Por Edvar Freire Caetano – Jornal CinformOnline 27.04.2020
Há muitos e muitos anos, em um reino distante, vivia um rei poderoso, senhor de uma vasta população, que habitava muitas e muitas léguas de terra.
O poder imaginado sem limites havia embriagado a alma do grande soberano, que alimentava um sonho de erradicar do seu reino toda sorte de roubalheira que assolava, por muitos e muitos anos a fio, suas inigualáveis riquezas.
Seu reino, de tudo produzia. Era rico em jazidas minerais, com solo e clima privilegiados, pleno e sobejo na produção agrícola, com sobras na agropecuária, chegando a exportar seus produtos em grandes caravelas, até para reinos bem distantes, além dos oceanos.
O rei, entretanto, não era querido por vasto segmento da população, que era açodada pelos arautos, precursores da grande mídia, acostumados a engordarem com generosos bocados do tesouro real, mas que, agora, estavam excluídos da partilha das verbas do erário.
O congresso dos conselheiros, comandado por figuras conhecidas que recebiam, historicamente, gordos incentivos para se alinharem com o soberano, agora se via na necessidade de laborar “apenas” com seus salários obesos, o que motivou permanente rebeldia na corte.
Conta, um bom velhinho, que havia tribunais autônomos, só que estes também repudiavam o velho rei, porque estavam acostumados a mamar do leite quentinho das vacas reais, regalia que fora cortada ¬ o rei fechou aas cancelas do curral ¬ razão por que se uniram aos congressistas para derrubarem o soberano, ainda que contrariando a lei vigente. Nisso eles dariam um jeito, contou o velhinho.
O rei estava só, precisava de conselhos. Entretanto, o velhinho, descendente ainda vivo daquele povo, conta que soube, pelo seu heptavô ¬ que passou a história de geração em geração ¬ informações de que o soberano era cercado de áulicos, que são os mesmos desgraçados que se conhecem, hoje, pela alcunha de puxa-sacos.
Na corte, esses sujeitos, muito respeitados pelos súditos, eram os que aconselhavam ao rei, porém, seus conselhos eram pérfidos, porque buscavam apenas agradar ao soberano, jamais revelando, esclarecendo, ou orientando para a prática do correto, do possível, ou do conveniente, para jamais o contrariarem, mantendo, assim, suas próprias regalias.
Seguindo esses “amigos”, o rei passou a cometer desatinos, expulsando aliados sinceros, que o ajudaram, inclusive, a subir ao trono, interrompendo uma dinastia que quebrou o reino, trocando-os por falsos companheiros, predadores políticos, oportunistas, esses tais de áulicos, criaturas das trevas que nunca se sabe ao certo a quem prestam vênias.
O mesmo velhinho contou que ainda havia saída para o rei. Uma malsinada epidemia grassara pelo reinado, ceifando milhares de vidas. Houve interrupção das exportações e os mercados estavam vazios de gente para comprar, embora houvesse mercadorias, já que o povo estava em pânico pelas notícias que os arautos espalhavam pelas praças, dia e noite. Isolaram-se em casa, apavorados, com medo da morte iminente.
O velho contador de histórias disse que o rei dispunha de uma oportunidade com dois caminhos: superar a crise de mercado e a fome, e vencer a epidemia. Entretanto, ouvindo os seus áulicos, o rei destituiu das funções o emissário real para a epidemia, um nobre que conquistara a simpatia de todos. Isso rendeu ao rei uma péssima repercussão.
Ouvindo, ainda outra vez, seus insensatos conselheiros, o rei, meio atordoado com tantos e tamanhos problemas, resolveu destituir o seu emissário para assuntos de justiça, que buscou os arautos para destilar a sua decepção com o soberano, deixando o reinado em polvorosa.
Esses áulicos, escova-botas reais, como era comum naquele tempo antigo, estavam, a bem da verdade, em conluio com os poderosos grupos de nobres decepcionados com o governo de austeridade implantado pelo rei.
Agora, só resta aguardar que o velhinho reapareça na próxima semana, para que ele termine essa história, pois disse que estava cansado e ia dormir!