Secretaria não comprova despesa com pagamento de refeições e se atrapalha em nota à imprensa
De setembro de 2014 a dezembro de 2018 a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) gastou aproximadamente 1 milhão de reais com a compra de refeições para servidores lotados no COPE, DIPOL, DENARC, IML, Criminalística e Supci. Isto é o que revelam os contratos de nºs 086/2014 e 046/2018, assinados respectivamente com a Nutriserv Alimentação e Serviços Ltda e com a Serbras Serviços de Alimentação Eirelli firmados à época com a SSP.
De acordo com as publicações em Diário Oficial, a secretaria contratou a Nutriserv, que ficaria responsável por servir café da manhã, almoço e jantar aos policiais lotados no COPE, DIPOL, DENARC, IML, Criminalística e Supci. Durante os 12 primeiros meses de contratação, segundo a documentação firmada entre a Nutriserv e a SSP, a empresa de alimentação recebeu o montante de R$ 13.350 mensalmente.
Após este período, o contrato foi estendido por mais três anos, e o valor mensal pago à Nutriserv chegou até a R$ 20.280. Mas, no dia 16 de julho de 2018, a SSP rescindiu – amigavelmente – o contrato com a Nutriserv. A rescisão foi publicada em Diário Oficial no dia 23 de julho de 2018.
O curioso é que apenas um dia após o cancelamento deste contrato da SSP com a Nutriserv, a secretaria firmou contrato com outro fornecedor de alimentos, a Serbras Serviços de Alimentação Eirelli, conhecida apenas por Serbras. O valor anual de gastos da SSP com estas contratações é de R$243.360 pagos por serviços que, conforme cláusula contratual, privilegiam alguns gatos pingados, já que todos os outros policiais civis do interior do estado não recebem nenhuma alimentação.
ALGUÉM COMEU MINHAS QUENTINHAS
A reportagem do CINFORM conversou com diretores e servidores da Superintendência, IML e Instituto de Criminalística para saber quem recebia as refeições (café da manhã, almoço e jantar) e como era feito o controle, de maneira a justificar uma despesa de mais de 200 mil reais por ano.
E é aí – a partir do momento em que os policiais civis são ouvidos e relatam a versão deles – que a história toda piora. Porque, apesar de o valor desembolsado pela SSP nos últimos quatro anos, os policiais civis lotados no COPE, DENARC e DIPOL jamais receberam uma única refeição em todo o período.
Quem revela os fatos são servidores públicos como o escrivão de polícia Antônio Moraes. Ex-presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Sergipe (Sinpol-SE), Moraes é taxativo: “Sou escrivão há 16 anos. Fui dirigente sindical do Sinpol por oito anos, e posso assegurar, não há alimentação para a polícia civil, não há quentinhas para policiais civis”.
Moraes ainda aproveita a deixa e ironiza: “Se este contrato existiu, alguém comeu as minhas quentinhas”. E continua: “Os policiais não falam disso abertamente porque temem perderem algum privilégio ou temem perder uma chance de serem privilegiados, em algum momento”.
RESPOSTA DA SSP
A própria SSP confirma que – apesar do pagamento às empresas – e com exceção do IML e Instituto de Criminalística, as refeições não foram entregues nos locais previstos nos contratos, mas em outros setores, a pedido da Superintendência da Polícia Civil. Em nota à imprensa, “a secretaria esclarece que o contrato 086/2014 prevê o fornecimento de alimentação para algumas unidades da Polícia Civil e da Coordenadoria Geral das Perícias, no entanto, há uma previsão contratual que não obriga a administração a fornecer para todos os departamentos, divisões e setores citados no contrato”.
Nos quatro anos do contrato, iniciado em 2014, foram fornecidas refeições diárias pela empresa contratada para servidores do Instituto Médico Legal (IML), Instituto de Criminalística e para alguns setores, a pedido da Superintendência da Polícia Civil. Não houve fornecimento de alimentação para Denarc, Dipol ou Cope.
INSTITUTO MÉDICO LEGAL
No IML, um dos diretores da instituição, que é médico legista, assegura que, durante o período de plantão, os servidores públicos do IML recebem almoço e jantar. Acerca do contrato, o profissional não pôde falar porque a parte financeira do instituto é tratada em outro departamento da SSP.
No entanto, assim como os policiais civis do COPE, DENARC e DIPOL, os servidores do IML e do Instituto de Criminalística também não têm conhecimento sobre o fornecimento dessas refeições. Alguns dos servidores entrevistados trabalham nos órgãos há mais de 20 anos. A reportagem esteve no IML na tarde do último sábado, dia 26, por volta das 15h.
Chegando lá, um dos papiloscopistas foi acerca e questionado acerca da qualidade das refeições, das quentinhas da SSP. O policial (papiloscopistas fazem parte da polícia técnica de acordo com o artigo 144) abaixou a cabeça e começou a rir com o canto da boca, sem graça.
“A gente não pode falar, se a gente falar qualquer coisa a gente é punido. Existe uma coordenação aqui no IML que responde estes assuntos. Venha aqui no período comercial, durante a semana, e pergunte por Dona Lucimara”. Enquanto o papiloscopista falava, um colega dele, também servidor público, se aproximou. A reportagem questionou esse segundo servidor público, prometendo não publicar o nome deles como fonte: “Moça, o que mais tem aqui (no IML) é informante”.
No dia anterior a ida da reportagem ao IML, na sexta-feira, dia 25, o jornal também conversou com o presidente do Sinpol, Adriano Bandeira. Por telefone, Bandeira disse desconhecer o fato, argumentou que durante a gestão dele nenhuma denúncia acerca de refeições chegou ao conhecimento do sindicato, acrescentou que não falaria nada sem estar com o total domínio da situação, quis saber do que se trataria, prometeu analisar a situação, e chegou a soltar, durante plantões, comia refeições servidas. O Sinpol é o sindicato que representa a categoria dos policiais, exceto delegado. Nele se também toda a polícia técnica como os papiloscopistas.
Se as refeições não foram entregues, onde foi parar a quantia de 1 milhão de reais paga pelo contribuinte?