Tendência agênera na moda vem ganhando espaço e reforçando novas formas de expressão identitária

Ainda que de forma inconsciente, a moda, ao longo da história, sempre serviu como forma de expressão identitária, questionando ou reforçando conceitos. Entre esses conceitos, o gênero é um dos principais. O fato de as peças encontradas nos departamentos femininos e masculinos das lojas serem diferentes, e o próprio fato de haver essa separação de departamentos, diz muito sobre a sociedade e os indivíduos que formamos e somos. Por isso, o simples ato de vestir-se ou despir-se, em determinadas situações, acaba se mostrando como um ato político.
Com o crescimento das discussões sobre gênero e suas desconstruções, algumas marcas já sinalizam o estabelecimento de um estilo unissex em suas coleções. Isso por que, nas ruas, já se pode ver com mais frequência pessoas que se vestem de maneira a questionar os padrões hegemônicos. Os homens de saia e as mulheres de terno se revelam como um novo público consumidor, ditando uma demanda emergente.
Para quem se dedica a estudar a moda enquanto fenômeno, a tendência unissex promete se ampliar nos próximos anos. Uma guinada tão estratégica quanto necessária, que deve se mostrar como parte da construção de tempos em que os limites entre feminino e masculino não deverão ser tão rigidamente determinados.

HISTÓRIA
A coordenadora do curso de Design de Moda da Universidade Tiradentes, Bruna Marques de Oliveira, resgata alguns momentos históricos em que os traços dos vestuários masculino e feminino se tornaram um pouco mais semelhantes. “Depois da Primeira Guerra Mundial, as silhuetas femininas se tornaram pouco volumosas, e o comprimento das saias diminuiu. Nos cortes dos casacos femininos, encontravam-se elementos do vestuário militar. Por volta do século XIX, as mulheres começaram a usar calças para facilitar o seu trabalho nas indústrias”, diz.
Nos séculos XVII e XVIII, na Europa, perucas e salto alto eram itens do vestuário masculino, sinônimos de sofisticação e nobreza. Em tempos ainda mais remotos, no Egito Antigo, as maquiagens eram utilizadas por homens, mulheres e crianças. De acordo com Bruna, esses exemplos mostram o quanto a moda é fluida, e o quanto o trânsito entre masculino e feminino vem se ampliando com o tempo.
“A moda evoluiu em vários sentidos, e um deles está relacionado à questão de ditar o que deve ser usado por cada segmento. Há um consenso de que devemos usar o que nos faz sentir bem. Os aspectos referentes à moda estão cada vez mais efêmeros. Tanto que é possível dizer que já entramos no mundo da moda agênero com o estilo minimalista e unissex que marcou os anos 90”, afirma.

ESTILO
Segundo o consultor de moda Alisson Vicky, a principal distinção entre as indumentárias masculinas e femininas hoje está na modelagem. “No feminino, se valorizam as formas e a estrutura corporal. No masculino é contrário: a ideia de que “roupa justa é coisa de mulher” ainda se mantém”, diz. Adepto de um estilo considerado, por vezes, feminino, Alisson afirma já ter passado por algumas situações desconfortáveis apenas pelo fato de se vestir de maneira diferente.
“No início, me sentia incomodado com os olhares e comentários alheios. Mas prego a filosofia de que seu estilo é você e sua identidade. Acabei entendendo que sou mutável, livre demais para viver enquadrado em um padrão de gênero criado por um grupo que não entende e aceita a pluralidade ao seu redor”, relata.
O guarda-roupa de Alisson é marcado por peças como saias e estampas coloridas. Algo que, para ele, reflete sua personalidade. “Sempre priorizo o meu conforto, tanto estético quanto psicológico. Não importa se a peça é considerada feminina. Uso roupas, não padrões. Moda é arte, e nenhum artista quer ser limitado em sua forma de expressão”, considera.

PERFORMATIVIDADE

Bruna Oliveira: “vestir o que te faz bem”

O jornalista e mestrando em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal de Sergipe – UFS, Ruhan Victor Oliveira, afirma que os códigos de vestuário para homens e mulheres tem relação com a performatividade de gênero. “A performatividade de gênero é uma teoria que diz que você pode construir seu gênero a partir de performances e ações ao longo de sua vida. É importante ressaltar que esses atos não são construídos de forma aleatória, e sim através de referenciais naturalizados em nossa sociedade. Se vou construir o meu gênero para ser reconhecido enquanto indivíduo feminino, vou me utilizar de peças hegemonicamente consideradas femininas”, pontua.
Ruhan concorda com a noção de que vestir-se é um ato político, mas acredita que nem todas as pessoas estejam cientes disso. “Acho que é um ato político sim, mas é um ato sutil. A gente troca de roupa o tempo inteiro, mas não pensa no significado daquela roupa. Muitos de nós ainda não nos empoderamos em relação a pensar o quanto o modo como a gente se veste significa sobre o que a gente é, sobre o modo que a gente pensa e principalmente sobre a imagem que a gente quer passar de nós para o mundo”, diz.Em relação à tendência unissex, Ruhan acredita que o movimento ainda é muito tímido. “Na prática, vejo muito

Alisson Vicky é adepto da moda agênera

pouco. Vejo na propaganda, vejo o conceito, mas vejo um movimento muito tímido nas araras, no produto final. Provavelmente é uma ideia que vai crescer ao longo dos próximos anos, mas a gente não pode considerar que as marcas estejam conduzindo um ato político por elas mesmas. Com certeza, visualizam nesse nicho de pessoas que estão cada vez mais discutindo a questão de gênero um público importante também para comprar roupa”, pondera.

TENDÊNCIA
Alisson também acredita que a moda agênera deve ganhar força daqui para frente. “Os designers e as pessoas que consomem moda estão cada vez mais percebendo e externando a necessidade de vestir o que mais lhe cai bem, e esse é o caminho para quebrar muitos padrões desnecessários, que só fazem oprimir as pessoas”, diz.
Bruna também faz parte do consenso. “Grandes marcas como Gucci, Hermès e Saint Laurent exibiram em peças unissex na passarela. Com isso, algumas marcas populares puderam aderir a essa nova forma de pensar a moda, como é o caso da C&A e da Zara. Todas essas ações permitem perceber que quão potente será esse mercado nos próximos anos”, diz.
Resta saber que parcela a moda agênera ocupará em um mercado que movimenta trilhões em todo o mundo e em um país que representa a quinta posição em consumo de moda no ranking global.

Beleza, Gênero e Economia

Ruhan Victor afirma que mudança trazida pelas marcas é reflexo de nova demanda dos consumidores de moda

Em se tratando de diferenciação entre gêneros, as mulheres saem na desvantagem na hora de pagar as contas. Isso por que a versão feminina dos produtos, sobretudo aqueles com apelo estético, chegam a custar 7% a mais do que sua versão masculina ou “normal”. Esse fenômeno é conhecido na Economia como Taxa Rosa, e se reproduz em larga escala na moda.
“O que está por trás da Taxa Rosa é a inelasticidade-preço da demanda por itens femininos. A possibilidade de deixar de consumir um item de beleza por parte de uma mulher é supostamente menor do que de um homem. E as empresas, sabedoras disso, estabelecem um preço superior. Na raiz disso tudo há muitos fatores, mas posso salientar o padrão de beleza socialmente aceito. Homens não precisam de maquiagem, não precisam esconder cabelos brancos, não precisam andar na moda. Já mulheres, não!”, afirma o economista Emerson Souza.

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