Diferente talvez do que você pense, o 8 de março não é uma data criada apenas para homenagear às mulheres. Por mais que ao longo do tempo tenha se adquirido um aspecto “comercial” em muitos lugares, o chamado Dia Internacional da Mulher, comemorado desde o início do século XX, tem raízes profundas e históricas.
Hoje, a data é cada vez mais lembrada como um momento de reinvindicação à igualdade de gênero e com protestos ao redor do mundo, sua origem está associada à luta de mulheres que trabalhavam em fábricas nos Estados Unidos e em alguns países europeus. O 8 de março deve ser visto como momento de mobilização para conquista de direitos e equidade.
É bom deixar claro que há mais de uma versão a respeito da origem do Dia Internacional da Mulher. Entretanto, praticamente todas as possibilidades remetem às greves de trabalhadoras de fábricas têxteis, desde a Revolução Industrial, ainda no século XIX, quando elas começaram um protesto dentro do movimento socialista para exigir seus direitos. Amigo leitor, se as condições de trabalho para os homens já eram péssimas, imagine o tratamento opressor que as mulheres eram submetidas naquela época. IMAGEM 1
O Dia Internacional da Mulher só foi oficializado em 1975, período que a ONU (Organização das Nações Unidas) intitulou de Ano Internacional da Mulher para lembrar suas conquistas políticas e sociais. Apesar de todo o avanço e conquistas ao longo do tempo, problemas persistem. Questões como desigualdade, violência contra a mulher e feminicídio, por exemplo, permanecem como um verdadeiro espectro em nossa hipócrita sociedade.
E já que o assunto é “mulher”, suas lutas e bandeiras, você já ouviu falar a respeito de Maria Felipa? E Carolina de Jesus? Provavelmente tenha lido alguma coisa sobre a sergipana Thetis Nunes. Não? Este artigo é tão pequeno diante da grandeza biográfica dessas e outras mulheres. Mas, permita-me falar um pouquinho sobre essas guerreiras, ao menos informar.
Conhecida como “A heroína negra de independência”, Maria Felipa de Oliveira participou das batalhas da independência baiana, que iniciaram antes mesmo da declaração de independência do Brasil. Fato que contribuiu para consolidar nossa separação da coroa portuguesa. Uma das mais importantes participações de Maria Felipa deu-se em 1823, quando uma esquadra de 42 barcos portugueses se aproximava do Recôncavo Baiano para sufocar as revoltas locais. A capoeirista liderou um grupo de mulheres, de diferentes etnias e classes sociais, para incendiar diversos destes barcos, contribuindo para garantir a independência de nossa nação.
Carolina Maria de Jesus foi uma autora improvável. Catadora de papel, negra e favelada. No decorrer do seu ofício na coleta, nas horas vagas, registrava o cotidiano da favela em cadernos que encontrava no material que recolhia. Um destes diários deu origem a seu primeiro livro, Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada, publicado em 1960. A obra virou best-seller, foi vendida em 40 países e traduzida para 16 idiomas. Carolina de Jesus é uma das primeiras autoras negras publicadas no Brasil e teve sua vida atravessada pela miséria e pela fome. Personalidade feminina que narrou em seus escritos a vida dura que teve desde a infância.
Nascida no agreste sergipano, a itabaianense Maria Thetis Nunes, cursou o ensino secundário entre 1935 e 1941 em Aracaju, mais precisamente no Atheneu Sergipense. Depois ingressou na primeira turma da graduação em Geografia e História da Faculdade de Filosofia da Bahia. Reconhecida por ser uma mulher à frente do seu tempo, comprometida com uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Uma grande intelectual de Sergipe e orgulho para sua terra. Thetis Nunes faleceu em Aracaju, no dia 25 de outubro de 2009, aos 85 anos de idade deixando sua contribuição na área de educação e na historiografia sergipana.
Assim como Felipa, Carolina, Thetis e as 1500 manifestantes operárias norte-americanas são os típicos exemplos de figuras femininas que o preconceito insiste em ofuscar na nossa história. No entanto, fizeram a diferença, deixaram legado e devem ser trazidas para inspirar as novas gerações.
Ter na agenda mundial um dia destinado à mulher é sobretudo um momento de reflexão e debate no tocante ao papel feminino e sua importância. Para além das flores ou mensagens de caráter valorativo, é preciso muita sensibilidade e coerência tanto para apoiar a causa, combater um retrocesso, reconhecer as lutas femininas, respeitá-la fisicamente e moralmente, assim como redimensionar os lugares sociais, políticos e econômicos na construção do nosso corpo social avançando historicamente a fim da igualdade de gêneros.
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Ermerson Porto* Licenciado e mestre em história pela Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Maruinense de Letras e Artes (AMLA) e Integrante do Grupo de Pesquisa: Poder, Cultura e Relações Sociais na História (CNPq/UFS)