O mês de outubro representou um marco para o tratamento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no estado de Sergipe. No último dia 1º, iniciou-se o trabalho com o segundo protocolo clínico para tratamento do comportamento agressivo em pacientes maiores de 5 anos, com o uso de produtos derivados de Cannabis spp. A iniciativa é pioneira no país, por meio da Política Estadual da Cannabis, implementada pelo Governo de Sergipe, e representa uma esperança de vida nova para os pacientes que dependem desta medicação.
O primeiro protocolo foi lançado em dezembro de 2023, destinado a pacientes com epilepsia refratária, e mais de 50 pessoas foram atendidas. O atendimento é oferecido pelo Núcleo de Atendimento em Terapias Especializadas (Nate), que oferece apoio médico e orientação nutricional especializada. E em pouco mais de duas semanas desde o início dos atendimentos neste segundo protocolo as expectativas já são as melhores.
Nos atendimentos realizados no Nate, o médico Sérgio Luiz de Oliveira, especialista em cannabis medicinal, é o responsável pelos acolhimentos de pacientes com TEA. Ele mostra positividade com esta nova fase. “Nós esperamos que os pacientes melhorem com o comportamento agressivo, e possam aderir aos tratamentos multidisciplinares, que servem como principal tratamento para todos os pacientes autistas. As medicações são reservadas para casos de doenças associadas”, destaca.
As projeções feitas pela gestão estadual indicam que, neste segundo protocolo, o número de pacientes atendidos será bem maior. É o que pontua o enfermeiro Luciano Queiroz, referência técnica do Nate. “Em 1º de outubro começamos o segundo protocolo, e já temos 14 prontuários ativos, além dos judicializados que já estamos trazendo para dentro do serviço. Temos uma expectativa de atender, dentro desse segundo protocolo, aproximadamente 250 pacientes aqui em Sergipe. É algo muito promissor”, comemora.
Segurança e alívio para as famílias
O tratamento do autismo com produtos à base da cannabis envolve desafios muito além da saúde. Em sua maioria, os pacientes que dependem desta medicação a conseguem de duas formas: comprando de maneira direta esses remédios, o que gera um altíssimo gasto; ou por meio da judicialização, em um processo longo e desgastante, sem garantia de sucesso. Por isso, um programa como o do Governo do Estado, que oferece tais medicamentos, de forma gratuita, traz alívio e muita esperança a todos os envolvidos.
A gestora de RH Flaviane Luiza é mãe de Duda, 7 anos, que tem autismo severo diagnosticado desde 1 ano e 6 meses. Depois de tantos sacrifícios feitos em prol da saúde da filha, ela não esconde a empolgação com o novo passo. “Chegou em um determinado ponto que não tínhamos mais condições financeiras de arcar. Toda vez que eu ia pegar na farmácia o cannabis tinha uma crise de ansiedade, pensando ‘será que vão me entregar?’. Saio daqui do Nate confortável, sabendo que é uma coisa que veio para ficar”.
Tal ponto também é reforçado pela dona de casa Suely Rocha, mãe de Gabriel, de 10 anos. “Meu filho tem convulsões desde os quatro meses. O custo é altíssimo, quase impossível para nós que dependemos do BPC. O fato de o Governo estar olhando para nós é gratificante demais. É desanimador ver que seu filho não pode ter uma vida normal, e o cannabis é uma esperança”, disse ela, que é de Tomar do Geru e se desloca para Aracaju apenas pelo atendimento.
O tratamento no Nate também engloba os pacientes que já utilizam os remédios à base da cannabis. A dona de casa Maria das Graças Batista tem três filhos autistas, e um deles – Isack, 15 anos – necessita desta medicação específica. Há quatro anos ele usa os medicamentos com cannabis por judicialização, mas agora terá essa oportunidade pelo programa estadual.
“Eu lutei muito para conseguir os remédios com canabidiol para o meu filho. Gostaria que todas as mães tivessem a oportunidade que tive. E, graças a Deus, com esse programa, as pessoas vão conseguir o remédio de forma gratuita. Já passei a informação a outras mães, para que elas não precisem mais judicializar”, exalta.
O médico Sérgio Luiz complementa: “Quando eles são acolhidos pelo Nate, a gente continua o tratamento já iniciado. Nós diminuímos as barreiras e abrimos portas para esses pacientes. E para os novos pacientes que nunca usaram produtos à base de cannabis, há benefícios que serão sentidos ao longo do tempo”.
Benefícios da medicação
Estes benefícios são relatados pelos pacientes que já utilizaram tais medicamentos, como no caso de Maria das Graças com seu filho. “A partir do uso do cannabidiol, as crises do meu filho diminuíram muito. Isso me deixa muito mais tranquila para ele ter um bom desenvolvimento”.
Já Suely Rocha está no grupo daquelas cheias de esperança, por estarem embarcando agora nesta etapa. “Eu já procurei de tudo, e o cannabis é uma esperança para toda a família. Desde segunda eu estou vibrando e nem dormindo direito, confiante de que vai dar certo. Só tenho a agradecer por alguém estar olhando para nós”.
Além dos benefícios médicos, o tratamento pioneiro feito em Sergipe também serve como referência futura para outros estados e pesquisas na área. “A gente vai ter informação suficiente para gerar fontes de pesquisa, prontuários e outras informações, sobre reações adversas, efetividade do tratamento e dosagens utilizadas”, destaca Luciano Queiroz.
Sérgio Luiz reforça a importância da iniciativa do Governo do Estado em apoiar este tratamento. “O paciente mais controlado da agressividade vai ter um relacionamento melhor com as outras pessoas com as quais interage no dia a dia. A iniciativa do governo é realmente louvável. Todos os estados do Brasil estão de olho nessa iniciativa do Governo de Sergipe, para serem copiados lá fora. E a gente quer que isso aconteça, que outros estados também tomem essa iniciativa”, ressalta ele.
Porém, mais do que a explicação técnica, o relato emocionado de quem é positivamente afetado é a maior prova. Flaviane Luiza não segurou as lágrimas ao falar da importância deste projeto para ela e sua filha: “Muita gente ainda tem preconceito, mas os benefícios são inúmeros. Ver sua filha se agredir diariamente é muito doloroso. A gente se isola do mundo, porque muitos não entendem o que passamos. Com o cannabis, isso diminuiu uns 80% na minha filha. Temos que acolher e divulgar isso o máximo que pudermos”.
O serviço é porta aberta no Nate, com o acolhimento funcionando de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h. O atendimento é feito nas segundas e quartas-feiras para os pacientes com TEA, e às sextas-feiras para aqueles com epilepsia refratária – além do serviço de acompanhamento paralelo.
Fonte, Secom – Estado.