporcionarão, de forma efetiva, um pacto inter federativo pela qualificação do maior sistema público de saúde do mundo.
III Artigo produzido em comemoração aos 35 anos do SUS em 2023, de uma série de outros a serem publicados, construído a partir de uma revisão de normativas legais que institui e regulamenta o SUS no Brasil, em especial para o tema “Planejamento do SUS”.
João dos Santos Lima Júnior – cirurgião dentista pela UFS (2001) / Sanitarista/Especialista em gestão de serviços especializados em saúde, ex Secretário Municipal de Saúde de Nossa Senhora das Dores (2003–2004) e (2007–2008), ex Diretor de Atenção Integral à Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de SE (2013–2020), atualmente gerente do Centro de Especialidades Odontológicas de Nossa Senhora do Socorro.