Por Henrique Maynart
Fazia sol na primeira manhã de agosto, o painel do Sistema Meteorológico de Sergipe estava cheio de razão, começar a reportagem com o pé direito nunca é demais. Centro de Monitoramento Climático e Meteorológico, nove horas e trinta e oito minutos. Quatro monitores repletos de dados, dosagens, nuvens em constante movimento num balé rápido e confuso, seguidos por um grande painel que monitora o céu nordestino em tempo real. O funcionário responsável pela Tecnologia da Informação, em destaque solitário na ponta da sala, nos explica todo o processo automatizado que justifica aquela quantidade de máquina sem gente. O futuro está previsto.
Encontramos o funcionário mais antigo do Centro de Meteorologia de Sergipe no Quartel General da previsão do tempo, às dez horas e oito minutos daquela quarta-feira, tapeando as férias que gozou até o início desta semana que vos fala. “Bem vindo de volta Overland”, cumprimenta a funcionária da Secretaria de Meio Ambiente, “ não não, só volto na semana que vem, marquei uma conversa com o pessoal do jornal”, responde apressado com o dedo estirado em direção à reportagem do CINFORM. De óculos escuros em plena sala fechada, Overland Amaral segue em fala pausada e levemente rouca, munido de uma xícara de café que leva à boca com leve tremor a goles curtos. “Bebida de intelectual”, descontrai. O senhor da previsão do tempo está a postos.
POR SER DE LÁ DO SERTÃO
“Toda a minha vida foi dedicada à meteorologia no serviço público, aos estudos dos fenômenos de ordem atmosférica”, afirma o gloriense de 66 anos de vida e quase quatro décadas de serviços ligados ao setor. Por ser de lá do Sertão de Nossa Senhora da Glória, Overland observava a migração provocada pela seca com tristeza e inquietação. “Desde menino eu não suportava ver período de seca, aquela coisa que expulsava tanta gente, ver tanta gente migrar para o sul do país, sempre fui me perguntando, estudando, e aos poucos fui entendendo este lado social da consequência climática. A extensão da seca tem um fenômeno social muito maior, este foi o grande motivo daminha vida”.
Devidamente casado, Overland pica a mula para a capital sergipana aos 21anos e começa a trabalhar na área como estagiário, enquanto cursava Geografia na Universidade Federal de Sergipe. “Fui fazer um trabalho da faculdade na Codise, os serviços de meteorologia estavam lotados lá nesta época, e surgiu o convite para estágio. Concluí o curso, fui contratado e estou aqui até hoje (risos)”. Efetivado em 1984 pelo Núcleo de Estudos Naturais e Climatológicos da Secretaria de Estado do Planejamento, ele seguiu pautando todos os seus estudos na área. Ao longo das décadas, seu trabalho envolveu a criação do Centro de Estudos e Pesquisas Espaciais , na década de 90, o envolvimento com a pasta de Recursos Hídricos “tanto no excesso quanto na falta”. Atualmente os trabalhos de meteorologia e assuntos correlatos estão lotados na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh).
NA CADEIRA DO GOVERNADOR
Figurinha carimbada da mídia sergipana, o coordenador do Centro de Meteorologia do Estado de Sergipe concedeu, ao longo de sua carreira, centenas de entrevistas e depoimentos acerca dos eventos climáticos mais diversos, de secas a enchentes, de estiagem a toró que cai de sopetão. Um evento que lhe marca a memória foi o grande período de chuvas que ocorreu entre abril e maio de 2010, quando o Centro notificara a Defesa Civil para a possibilidade do “evento de chuva”.
Chamado para dar explicações no Palácio de Veraneio, Overland foi inquirido diretamente pelo ex-governador Marcelo Deda: “você acredita mesmo nisso aqui?”, respondeu de bate-pronto: “poxa Deda, eu dei toda a minha vida por isso, eu acredito sim, fui eu que fiz este alerta”. A partir dali fora montada uma força-tarefa com uma série de secretarias e entes do poder público para conter e minimizar os efeitos daquele “evento”. O toró dá o ar da graça em Sergipe apenas cinco dias depois do aviso. Chamado novamente ao Palácio, ouviu diretamente do ex-governador: “rapaz, realmente, você é um soldado na frente de batalha e eu vou me aliar a você… quero dizer que é você quem deveria estar sentado na cadeira do governador neste momento”, afirmou em tom de brincadeira. Naquele momento houveram eventos parecidos em Alagoas e Pernambuco. “Houve um grande evento, houve destruição e prejuízos materiais, mas nenhuma vida foi ceifada. E esse é o nosso lema, é informar para defender o cidadão.”
O SENHOR DOS MEMES
“Não acredite em políticos, acredite em Overland Amaral”, “Overland para presidente em 2018: este não mente”, estas e outras frases encharcam as redes sociais dos sergipanos, sobretudo em tempos de fortes chuvas ou estiagens, além dos períodos eleitorais. Ele confessa que se diverte bastante com a brincadeira e fica até feliz em poder dar alguma alegria em um momento político eivado de descrédito e desconfiança.
“Eu acho divertido, aquilo é uma válvula de escape da população. Me utilizam de uma forma que todo mundo se diverte, de tornar mais relaxada essa vida política e social. Eu me divirto com isso, se eu puder colaborar com o bem-estar das pessoas, com a liberdade das pessoas eu vou colaborar. Além de me preocupar com a defesa do cidadão, me preocupo com o bem estar e a gente precisa cultivar toda essa liberdade, esse lado também me sensibiliza.”
LEGADO
Aos 66 anos de idade, o coordenador do Centro de Meteorologia está com a aposentadoria marcada para daqui a 4 anos. Atualmente, não há nos quadros no efetivo do Estado de Sergipe que possa substituir o seu trabalho, acumulado por décadas de esforço. “Entrei aqui ainda sem cabelos brancos, olhe só como está agora” (risos). Em tempos de automação computadorizada, exemplificada pela própria solidão da sala em que ocorre a entrevista, Overland fala das dificuldades quanto aos recursos humanos do setor.
“Olha, em termos de Recursos Humanos a gente é muito limitado. Aqui no setor temos: eu, o responsável do TI e um estagiário. Nos anos 90 eu cheguei a ter uma equipe numerosa, mas a tecnologia de sensores e softwares não estava como está hoje. Mas a demanda por recurso humano é sentida aqui, espero que haja avanços não só na parte de aquisição de um radar específico para Sergipe, que haja concurso público para o setor. Gente capacitada em Sergipe pra isso, tem”.
Ao final da conversa, a pergunta derradeira: “mas vai chover no final de semana, Overland?”. Entre risos, retruca: “olha no portal do Sistema Meteorológico, é público e aberto”. A reportagem se despede com o gosto e a certeza de que poderia ter saído sem essa, vida que segue. O final do inverno meia-boca que assola o litoral nordestino oscila entre o calor satânico, a nublagem abafada e os torós que despencam de sopetão. Tempo bom, tempo ruim, a vida segue sem estação definida pelos arredores de Sergipe.