O Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, implantado com a Constituição Federal de 1988, surge a partir da luta da sociedade civil organizada, através de um movimento conhecido como Reforma Sanitária, em meados da década de 70. Esse movimento defendia a democratização da saúde, justamente num período no qual novos sujeitos sociais emergiram nas lutas contra a ditadura. Estudantes, professores universitários, setores populares e entidades de profissionais de saúde passaram a defender mudanças na saúde pública do Brasil.

Antes de entrarmos propriamente nesse período, importante fazermos um breve resgate histórico sobre o cenário da saúde pública no Brasil, desde o período colonial, para entendermos as principais causas que motivaram o surgimento do movimento da reforma sanitária e a sua importância estratégica na criação do SUS.

Na Colônia e no Império, pouco se fez pela saúde pública no país. Os acessos aos tratamentos variavam de acordo com a classe social. Nobres e pessoas de maiores posses tinham acesso aos remédios e melhores tratamentos na época. Maior parte da população era cuidada nas Santas Casas de Misericórdias, organizadas pelos religiosos. Presença forte das figuras dos Curandeiros, nesse período. No Império algumas medidas foram tomadas, em prol da Saúde, porém muito aquém da necessidade da população.

João Lima Júnior, especialista em Gestão de Serviços Especializados em Saúde

Com a República, novos ares foram trazidos em prol da saúde no Brasil. As ações de saneamento e de saúde pública foram priorizadas e sempre estavam atreladas ao desenvolvimento econômico do país. Campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, aprovada por lei em 1904, liderada por Oswaldo Cruz, recebeu críticas e foi intensamente combatida com mentiras, o que acabou gerando a revolta das vacinas. Sugerida por Oswaldo Cruz, tornava obrigatória a exigência de comprovantes de vacinação contra a varíola para a realização de matrículas nas escolas, obtenção de empregos, autorização para viagens e certidões de casamentos. A medida previa também o pagamento de multas para quem resistisse à vacinação. Mesmo com ações preventivas, a população continuava morando em lugares insalubres. A Gripe espanhola, que teve início em 1918, causou a morte de mais de 300.000 brasileiros.

Nos anos 20 foram criadas, pelos trabalhadores, as CAPS – Caixas de Aposentadorias e Pensões para garantir proteção na velhice e na doença. No período de Getúlio Vargas, as CAPS foram fundidas com a criação dos IAPS, Instituto de Aposentadorias e Pensões, ampliando o número de categorias de trabalhadores beneficiados. Também, no período de Getúlio, foi criado o Ministério da Educação e Saúde.

Na época de Getúlio, as ações preventivas e de combate às endemias foram priorizadas, porém, os recursos dos IAPS eram desviados para outras finalidades, em especial para a industrialização do país. Mais uma vez a saúde pública não chegava a todos e o Brasil continuava doente.

A 8° Conferência Nacional de Saúde, em 1986, ampliou os conceitos de saúde pública

A constituição de 1934 proporcionou aos trabalhadores novas conquistas, como a assistência médica e a licença à gestante. Em 1953 foi criado o Ministério da Saúde, que se ocupou, principalmente, com as políticas de saúde nas zonas rurais, enquanto nas cidades, o privilégio de ações de saúde era para os trabalhadores que possuíam Carteira assinada.

Com a ditadura de 1964, os Governos investiram mais na segurança e no desenvolvimento e mais uma vez, a saúde pública não foi prioridade, sofrendo com redução de verbas. Nesse cenário, o Brasil sofre com a ascensão de doenças como a Dengue, Meningite e a Malária.

Em 1966 nasceu o INPS, Instituto Nacional de Previdência Social, com o objetivo de unificar todos os órgãos previdenciários. Nesse período, a Atenção Primária à Saúde começou a ser vista como responsabilidade dos municípios. Casos de Saúde mais complexos ficavam à cargo dos Estados e do governo Federal. Em 1977, foi criado o Inamps (Instituto Nacional Assistência Médica da Previdência Social), braço do INPS, responsável pelos atendimentos de saúde.

Importante reforçar que antes de 1988 o sistema público de saúde atendia a quem contribuía para a Previdência Social. Quem não tinha dinheiro dependia da caridade e da filantropia. Um sistema centralizado e de responsabilidade federal, sem a participação dos usuários. Quem tinha dinheiro, por sua vez, pagava pelos serviços que precisava, como consultas e partos.

Mesmo no auge da economia, os gastos com a saúde representavam apenas 1% do orçamento da União. A piora dos serviços públicos deram vez ao surgimento de grandes empreendimentos privados de Saúde. A 8° Conferência Nacional de Saúde, em 1986, ampliou os conceitos de saúde pública e sugeriu mudanças nos conceitos de direitos universais de saúde e também nas ações de saneamento, medicina preventiva, descentralização dos serviços e PARTICIPAÇÃO POPULAR nas decisões de políticas públicas de Saúde.

A conquista da democracia, em 1985, possibilitou a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde no ano seguinte. Nesse evento reafirmou-se o reconhecimento da saúde como um direito de todos e dever do estado, recomendando-se a organização de um Sistema Único de Saúde descentralizado, com atribuições específicas para a união, estados e municípios e democrático, garantindo a participação social na formulação das políticas de saúde, no acompanhamento e na avaliação. A partir dessa Conferência, a sociedade brasileira passou a dispor de um corpo doutrinário e um conjunto de proposições políticas voltados para a saúde, que apontavam para a democratização da vida social e para uma reforma democrática do estado. É justamente esse processo de democratização de saúde que, naquela época, cunhou-se o nome de Reforma Sanitária (PAIM, 1987b).

O relatório da 8° Conferência Nacional de Saúde foi tão importante, que serviu de base para a escrita do capítulo da saúde da Constituição Federal de 1988. O Brasil, a partir desse momento, passou a ter um sistema de saúde pública diferente da maioria do mundo e que garantiu a saúde como direito de todos, e tendo como princípios estruturantes, a universalidade e a Integralidade, ou seja, um sistema que atende a todos, sem distinção de classe social e que oferta atenção integral ao seu usuário, desde a vacina na UBS – Unidade Básica de Saúde, passando pelas ações de vigilância em saúde, até a alta complexidade com a realização de cirurgias cardíacas e transplantes.

A partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a ter um sistema de saúde como direito de todos

Com o objetivo de valorizar a importância da implantação do SUS e toda a sua história de lutas e conquistas, registro, abaixo, as falas de alguns sanitaristas e militantes do SUS, constantes no vídeo institucional do CONASEMS – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, lançado em comemoração aos 30 anos do SUS, no ano de 2018:

– “A sociedade brasileira queria mudanças, então os movimentos que antecederam a constituinte, desaguaram em grande parte na 8° Conferência Nacional de Saúde. Podemos dizer que essa conquista do SUS não foi uma concessão da constituinte, mas foi um direito adquirido, por uma luta da sociedade em buscar seus direitos e melhoria de seu atendimento”, Agenor Álvares, ex Ministro da Saúde;

– “A constituição garantiu ao brasileiro que a saúde é um valor humano fundamental, associado à dignidade da pessoa humana e que precisa ser protegida pelo estado brasileiro”. Fernando Aith, Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP;

– “O SUS é a maior política social que o Brasil ousou fazer, é a nossa maior expressão de democracia. A vivacidade que o SUS ousou fazer não saiu da cabeça de nenhum sábio, saiu da luta Coletiva”, Paulo Dantas, médico sanitarista;

– “Um certo jurista sempre dizia que a maioria das leis sempre são escritas com as cores cinzas e precisa que elas ganhem a população para ganharem as cores vivas. O SUS já nasceu com cores vivas”. Paulo Dantas, médico sanitarista.

Por tudo que foi exposto, precisamos não só valorizar a história da criação do SUS no Brasil, mas compreender que o controle social, através da participação da comunidade, na formulação e deliberação de políticas de saúde pública, não foi registrada na Constituição Federal de 88 no seu artigo 198, apenas como algo simbólico, mas como uma ação dos constituintes em reconhecimento ao papel da sociedade civil organizada na defesa de uma saúde pública de qualidade e de acesso a todos os brasileiros, independentemente de classe social e se possui ou não vínculo empregatício. O Controle Social no SUS é um direito constitucional e que deve ser reconhecido, fortalecido e principalmente qualificado para exercer a sua verdadeira missão.

Artigo produzido em comemoração aos 35 anos do SUS em 2023, de uma série de outros a serem publicados, construído boa parte, a partir dos registros da produção do vídeo institucional do Ministério da Saúde, através da Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz, “A história da saúde pública no Brasil – 500 anos na busca de soluções”, produzido em 2015 e disponível no link abaixo:

https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/16186

 

João Lima Júnior – é cirurgião dentista formado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) em 2001, sanitarista, especialista em Gestão de Serviços Especializados em Saúde, ex secretário municipal de Saúde de Nossa Senhora das Dores (2003–2004 e 2007–2008), ex Diretor de Atenção Integral à Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (2013–2020) e atualmente gerente do Centro de Especialidades Odontológicas de Nossa Senhora do Socorro.

 

 

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