Nos últimos anos temos visto cada vez mais relatos de brasileiros que passam vergonha no exterior. Em geral, são homens brancos, com algum grau de formação profissional, mas apresentando conduta sexual duvidosa que constrangem mulheres em situações vulneráveis. Quem não se lembra do episódio de brasileiros na Copa do Mundo de Futebol da Rússia, em 2018, quando em rede nacional brasileiros assediavam escancaradamente as mulheres locais e eram ovacionados por muitos no Brasil? O caso mais recente que ganhou o mundo do Ocidente ao Oriente é do médico gaúcho, em viagem ao Egito, preso pelas autoridades daquele país e só liberado depois de ter pedido desculpas à vítima. A questão que precisamos pensar é: por que isso tem se repetido tão frequentemente? Ao que tudo indica, não se trata de um caso apenas, mas de um modo de ser e de agir.

Infelizmente, graceja no Brasil uma visão rasteira da mulher objeto, sempre disponível ao uso e abuso do sexo masculino. Casos de jogadores de futebol a participantes em programas de reality show de TV são conhecidos por todos. O que chama a atenção desses episódios é que em todos eles houve a exposição da mulher ao olhar público. Assim, não é suficiente constranger a vítima: é preciso sentir prazer ao exibi-la e humilhá-la para os amigos e seguidores nas redes sociais. O gaúcho metido a conquistador tem praticamente um milhão de seguidores e recebeu centenas e centenas de comentários, ficando nos assuntos mais comentados da semana.

Após vasculharem a suas redes sociais, verificaram que essa não foi a primeira vez que agiu daquela formar. A Folha de São Paulo (3/6/2021), por exemplo, verificou que o médico também praticava ilegalmente sua profissão em Portugal. A mesma fonte registrou que o gaúcho ficou conhecido na pandemia por defender o chamado “tratamento precoce” para a covid-19, com o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para a doença. Ainda segundo esse jornal, o médico é apoiador do atual presidente do país e disse em entrevista ao site Terça Livre, que os medicamentos “são conhecidos e não causam risco nem prejuízo”. Trata-se de um apreciador, no mínimo, de fake news. É esse tipo de gente que está governando o Brasil e por causa de comportamento como esse está

empurrando o país para o precipício. O que leva uma pessoa dessa a agir dessa forma? Seria a falta de educação? Certamente, não. O que seria, então?

A classe média-alta se põe numa posição de usurpadora da vida e da morte alheia a seu bel prazer, uma vez que nem todos os brasileiros, infelizmente, têm condições de viajar para o exterior. Na condição de detentora do poder e do dinheiro, acha que pode comprar tudo e todos e ainda sair ilesa. Não se trata, no nosso entendimento, de uma questão de formação. Esse tipo de gente estudou em bons colégios e faculdades, razão pela qual deve falar várias línguas. Como dizia minha mãe, é “estudado” e “viajado”. Ou seja, não é uma questão de falta de conhecimento, mas de aplicação do que aprendeu. Nos estudos realizados, aprendeu a ter empatia pelo outro? Considerou reconhecer-se diferente em relação ao outro sem querer dominá-lo? Viajou para conhecer melhor o mundo e a si mesmo? Que aprendizado trouxe das viagens que fez? Tudo indica que não. Suas viagens devem servir para mostrar nas redes sociais a sua banalidade e com isso adquirir delas mais algoritmos. Seu objetivo é ser visto e apreciado por uma legião de gente tão vazia quanto ele e a sua classe.

Gente como essa, descrita acima, é estupidamente incivilizada, grosseira, insensível. É o tipo que não se apieda diante daquele que sofre, que não se importa com as quase 500 mil mortes de covid, que não se intimida com o sofrimento do povo negro (afinal, isso não passa de mi mi mi), que não liga para as humilhações emitidas à comunidade LGBTQI+ quotidianamente. É esse mesmo povo que acha que “bandido bom é bandido morto”; que é preciso mais armas, menos direitos humanos; que não suporta crítica, razão pela qual tem ódio mortal à Universidade pública e àqueles que a defendem.

Não se trata, portanto, de ignorância, de falta de oportunidade ou de conhecimento. A formação recebida, por melhor que tenha sido, profissionalmente, não foi capaz de transformar o animal que cada um de nós somos, em ser humano racional e sensitivo. Quando a educação recebida não é transformadora, viramos máquinas, reprodutor de programas, insensíveis à realidade que nos cerca e à comunidade na qual estamos inseridos. A ignorância mata tanto quanto um voto equivocado, uma arma certeira ou palavras assassinas.

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