Deste dinheiro, segundo a Associação de Camelôs e Feirantes de Aracaju, nem sequer um centavo é arrecadado destes empresários como cobrança de impostos
“As meninas (da cobrança) chegam lá e a gente já sabe (o que é). Quando for 8h, 9h, a gente tem que pagar. Mesmo se a gente não tiver vendido nada a gente tem que pagar. E se a gente não pagar, a gente não trabalha”. A frase acima é de André Camelô, mas já virou unanimidade entre uma categoria de trabalhadores – a dos feirantes –, e resume o dia a dia de trabalho de mais de 2 mil destes homens e mulheres, muitos deles pequenos produtores rurais, que plantam e colhem hortaliças, verduras e frutas em sítios e chácaras nos municípios sergipanos, e vêm para Aracaju, para vender.
Chegam à cidade ainda de madrugada, em pequenas caminhonetes, em carros gastos no batente diário. Muitos trazem toda a família, mulher, filhos. Todos ajudam, carregam e descarregam mercadorias, fazem a contabilidade do dia, embalam produtos. O trabalho é exaustivo, muita das vezes a venda do dia não compensa a dura labuta. Mas, na feira seguinte, começa-se tudo de novo. E a maioria deles gosta do que faz. Como é o caso de Francisco Alves de Albuquerque, o Tico, de Malhador. Tico é um pequeno produtor rural. É feirante há mais de 35 anos. Mantém a propriedade pequenina no município sergipano com a ajuda de toda a família. Vem para Aracaju ‘fazer feira’ três vezes por semana. Toda feira, vendendo ou não, tendo dinheiro ou não, Tico precisa pagar para ‘os donos das feiras’. Caso não pague, Tico não tem o direito à dignidade – ele não pode trabalhar.
O que a sociedade não sabe é que em Aracaju, entra ano sai ano, esses homens e mulheres desembolsam mais de R$ 13 milhões por ano para pagarem um tal ‘aluguel’ diário da estrutura (lona, ferro) de uma banca, que custa apenas R$ 400. Isto mesmo, R$ 400 reais é o preço total de uma banca novinha. O que a sociedade igualmente não sabe é que, por ser um espaço público, há gestões de outras cidades brasileiras que, antevendo ‘problemas’, prefere tratar diretamente com feirantes e por meio de convênios, sem intermediários. Ou realizar pregões para que empresas privadas, contratadas, via licitação, possam cuidar de toda a organização das bancas.
“O grande problema das feiras livres é que o gestor principal da cidade não valoriza o trabalho dos feirantes. Nós estamos, há anos, entregues nas mãos dos empresários. Nós pagamos um aluguel para os empresários e estes empresários não pagam nenhum imposto de todo esse dinheiro”, relata Tico.
R$ 13 MILHÕES SEM IMPOSTOS
O raio X do dinheiro desembolsado pelos mais de 2 mil feirantes para 13 das 32 feiras de Aracaju dá – a apenas oito empresários – um lucro bruto de R$ 277.880,00 ao mês; exatos R$ 3.334.560,00 milhões ao ano. A contabilidade é simples. Basta multiplicar a quantidade de bancas pelo valor que cada feirante, responsável por cada uma destas bancas, precisa desembolsar para montá-las, e depois multiplica-se por 4, que é a quantidade de feiras ao mês em cada um destes bairros de Aracaju. Acha-se aí o valor mensal. Depois, multiplica-se novamente esse número por 12, e encontra-se o valor anual arrecadado.
Esse aluguel é diário, vale somente pelo dia daquela feira. No outro dia, tem que pagar novamente. Para exemplificar, eis alguns destes dados, com bairro, quantidade de bancas e preço do tal aluguel que o feirante desembolsa para manter cada banca: Santo Antônio, 600 bancas a 15 reais cada; Agamenon, 580 bancas a 15 reais cada; Buggio, 700 bancas a 15 reais cada; Dom Pedro, 180 bancas a 15 reais cada; Bairro América, 700 bancas a 15 reais cada; Augusto Franco, 600 bancas a 20 reais cada; Santos Dumont, 160 bancas a 19 reais cada; Batistão, 140 bancas a 15 reais cada; Orlando Dantas, 140 bancas a 17 reais cada; Suissa, 130 bancas, a 15 reais cada; Castelo Branco, 200 bancas, a 15 reais cada; 18 do Forte, 100 bancas, a 15 reais cada; Coroa do Meio, 140 bancas, a 15 reais cada.
Desse montante, segundo a Associação de Camelôs e Feirantes de Aracaju, não entra oficialmente sequer um centavo nos cofres da Prefeitura de Aracaju. O órgão que hoje fiscaliza os espaços das feiras, a Emsurb (Empresa Municipal de Serviços Urbanos), segundo o presidente da Associação, André Camelô, não dialoga com os feirantes. Para onde vai este dinheiro e como estes valores são gastos é a pergunta para a qual André Camelô gostaria de obter resposta.
André argumenta: “Desse dinheiro, não entra sequer um centavo nos cofres da Prefeitura. Por quê? Esses empresários não pagam um centavo à PMA. Podia entrar ao menos uns 50% disso para a Prefeitura. Era uma ajuda para pagar uma creche, uma alimentação para as escolas”. A Emsurb, no entanto, diz que essa questão do pagamento da montagem das feiras é entre feirantes e empresários, e alega não ter domínio sob o problema.
Mas, as feiras são realizadas em espaços públicos. E, ao que tudo indica, o imbróglio pode estar perto de ter uma solução favorável aos feirantes. Porque no próximo dia 22, a conversa é com a Justiça, no Fórum Gumercindo Bessa. E, segundo André Camelô, o presidente da Associação, nesta audiência do dia 22 próximo, estarão presentes apenas a Prefeitura de Aracaju, representada pela Emsurb, e os representantes dos feirantes. Os empresários não foram convocados. Acerca dos fatos, André relata uma história que pode acabar mal, caso a Justiça compreenda que existe ilicitude ou irresponsabilidade por quem está administrando a questão.
CARTEL DE 8 EMPRESÁRIOS
“São oito empresários: Adriano, Roque, Ronaldo, Adelson, Beto, Isaías, Bertulino, e o falecido Chico Mendes – hoje quem cuida das bancas é o filho dele, Fernando Mendes. As feiras têm dono, são desses caras. A Prefeitura deu as feiras para os empresários. O espaço não é público? O espaço não é do povo? Mas deram para os empresários. Na última entrevista que eu (André Camelô) dei a Carlos Ferreira, na rádio, Luiz Roberto disse que não era para eu procurar a imprensa, que era para eu procurar ele. Eu procuro ele (Luiz Roberto), mas ele não me atende. A gente, feirante, não tem voz. Na Emsurb, o compromisso deles é com esses oito empresários. Agora mesmo, semana passada, na feira do Santo Antônio, subiram a taxa para 17 reais sem avisar a gente. E se não pagar o feirante não pode trabalhar”, exemplifica o presidente da Associação de Camelôs e Feirantes de Aracaju, André Camelô.
E continua: “A minha maior dificuldade foi juntar os empresários (saber quem eram este grupo de 8). Quando eu descobri como funcionava, eu vi que eu estava mexendo com uma casa de abelha. É muito dinheiro, é pior do que um cartel. Tem que inventar um nome para isso”.
SEM LICITAÇÃO, FARRA LIBERADA
Questionado acerca deste impasse entre empresariado e feirantes e de como isto se dava antes da atual gestão, o presidente da Associação descreve que, na gestão passada, chegou a existir uma licitação para escolha de uma empresa a ser responsável pela montagem das feiras. Mas não deu certo.
“Em 2012, João Alves ganhou a eleição. Em 2013, teve uma licitação, e a empresa que ganhou, chamada Cotinguiba, começou a lucrar. Os empresários (das outras empresas) começaram a brigar. Eu comecei a fiscalizar (a Cotinguiba). E a empresa abandonou as feiras. Aí veio a gestão de Edvaldo, e começou tudo de novo. Antes de João Alves era Edvaldo, e tinha isso já. E sempre teve isso. Existe esse negócio da Prefeitura e dos empresários, e a Emsurb não ouve a gente. Os empresários têm o apoio da Emsurb viu? Tem o apoio de Bira e tem o apoio de Luiz Roberto”. André acrescenta: “Na última entrevista que Luiz Roberto deu a Gilmar Carvalho ele (Luiz Roberto) disse que a feira do Bugio ficava ao lado do posto de saúde. A feira fica ao lado do mercado. Ele não anda nas feiras.
EXTINTA FABAJU NA JOGADA
Mas quem pensa que o problema é atual, engana-se. Porque André faz toda uma historiografia destes pagamentos, explicando como os atuais empresários começaram a lucrar, há mais de 15 anos, e ainda ratifica a suposta relação entre órgãos institucionais e todo este empresariado.
“Quando começamos a pagar, há mais de 20 anos, nós pagávamos à Prefeitura. Pagávamos R$ 1, isso era na gestão de Marcelo Déda, quando Déda era prefeito, isso tem para mais de 20 anos. Aí pararam (a Prefeitura) de cobrar. Depois começaram a cobrar R$ 5. Isso tem uns 15 anos. Na época em que se cobrava R$ 1 dos feirantes, Roque era funcionário de um extinto órgão chamado Fabaju, que era a instituição ligada à PMA estritamente para cuidar das feiras”.
LIBERDADE POR R$ 400
Aos poucos, item a item, André Camelô enumera problemas e vai expondo uma realidade – o cotidiano dos mais de 2 mil feirantes da cidade de Aracaju – que a sociedade, acostumada a ir semanalmente às feiras, nem sequer imagina existir: “Uma banca, toda a estrutura da banca (lona, ferros) custa apenas R$ 400. (Ou seja) Em oito meses o feirante ficaria livre do ‘problema’ para quase a vida toda, por 20 anos. Eu só quero o direito do feirante. A Prefeitura podia muito bem chamar a gente para conversar. E até fazer um convênio conosco, com os feirantes, como é realizado na cidade de Curitiba”.
BANHEIROS GUARDADOS SUJOS
E acrescenta: “Aqui (em Aracaju) o feirante pode abrir a boca, mas não pode falar nada. Em Curitiba a Prefeitura conversa com os feirantes, aqui não. Tem umas semanas, um feirante, lá da feira do Santo Antônio, me chamou para ir lá porque só tinha o banheiro masculino. Aí liguei para Bira (Diretor do Espaço Público), e Bira disse que eram poucos feirantes, que um banheiro só dava. Os empresários fazem o que querem. Hoje os banheiros custam R$ 55 por feira. Mas essa empresa nova que os empresários subcontrataram para instalar estes banheiros químicos não faz a limpeza. Os banheiros estão sendo guardados sujos, terminam as feiras e os empresários mandam guardar os banheiros sujos”.
CADÊ O DINHEIRO?
E indaga: “(Desse dinheiro) tinha que entrar alguma coisa no cofre da Prefeitura. Para onde esse dinheiro vai? Se você me fizer essa pergunta, eu não sei responder. Nós pagamos para fazer a limpeza, você paga. Quem paga a limpeza somos nós, cidadãos, os empresários não pagam a limpeza das feiras. Os fiscais são da Emsurb. Se eu não procurasse a imprensa isso daí ia ficar assim. Agora não tem jeito, Luiz Roberto tem apenas duas coisas a fazer: ou faz a licitação ou faz um convênio com os feirantes. Porque dia 22 de dezembro agora vai ter uma audiência entre a Prefeitura e os feirantes no Fórum Gumercindo Bessa, somente entre os feirantes e a PMA. Os empresários não vão, não estão convocados, não poderão entrar, finalmente seremos ouvidos”.
RESPOSTA DA EMSURB:
A presidência da Emsurb preferiu responder ao jornal via assessoria de imprensa e por email. Segue na íntegra:
“A Emsurb não entregou as feiras aos empresários. Esses empresários já trabalhavam na montagem e desmontagem das feiras. O vínculo foi mantido por conta da necessidade de declarar a caducidade de uma concessão efetivada na gestão anterior. Não recebemos nenhuma denúncia oriunda de feirantes. Os recursos desembolsados pelos feirantes remuneram os serviços prestados pelos empresários, bem como o aluguel do material utilizado. A Emsurb não interfere na arrecadação.
Trata-se de uma relação entre montadores e feirantes. A relação ocorre entre montadores e feirantes, a Emsurb apenas fiscaliza as feiras e efetiva a limpeza, como contrapartida para os consumidores e moradores próximos dos locais. Já estamos concluindo um estudo para regulamentar a situação e em breve as ações começarão a ser implementadas. Estamos aqui para prestar serviços de qualidade para a população e essa relação restringe-se aos feirantes e montadores. A fiscalização está funcionando normalmente. Já a fiscalização das carnes é de responsabilidade da Vigilância Sanitária. Essa solução de comercialização de carnes e derivados está no estudo que está sendo viabilizado. Quando à limpeza, os feirantes não pagam por ela.