Há alguns dias as redes sociais foram agitadas pela divulgação de áudios comprometedores envolvendo o deputado estadual paulista Arthur Duval, mais conhecido pelo personagem que fez de si mesmo, o famigerado “Mamãe falei”. Nós ignorávamos completamente a vida privada de Duval, especialmente sua preferência por loiras nórdicas e seu interesse por turismo sexual em zonas de conflito bélico. Não sabíamos que ele frequentava baladas recheadas de playboys ou se frustrava por não pegar as belas mulheres que “cospem na cara” de homens desprezíveis em tais ambientes. Quem poderia imaginar sua tara por fezes de beldades, se o próprio político não tivesse verbalizado o assunto, talvez de forma exagerada, num grupo de amigos. Talvez alguns dirão que não temos o direito de julgá-lo por sua vida privada. De fato, desde que haja consentimento e não prejudique ninguém, Duval pode colocar a boca e passar a língua onde bem entender. Isso é da conta dele. Contudo, a coisa muda completamente quando levamos em conta não o homem, mas a persona que criou, o “Mamãe falei” e, sobretudo, o político, a figura pública, que supostamente zelava pelos bons costumes.

Aqui mesmo neste espaço, já tratei deste assunto, ao lembrar que, conforme Plutarco, autor que refletiu agudamente sobre a relação entre o público e o privado, “o político vive num palco exposto a todos”, por isso, deve “ordenar e tratar cuidadosamente as suas maneiras” (Cf. Plutarco, A arte de governar, p. 15). Conforme Plutarco, o político tem um duplo ser: de um lado, o que se vê por fora, na fachada que se mostra ao público, e que merece todo zelo e cuidado, e, de outro lado, o que se vê por dentro, na opacidade da vida privada, pois esta não se mostra diretamente ao espectador, o qual sempre deseja saber o que se passa nos bastidores. Se era assim na Roma antiga, hoje este zelo é ainda mais fundamental. Tudo o que o político faz ou deixa de fazer é levado em conta. Daí a função da propaganda política, ou seja, do esforço de fazer circular a boa imagem da figura pública, que é constantemente avaliada por espectadores que estão atentos não apenas ao que o político diz e faz em seu gabinete ou na Assembleia, mas também na sua vida privada.

Duval sabe muito bem que hoje, mais do que nunca, vivemos a era da espetacularização da política. Não por acaso, munido de uma câmera na mão e pouca ideia na cabeça, ele se notabilizou por provocar, sobretudo, manifestantes feministas e outros grupos de esquerda. A tática era muito eficaz e consistia em expor as pessoas ao ridículo. Foi assim que, com o boom

da internet, e seguindo a onda de manifestações que agitaram as praças na década passada, Duval conquistou fama ao expor políticos e pessoas comuns aos olhos de um público que ria da sua própria estupidez. Foi assim que o “Mamãe falei” se tornou o deputado Arthur Duval, o mais bem votado nas últimas eleições do Estado de São Paulo.

Como possui um público fiel, aproveitando a oportunidade que a guerra entre Rússia e Ucrânia ofereceu, o deputado partiu para a zona de conflito, numa espécie de versão fajuta do jornalismo “aqui e agora”, a fim de expor a situação dos refugiados, além de supostamente prestar auxílio humanitário e ajudar com a produção de coquetéis Molotov para queimar os russos. A história todos nós conhecemos, Duval terminou por expor a si mesmo, queimando, de maneira irremediável, o seu próprio filme. Talvez o deputado tenha esquecido que, além da era do espetáculo, hoje vivenciamos a era da transparência e da vigilância, na qual fiscalizamos uns aos outros. Tudo que dissemos e fazemos em público e privado facilmente pode vir a público. Deu no que deu: os áudios revelaram as entranhas do político, que agora fica de mimimi nas suas redes sociais e, provavelmente, terá seu mandato cassado devido à quebra de decoro, na medida em que expôs, como representante do povo paulista, os reais motivos de sua viagem, bem como seus desejos futuros de praticar turismo sexual para “pegar” refugiadas vulneráveis. Duval argumenta que tudo que disse foi em privado. Ocorre que ele usou um cargo público para fazer o que fez, portanto, era um compromisso ético que se divulgasse suas reais intenções. Hoje o “Mamãe falei” mais parece um farrapo humano, tem medo de sair às ruas e teme por sua vida devido às ofensas que fez às mulheres em geral e às mulheres ucranianas, em particular. Em suma, o feitiço, como diz o ditado, virou contra o feiticeiro