Nos últimos dias, um dos comediantes mais conhecidos do país, em discussão com um professor/youtuber em rede social, fez afirmações que, para dizer o mínimo, podem ser consideradas indesejáveis. Após opinar que as pessoas deveriam ter total liberdade para gastar quanto quisessem em certo produto cosmético se assim desejassem, o humorista foi criticado pelo historiador, para quem a experiência seria fundamental para construir certos tipos de conhecimento, mas não para “definir um sistema e todas as suas variáveis e complexidades. Se a experiência pessoal bastasse, então a meritocracia seria algo aplicável”. O que estava em questão era que o comediante, apenas a partir de suas vivências, buscava apresentar considerações valorativas sobre a decisão de comprar ou não algo a que muitas pessoas não teriam acesso, além de favorecer um sistema econômico que perpetuaria a desigualdade. O comediante apresentou, em seguida, uma resposta, digamos, algo enraivecida, segundo a qual não acreditava em meritocracia e, além disso, “O universo tem 13 bilhões de anos, um sistema criado por um peido de lampejo de pensamento à [sic] alguns míseros anos pode ajudar a humanidade por um tempo, mas não pra sempre, você é burro”.

Curiosamente, essa resposta parte do pressuposto implícito de que vivências pessoais valem mais do que anos de estudo. Ora, o humorista, que não tem qualquer formação específica em história ou economia, fez uma afirmação bastante dura sobre um sistema econômico em particular, com base simplesmente em achismo. Não quero citar nomes, mas, para esclarecer as coisas, informo que o historiador em questão vem defendendo de maneira bastante incisiva o marxismo leninista em seu canal no YouTube, de modo que se pode presumir que o humorista, com base em sua experiência de vida (e mais nada), fez uma afirmação pesada sobre o marxismo, afirmando que alguém que possa aderir a ele “é burro”, simplesmente porque isso é o que ele pensa.

Deixando de lado o que eu possa (ou não) pensar sobre o marxismo leninista, não foi a única vez em que atividades como estudo, ensino e pesquisa foram atacadas nos últimos dias. Vale lembrar, também, o caso de certa funkeira que desprezou a atividade de professoras e professores. Mais especificamente, ela teria dito que uma professora “não ganha nem 5 mil”, enquanto “30 minutinhos em cima do palco, eu ganho 70 mil”.

Os dois casos são, é claro, diferentes. Em um deles, o que foi posto em questão foi a capacidade de compreender a realidade a partir de estudos, os quais seriam demasiadamente frios, descolados da realidade por serem conduzidos por gente “burra” que, presa em torres de marfim, perdeu o contato com a realidade. No segundo caso, temos apenas escárnio descarado com relação a professores, apenas porque ganham menos dinheiro do que gente que passa “30 minutinhos em cima do palco”. Ainda assim, parece que os dois casos apontam para algo parecido: um trabalho sério de pesquisa e formação seria passível de ser desmerecido porque não vai trazer remuneração decente e, de quebra, não vai fazer com que alguém tem a dizer seja ouvido com atenção. O professor, portanto, está relegado a uma situação em que é visto como mal pago, e, só por isso, não é alguém a se admirar, muito menos alguém a se emular. Por outro lado, pode ter suas opiniões desconsideradas apenas porque, paradoxalmente, não é visto como alguém que sabe como funcionam as coisas “na quebrada”, apenas como alguém que expõe sua cultura livresca.

Entendo, é claro, que professores e pesquisadores talvez tenham se distanciado da opinião pública. Talvez isso seja particularmente claro no caso de alguns professores universitários, que são verdadeiros gênios no laboratório, mas fazem feio diante de uma câmera ou de uma plateia de leigos. Entretanto, as falas do comediante e da funkeira não tinham o propósito de apontar a necessidade de aproximação entre professores e “a realidade”: foram apenas manifestações de deboche, feitas de modo agressivo. Em um mundo em que atividades como docência e pesquisa fossem efetivamente respeitadas, esse tipo de discurso simplesmente não ocorreria. Em um mundo em que ganhar dinheiro se torna sinônimo de poder dizer o que se quer, por outro lado, as coisas são diferentes… E, inclusive, uma celebridade dizer o que quer pode significar, em alguma medida, atraso para a construção de conhecimento, na medida em que jovens talentos são desestimulados no que diz respeito a seguir uma carreira cada vez mais árdua.

A solução, acredito, passaria por políticas públicas diversas e, também, por estratégias institucionais para melhorar a comunicação entre universidades/escolas, de um lado, e sociedade, de outro. A universidade se abrir mais para o povo certamente colaboraria para desmantelar certos discursos imbecilizantes que, infelizmente, continuarão a aparecer enquanto apenas a conta bancária importar.

  • Professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Membro do Grupo de Ética e Filosofia Política.