“Não se esqueça, estamos acostumados há séculos a brincar com problemas e brigar com ideias.” Theodor Herzl para Stefan Zweig
Essa frase pronunciada no início do século XX em meio às grandes guerras que mudaram a história do mundo, parece se encaixar como uma luva ao momento que estamos vivendo, numa prova contundente de que a história é cíclica e que não evoluímos como seres humanos em si, da mesma forma que não evoluímos como o conjunto de nações. A tecnologia sim, se desenvolveu de forma exponencial e não nos parece que o homem o tenha feito na mesma proporção. Com o final da segunda guerra mundial, depois de atrocidades inimagináveis para os seres humanos serem cometidas em nome de uma ideia, foi criada a Assembleia Geral das Nações Unidas que proclama a célebre Declaração dos Direitos Humanos cujo primeiro princípio, sempre alguma coisa essencial, reconhece a dignidade humana como algo inerente a todos. Reconhecer dignidade e direitos iguais para todos significa abrir mão de privilégios para alguns já que a natureza do privilégio carrega consigo a ideia de exclusão. Apesar dessa declaração eivada de significados a história vai continuar mostrando em nuances muito fortes o absoluto desrespeito a esse primeiro princípio. Princípio esse que pretendia garantir a cada indivíduo a manutenção da dignidade humana e assim assegurar a paz entre os povos e entre os homens, que se esperava, fossem todos de boa vontade. Mas a distância embaça a visão e embota as lembranças, subjugando os sentimentos.
Vivemos hoje uma época de individualismo exacerbado e de privilégios abusivos para os detentores do poder em qualquer esfera em que ele se manifeste; a ausência de sentido para a vida coletiva exclui o outro de relações saudáveis, já que esse tipo de sociedade alimenta a desconfiança absoluta em relação ao outro como forma de alimentar a sua conduta egóica.
Estamos vivenciando uma catástrofe em nosso país e no mundo. As cooperações que tanto precisamos e que a fantástica tecnologia está a nos oferecer são vistas com desconfiança e pior com descrédito e até como ameaça; e brigamos com as ideias enquanto brincamos com o gigantesco problema que temos pela frente, as vidas de milhares de pessoas destituídas da sua própria dignidade, do seu direito primeiro, o direito à vida, enquanto os poderosos se locupletam como os defensores de todas as ideias, de todos os “ismos”, indiferentes a tudo que não sejam eles mesmos e a manutenção dos seus espaços de poder. Enquanto eles se digladiam e se afirmam nesse jogo permanente de ganhar sempre, nós nos enfrentamos num jogo do sempre-perde pois como sebastianistas ou judeus estamos sempre à espera daquele que há de vir para sarar todas as nossas feridas. Ainda não temos a consciência que nós é que teremos que fazer o tratamento para curá-las. E esse povo que também se acostumou a brincar de ser gente e brigar por ideias que sequer são suas, vai seguindo como na composição de Caetano Veloso: “Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos e perdem os verdes”. Avançam o sinal vermelho do desrespeito às normas estabelecidas, dos protocolos seguidos e testados em várias partes do mundo, ignorando o outro, desrespeitando-o sem ter a consciência de que perde com isso o sinal verde da dignidade.