A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe drásticas consequências para a humanidade. O número de vítimas foi sem precedentes. Politicamente, o fim do conflito marcou o declínio do poder da Europa Ocidental no mundo e abriu o caminho para a ascensão dos Estados Unidos (EUA) e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) como as duas únicas grandes potências econômicas, políticas e militares, em torno das quais o resto do mundo se alinhou. Iniciou-se uma acirrada disputa pela hegemonia mundial e formaram-se dois blocos de países. De um lado, liderado pela URSS, reuniam-se os países socialistas e do outro, sob o comando dos EUA, os capitalistas. As tensões resultantes dessa disputa ficaram conhecidas como Guerra Fria (1947-1991).
Entre os recursos utilizados pelas superpotências durante a Guerra Fria está o apoio a golpes de Estado durante as décadas de 1950, 1960 e 1970. O governo estadunidense, por exemplo, colaborou com diversos golpes na América Latina. A situação agravou-se quando implantado o regime socialista em Cuba, em 1961. O fato fez o governo norte-americano mudar de postura em relação à América Latina. O historiador Carlos Fico mostra que os EUA, a partir de então, buscaram apoiar economicamente os países latino-americanos, com a prerrogativa da diminuição da pobreza (causa das aspirações socialistas) e da melhoria de sua imagem, a fim de impossibilitar a implantação do que poderia tornar-se uma outra Cuba. Fico deixa evidente que o fortalecimento de governos militares na região também seria visto como admissível e desejável, tendo em vista o combate ao comunismo.
Amigos leitores, a história política republicana foi marcada por duras investidas de militares e civis contra poderes constitucionais instituídos. O golpe civil-militar, deflagrado nos anos 60 no Brasil, passou a mostrar seu caráter arbitrário com o lançamento dos Atos Institucionais (AI). Mas, da arena da luta por legitimidade dos governos militares pós-1964, emergiu um movimento de resistência atuante e significativo, como aponta a historiadora Célia Cardoso.
A tomada do poder de Estado foi precedida da bem orquestrada política de desestabilização, que envolveu corporações multinacionais, o capital brasileiro associado – dependente do governo dos Estados Unidos e dos militares brasileiros –, em especial um grupo de oficiais da Escola Superior de Guerra (ESG).
É importante destacar que, como aponta Thomas Skidmore, a Constituição de 1946 (artigos 66, 88 e 89) estipulava apenas três formas legais pelas quais um presidente vivo podia abandonar o cargo antes do fim do seu mandato: por renúncia, por impedimento votado pelo Congresso ou por se afastar do país sem aprovação legislativa.
Skidmore apresenta que, em 31 de março e em 1° de abril de 1964, unidades militares tomaram prédios governamentais importantes em Brasília e no Rio de Janeiro. Os militares e a polícia prenderam rapidamente figuras de destaque no governo deposto. Líderes sindicais foram os primeiros alvos. “Em poucos dias o novo governo havia se consolidado no poder e não teve legitimidade pela lei constitucional existente no país naquele momento. Algumas questões permaneceriam sem resposta: Quanta liberdade seria dada à oposição para se organizar? Como o governo militar iria tratar sua oposição?
É preciso aprofundar o debate sobre as conexões civis do regime militar. Também é crucial demarcar a diferenciação entre Ditadura e Estado de Direito Autoritário. Chamo sua preciosa atenção para a necessidade da discussão sobre os fundamentos sociais e históricos da ditadura. Entretanto, nota-se que a ditadura brasileira nunca se declarou como tal, mas se autodenominava uma “Democracia Relativa”.
Observa-se que o golpe foi exaltado pelos principais meios de comunicação do país. Consagrou-se como um movimento em defesa da lei e da ordem e pela salvação da pátria. Matérias e manchetes de jornais, como as da Gazeta de Sergipe, retratam o clima de tensão que havia se instalado. Nesse período, a mídia impressa e falada (rádio e TV) foram os meios mais eficazes na disseminação das informações que envolviam o cenário político nacional. Jornais de grande circulação, como a Folha de São Paulo, buscavam legitimar o golpe, afirmando que Goulart governava com e para comunistas, tentava fechar o Congresso e estava atacando a Constituição. Sendo assim, a intervenção militar teria sido uma “ação justa”.
Diante do contexto histórico, por que golpe civil-militar? Uma série de documentos foram revelados e mostram uma grande articulação de empresários, da elite e da imprensa para a realização do golpe e os estudos mais recentes mostram uma importante articulação golpista entre os civis. O que aconteceu em 64 não foi uma revolução, pois os militares deram nítida conotação anticomunista a seu movimento. Com tal bandeira, eliminaram os possíveis pretendentes ao poder. Até porque, revolução, é uma ruptura da hierarquia social e política numa nação, pondo abaixo o que estava no topo; e em seu lugar colocando os que estavam embaixo, na hierarquia social e política – o que não ocorre no Brasil.
É meus caros, pensar a dura realidade da ditadura nos desperta algumas indagações: A tradição política do Brasil era intrinsecamente democrática ou autoritária? O golpe de 1964 encerrou a era democrática pós-Estado Novo, iniciada em 1945? O que era corrente no Brasil
Diante dessas reflexões, percebe-se que mesmo nos períodos democráticos, os governos republicanos mantiveram algumas marcas do autoritarismo. O espectro autoritário que rondava a malha do poder diluiu-se nas relações entre Estado e sociedade, gerando um aparato de interdependência entre eles. Nessa relação, é possível pensar que torturas e repressões por si só não traduzem, nem respondem a inquietações preponderantes na história dos governos militares no Brasil. Sigamos vigilantes!