Ele perguntava: ‘?’. E ela respondia: ‘5’. Foi assim que um amigo contou-me sobre os códigos pelos quais se comunicava com a sua amada. Confessou-me estar apaixonado e logo que ele me indicou o perfil de rede social para eu checar, fiquei chocada. Não só pelo fato dela ser casada e ele, atuar como amante, mas porque eu temia agora pela sua vida tamanho risco passional no qual está envolvido. Não é de hoje que as pessoas olham para mim e começam a desabafar e confiar seus quadros emocionais. Mas desta vez fiquei aflita. O marido ausente viaja a trabalho semanalmente enquanto o ‘5’ confirma a disponibilidade para falar, receber ligação e todo o pacote que envolve uma relação extraconjugal. “Sofremos muito com o pouco que nos falta e gozamos pouco o muito que temos”, isso eu aprendi em Hamlet. O conflito relacional poderia ser resolvido de forma pragmática com um divórcio, mas as convenções sociais e conveniência financeira falam mais alto. Nas fotos expostas, para quem vê, parece um álbum de família feliz. Nem sempre a grama do vizinho é verde, é apenas um tapete sintético.
Com um anel exuberante de noivado no dedo, outra amiga me falou: ‘não sei se conseguirei casar’. O pretendente, apesar de parecer o idealizado no conjunto da obra, não desperta a paixão fulminante que um ex provoca. O desespero é justamente se o tal do passado voltar a rondar a mesma porta e ela ceder. “O que eu faço?”, me perguntou como se eu tivesse a resposta. Eu devolvo: “o que você quer?”. Minha saudosa avó Celuta tinha umas frases sábias para isso. “Você está pensando que conversa de homem mal resolvido é arroz doce? Paixão é coisa de gente desequilibrada e de repente acaba (frisava).”
E ela estava certa. Cientificamente, em estudos e pesquisas de mapeamento cerebral, o estado de prazer e euforia, (lembram do cortisol? Já falei dele por aqui, o hormônio do stress está super associado às mentes dos apaixonados), dura até 18 meses. Após este tempo há declínio do cortisol para a mente apaixonada e aí sim, inicia-se o processo de construção do amor quando há continuidade na relação. Mas nesses tempos líquidos, denunciados nas obras do sociólogo polonês, Bauman, com contratos temporários no trabalho e no amor, crescem-se os transtornos de ansiedade e de depressão. Amor líquido é tal qual produto de consumo como qualquer promoção na prateleira.
Que nada é feito para durar, até sabemos, pois inclusive o nosso corpo morre um pouco a cada dia. Mas como estudante de psicologia parece necessário alertar os riscos que corremos de nada construirmos se tudo for relativo e impermanente. A baixa resiliência e resistência a frustrações são traços da nossa sociedade pós-moderna, cheia de adultos que mais parecem crianças mimadas. Segurança psicológica é um dos termos mais estudados atualmente no setor de saúde mental. Será que criamos as nossas prisões tecnológicas e assim, por ter acesso ao que desejamos por um clique, nos tornamos robotizados emocionalmente pelo sistema que traz uma notificação a cada milésimo de segundo? Parece até que vejo Bauman se revirando no túmulo por pessoas estarem alimentando sua autoestima através de visualizações de stories, likes em fotos ou comentários. Afeto definitivamente não é isso. E nem um 5 como resposta. E nem um anel de brilhante no dedo. E tampouco uma satisfação sexual de minutos e no outro dia será com outra pessoa. E nem mesmo um álbum de família típico de comercial de margarina será uma conquista que se exibe do instagram para fora, mas não para dentro.
Quando a gente ainda não sabe o que se quer é bom saber, no mínimo, o que não se deseja na vida. E em absoluto, todas as pessoas aqui relatadas anseiam ter apenas segurança psicológica. A adorável Anne Frank, no seu livro-Diário, comentava: “o amor não é uma coisa que se possa pedir a alguém”. Mas é um ato que inicia-se em si mesmo. Quando a gente se ama e se respeita em primeiro lugar, não dá autorização a ninguém repudiar os nossos sentimentos. Nem ser encaixe de um 5, nem temer por um passado ou futuro, porque quem confia em si não desmerece dos votos de confiança de quem quer que seja. E não estou aqui para julgar porque todos estamos em busca de nos encontrar e dar o máximo potencial do que podemos oferecer nessa breve passagem terrena.
Amanda, uma talentosa estagiária que tive no jornalismo da agência, apareceu-me um dia com um alemão lá no trabalho. “É um amigo que conheci na internet”, ela me disse. Nem preciso dizer que em um mês minha mascote pediu umas férias, ficou uns 20 dias na Alemanha com o tal amigo e aconselhei como mãe para usar camisinha, tomar pílula e “volte a salvo em nome de Cristo!”. Ela retornou? Sim, mas para trancar a faculdade, pedir autorização aos pais para casar, se virar naquele idioma e agora, estuda jornalismo na Deustche Welle. Brinco que tenho uma correspondente de altíssimo nível. Isso ocorreu em dezembro de 2018. O amor só acontece para os dispostos. “Cada uma das circunstâncias não era nada em si mesma”, ensina o poeta Fernando Pessoa. E Samer Agi finda: “o amor costuma andar na trilha das impossibilidades para fingir que seu plano não é um plano, mas uma coincidência. O amor é um gênio.”

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