Baixa do estoque pesqueiro tem impactado a
cultura e economia nas comunidades ribeirinhas

O São Francisco sempre representou um dos mais importantes cursos de águas do Brasil, sendo o quarto maior rio do país. Sua rota marítima nasce no estado de Minas Gerais e segue caminho atravessando a Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. O chamado Baixo São Francisco – que vai de parte da Bahia até a foz – abrange 14 municípios em Sergipe e suas águas sempre banharam a economia de pequenas comunidades ribeirinhas locais.

Porém, essa realidade tem mudado: peixes importantes para a subsistência dessas comunidades vinham desaparecendo em decorrência, entre outras coisas, da construção de usinas hidrelétricas e barragens, causando preocupação tanto para as famílias que dependem desses peixes, quanto para a preservação dessa população peixeira.

Marcelo Brito: “Não basta dominarmos protocolos de reprodução artificial” 

Guiado por essa preocupação, Marcelo Fulgêncio Guedes de Brito, professor da Universidade Federal de Sergipe, mediou, em 2012, uma parceria da instituição com a Companhia de Desenvolvimento do Vale    do        São Francisco (Codevasf), para realizar o monitoramento de peixes nos trechos do rio que ficam entre o município de Propriá, em Sergipe, e de Porto Real do Colégio, em Alagoas. O segundo passo foi a implementação do peixamento no Baixo São Francisco, buscando a recomposição do estoque pesqueiro.

“Desde que começamos o trabalho, acompanhamos o comportamento dos peixes ao longo dos anos. Temos notado que espécies nativas de importância na pesca comercial têm aparecido com muito baixa frequência no Baixo São Francisco”, conta. Essa baixa frequência de peixes nativos comerciais da região, como o curimatá, surubim, matrinxã e dourado, tem causado vários problemas para as famílias que vivem da pesca e para o próprio desenvolvimento do bioma marinho.

Segundo o professor, o barramento do rio tem levado cada vez mais a diminuição ou desaparecimento desses peixes importantes porque essas espécies dependem do canal principal do rio para migrar e se reproduzir. “Hoje a construção de represas representam uma barreira física, impedindo que os peixes passem pelo montante e encontrem locais mais adequados para se reproduzir”, diz.

Outra preocupação também tem sido o favorecimento da proliferação de espécies ditas “oportunistas”, como o tucunaré e o pacu, que, com o represamento do rio, tem encontrado águas favoráveis para seu estabelecimento. “Essas são espécies que gostam de águas mais calmas e como o rio agora não tem mais as inundações que ocorriam no passado, favorece a permanência desses peixes”, afirma Marcelo.

Essas condições têm sido cada vez mais determinantes para que pescadores da região busquem alternativas para subsistência de suas famílias. Como a pesca vem se tornado cada vez mais difícil, tornando-se, na maioria dos casos, uma atividade secundária, esses trabalhadores tem se dedicado a atividades como de pedreiro e carpinteiro. Isso se desdobra em outro problema: a perda do conhecimento tradicional local.

O professor diz essa perda leva as futuras gerações a estarem cada vez mais distantes dos peixes locais nativos. “Apresentamos algumas espécies nativas do rio em algumas escolas, em uma ação de educação ambiental, e os alunos não conheceram. Esse conhecimento tradicional de onde a espécie habita, o que come, os hábitos, tudo isso vai sendo perdido porque não se tem mais essas espécies”.

Peixamento e educação ambiental

Se o represamento das águas do rio significa uma ameaça para peixes nativos importantes, a chamada atividade de peixamento e educação ambientam representam a esperança da preservação dessas espécies. O peixamento – ação de repovoar as águas com os peixes – já era realizado pela Codevasf, mas foi reforçado com a chegada do projeto do professor Marcelo Fulgêncio.

“As ações foram realizadas buscando primeiro: informações de base, dentro dos trabalhos científicos que temos feito na região, depois associando ao conhecimento tradicional dos pescadores, para que a aplicabilidade seja direta à realidade local. Unimos o conhecimento ecológico tradicional e a parte científica”, ele conta.

Esse repovoamento está intrinsecamente ligado a ações de educação ambiental, desenvolvidas para os alunos de escolas locais. Primeiro, eles tiveram acesso ao conhecimento teórico, através de palestras direcionadas. Depois, puderam ter contato direto com as espécies, ação desenvolvida no Centro de Referência em Aquicultura e Recursos Pesqueiros do São Francisco (Ceraqua). “Eles puderam ter contato direto com os animais para poder se sentir responsáveis pela conservação. Não basta dominarmos protocolos de reprodução artificial dessas espécies se não conseguirmos conservar o ambiente em que estão”, diz Marcelo.

Além disso, os estudantes puderam soltar esses peixes nativos de importância comercial, contribuindo para o reaparecimento de peixes como o piau, a shira e o matrinxã, este último ameaçado de extinção.

Quanto mais perto e mais barato, melhor

Epidemia de esquistossomose se prolifera em vários municípios

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