Quem visita o litoral norte sergipano deve se surpreender com uma diversidade de fatores. Por ser uma região pouco conhecida, o visitante daquelas paragens logo se admirará com os atributos da região, desde seus habitantes às belas paisagens. Trata-se de uma região cuja exploração ainda não destruiu todas as feições mais antigas do território, seja a sua fauna, a flora e a pureza dos corpos hídricos. Por lá tudo resiste, sua população também é um sintoma dessa resistência.

Do ponto de vista da estética das paisagens, a beleza surpreenderá quem visita a região, desde rios, mangues, dunas, à própria praia e fragmentos do que chamamos de pantanal sergipano. Essa região pode ser compreendida do lado norte da cidade de Barra dos Coqueiros até a cidade de Brejo Grande, à qual está localizada no extremo norte dessa região litorânea de nosso estado.

Enquanto o lado sul do litoral, o que inclui Aracaju e Estância, já possui taxas significativas de povoamento e de visitações, portanto, de perturbações ambientais e de degradação; o litoral norte não possui esse cenário. No entanto, essa situação tende a se modificar porque a região tem se tornado a bola da vez dos interesses e especulações imobiliárias, tanto para construção de casas de veraneio quanto para empreendimentos maiores no setor de hotelaria. A região tem grande potencial turístico e é habitada, em sua maioria, por uma população de povos tradicionais que possui receio e está em constante estado de vigília para não perder suas terras e nem presenciar a degradação completa das paisagens fragmentárias. São populações carentes de algum tipo de desenvolvimento, seja da esfera pública com estruturas como estradas, escolas e postos de saúde, mas também de visitantes que ajudem a diversificar a economia da região, a qual ainda é em sua maioria pautada no extrativismo.

É a chegada desse desenvolvimento que nos leva ao problema fundamental da ética ambiental: é possível progresso econômico com respeito ao meio ambiente?

Para refletir sobre essa questão, imaginemos a visita à região, partindo da cidade de Barra dos Coqueiros. O que antes era um local de poucos moradores, hoje tem se tornado uma região de condomínios de luxo que são erguidos sobre as dunas e mangues

da região, isso o visitante verá logo que pegar a estrada em direção ao norte. Essa estrada litorânea tem sido cada vez mais ampliada e acessa, entre regiões pavimentadas e outras em pavimentação, à cidade de Brejo Grande. Assim, dos condomínios cada vez mais sofisticados, prontos ou em construção, o visitante ainda poderá encontrar usina eólica e pequenas comunidades de pescadores. Ao longo desse trajeto podemos divisar com clareza todas as modificações da ação antrópica que ao “humanizar” o natural desnatura a natureza. Por ser mais próxima de Aracaju, a Barra dos Coqueiros tem sido bastante visada pela especulação imobiliária de construções de alto padrão; essa ocupação predatória também afasta cada vez mais as populações tradicionais para locais mais distantes e sem a infraestrutura adequada dos serviços essenciais.

Após a cidade de Barra dos Coqueiros, o cenário modifica-se completamente, e adentramos em localidade onde a ação humana ainda não depredou completamente o meio ambiente. Passando pela cidade de Pirambu, que pouco avançou além de uma pequena comunidade e onde o mar volta a encontrar o rio, a paisagem vai se tornando cada vez mais encantadora, a lagoa redonda, logo depois o visitante chegará em Pacatuba. Talvez, de todas as localidades dessa região litorânea norte do estado, Pacatuba é aquela onde a diversidade de paisagens mais chamará a atenção, sobretudo na região dos povoados, como o Tigre, próximo da praia e de um conjunto belíssimo de dunas, ao lado de rios e mangues como a localidade Boca da Barra e Ponta dos Mangues e, ainda por cima, na frente da região pantanosa.

Mas face a toda beleza e diversidade, é a degradação, fruto da ação antrópica, que chama a atenção de quem por lá se dedica a olhar ao redor com maior atenção. Segundo o geógrafo Élisée Reclus, “a superfície terrestre, desprovida das árvores que faziam a sua beleza é não apenas enfeada, ela também deve necessariamente empobrecer-se” (2015, p. 88). O flagrante desse processo é a derrubada da flora nativa e a plantação extensiva de coqueiros que domina o cenário da vegetação, tanto na região de mangues, quanto nas dunas e nos charcos. Por isso, o fato da região ser uma área de conservação ambiental federal é fundamental para a manutenção dos fragmentos da fauna e flora original. São esses fragmentos resistentes que revelam a parte da diversidade da vida, lar de tartarugas marinhas, aves diversas, raposas, patos selvagens, guaxinins, capivaras, crustáceos, entre outros exemplares da fauna original.

Essa parte de Pacatuba, em razão de tamanha beleza natural e da variedade de pontos turísticos, tem sido alvo de bastante interesse pela especulação imobiliária. No povoado Tigre, composto em sua maioria de populações tradicionais, existe uma

crescente luta pelo direito da terra e pela conservação das paisagens frente ao avanço do progresso. A localidade está sendo pavimentada com estrada de asfalto e já possui até construção hoteleira de grande porte. Até quando esse desenvolvimento manterá os fragmentos da exuberância original que resistiu à devastação?

Se o nosso visitante seguir viagem após Pacatuba chegará a uma localidade também riquíssima, paisagens de praias quase desertas aos manguezais. Tenho em mente a região litorânea da cidade de Brejo Grande, a última cidade do litoral norte sergipano. Lá o visitante se encantará com regiões como a Resina, banhada pelo Velho Chico, praias quase desertas; mas se for ao povoado Brejão dos Negros, também conhecerá a imensa luta daquela população tradicional pela manutenção de suas terras, frente aos interesses de fazendeiros da região, e ao egoísmo de empreendimentos que se implantados sem as devidas adequações não apenas destruiriam os resquícios de paisagens naturais quanto expulsaria os habitantes tradicionais de suas terras. Lá em Brejão dos Negros temos um dos exemplos mais marcantes dessas lutas dos povos. Luta essa vencedora e exemplar.

Enfim, até quando essa região ainda guardará o que sobrou de seus encantos originais? O progresso da civilização moderna pode conviver com espaços naturais e garantir sua conservação? Ora, os exemplos que temos afirmam peremptoriamente que não! Por isso, além de ser área de conservação ambiental, é fundamental um trabalho de educação ambiental na região, para educar o visitante e conscientizar seus habitantes!

 

 

Por: Saulo H. S. Silva –Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e integrante do Grupo de Ética e Filosofia Política da mesma instituição.