Uma pesquisa da Sempreviva Organização Feminista e de Gênero revela dados sobre o trabalho e vida das mulheres durante a vivência da pandemia de covid-19. 8,4% das mulheres brasileiras entrevistadas na pesquisa indicam que sofrem algum tipo de violência neste período. Sabemos que a violência contra a mulher, infelizmente, não é um tema novo. Diante deste cenário, é imprescindível tratarmos desta pauta, não só para nos protegermos, mas também, identificar vulnerabilidades do contexto macroeconômico, social e familiar. Em entrevista com a Coordenadora Pedagógica do curso de Psicologia da Faculdade São Luís de França, Marcela Teti, a doutora traz ponderações e observações essenciais para o cotidiano. Confira:

– Quais fatores você apontaria para o crescimento deste fato durante a pandemia?  
Marcela Teti (MT) – Alguns dos fatores que podem ser citados são: a) convivência intensa com o agressor, para as mulheres que estão em casa, em home office, por exemplo; b) aumento das tensões entre agressor e agredida, visto que as atividades de lazer fora de casa estão com medidas restritivas; c) distância de parentes, amigos e pessoas do entorno social, para quem seria possível pedir ajuda em momentos críticos do convívio com o agressor; d) o isolamento também dificulta as denúncias, visto que o agressor está o tempo todo com a vítima de violência doméstica.

– De que forma a mulher pode identificar que é vítima de violência doméstica?
MT – Os indícios de violência doméstica podem ser visíveis e/ou audíveis ou invisíveis e inaudíveis. Os primeiros são mais fáceis de identificar pois o ato de violência deixa marcas ou pode ser identificado por vizinhos, pessoas próximas. Mulheres que sofrem agressão física por parte do companheiro, filhos, pais, irmãos, de qualquer ordem são vítimas de violência doméstica. Do mesmo modo, xingamentos, conversas a base de gritaria e ordens sobre como uma mulher deve agir ou se comportar, representam atos de violência verbal. Muito embora algumas mulheres considerem direito de seus parceiros e familiares o ato de correção de seus comportamentos inaceitáveis por eles. O grande problema para a mulher se ver como vítima de violência doméstica são os atos invisíveis desta violência.

 
– E como seria esta violência ‘invisível’, trata-se da violência psicológica?
MT – Violência psicológica é a dimensão mais obscura da violência, bem mais difícil de identificar. Violência psicológica tem relação com a ideia de propriedade. Um homem acha que tem direitos a cercear o ir e vir de uma mulher. E muitas vezes faz isso em nome do amor. Assim, pode proibir que ela converse com parentes e amigas, que só confie nele para tomar suas decisões. Pode também afirmar que fazer o que ele pede são provas de que a mulher o ama, assim como estar com ele em todos os momentos em que ele acha importante para ela. O controle sobre o que ela veste, como fala, como age, o que ela come, são indícios de violência contra a mulher. Consiste também em violência contra a mulher a tendência de afirmar constantemente que ela é incapaz de viver só, de viver sem ele. Ou seja, uma forma de auxiliar a mulher se identificar como vítima de violência é a informação. Informação de que tudo que ela aprendeu na infância, com sua família, ou no convívio com o homem agressor, como certo, como atitudes louváveis de uma mulher direita, decente, muitas vezes são atos de violência contra a mulher.

– Quais transtornos psicológicos podem sofrer as mulheres que são alvo de violência?
MT – 20 milhões de pessoas no Brasil sofrem de transtornos mentais simples. 21% deste valor sofre de transtorno mental grave. Esta realidade certamente ficou pior com o evento do isolamento e da Pandemia. Durante a Pandemia, os transtornos têm relação com o estresse, sensação de incerteza quanto ao futuro e ao confinamento. A partir deste cenário, o transtorno mais comum é a Depressão. As mulheres estatisticamente já são maioria, como indivíduos acometidos por este mal. Na Pandemia isso se intensifica se manifestando por pelo menos dois dos seguintes sintomas: falta de energia, problemas de autoestima, sentimento de culpa, perda de libido, alterações de sono, pensamentos de morte e de suicídio, irritabilidade e ansiedade.
A ansiedade é outro transtorno que segue em ascendência durante a Pandemia. De forma intensa, a ansiedade atrapalha o desenvolvimento cotidiano na vida, gerando preocupações em excesso, incapacidade de relaxar a descansar, dificuldade de concentração, intolerância para as incertezas, calor, sudorese e taquicardia.

– E como proceder diante do diagnóstico destes transtornos?
MT – É necessário tentar seguir a rotina dentro do possível, reduzir o tempo gasto assistindo TV ou lendo notícias nas redes sociais sobre o Coronavírus, procurar dormir para descansar, evitar o consumo excessivo de álcool e drogas, buscar manter as relações sociais pelas redes sociais, fazer exercícios, ter dieta balanceada. Buscar ajuda profissional com psicólogo e psiquiatra a fim de passar por este momento melhor assistida.

– Quais as dificuldades mais comuns de suas pacientes que sofrem violência doméstica?
MT – Reconhecer que correm perigo ou risco de vida. As mulheres ficam assustadas com o que os companheiros fazem com elas, mas relatam os atos de violência como se fosse algo que não pudessem mudar. Às vezes, têm a vida confortável, são sustentadas e não querem perder estas regalias. Outras, elas são autônomas, em muitos casos sustentam a casa e o marido, mas relatam os acontecimentos como se estivessem contando a história de um filme de outra pessoa, como se de fato não vivenciassem uma situação de violência. Provavelmente creem que o que sofrem condiz com uma vida conjugal normal.

– Além da sobrecarga doméstica e de cuidados redobrados com idosos e crianças, como as mulheres poderiam cuidar melhor de sua saúde mental nesta fase?
MT – É importante reconhecer que este é um momento muito difícil para todas as pessoas e que o que lhes acontecem não é culpa delas. Caso a situação em casa não vá bem, a razão são as tensões em torno da Pandemia do Coronavírus. Assim, devem cuidar de si mesmas, desenvolver o autocuidado e preocupar-se com o seu bem-estar.

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