Com discurso repaginado, apelo à autoridade e forte intervenção nas redes sociais, Bolsonaro lidera pesquisas de opinião e arrasta seguidores
Por Henrique Maynart
O céu tabelava em gradações de azul e cinza, entre o sol satânico e as nuvens carregadas da primeira quinta-feira de junho. Tempos confusos. A reportagem do CINFORM desembarca no Aeroporto Internacional Santa Maria, Zona Sul de Aracaju, às 14h29 e corre em direção ao portão de desembarque. Não, não é cena de final de comédia romântica de Hollywood. Antes fosse.
Jair Messias Bolsonaro, primeiro colocado na pesquisa do DataPoder 360 em todos os cenários, estava prestes a chegar na capital sergipana. Cerca de 500 pessoas coalhavam o recinto à espera do “mito”, cujo desembarque estava previsto para as 14h40. Muitos rostos jovens, a grande maioria homens, policiais e setores da segurança à paisana. “Uh uh uh uh uh uh uh”, “ a nossa bandeira jamais será vermelha”, “eu vim de graçaaaaa”,“ohhh o capitão chegouuuu, o capitão chegouuu”, “mito, mito , mito!” frases urradas- literalmente – a cada falso alarme do letreiro de desesmbarques.
ELEITORES SEGUIDORES NO DESEMBARQUE
Devidamente enfiado no centro da muvuca, pergunta lançada:“ o que é que trouxe vocês aqui?” As respostas vieram em cadeia e uma roda de 10 a 15 pessoas se formou em torno da reportagem. “Eu sou a favor do armamento”, “a gente é contra o PT”, “ e a ideologia de gênero”, “ é pra acabar com essa corrupção toda”, “ pra tocar o terror na bandidagem”. Um grupo de ex-estudantes do Colégio Santos Dumont, de 19 a 21 anos, posam pra foto. “A gente tá cansado dessa roubalheira toda e precisa de um cara que resolva as coisas.” “A esquerdalha que chama o Bolsonaro de homofóbico nem liga pro Jean Wyllys posar de Che Guevara, quando Cuba perseguia homossexuais”.
Edy Wesley, de 27 anos, morador do 18 do Forte, não perde tempo em criticar o comportamento da mídia tradicional. “Eles querem esconder o Bolsonaro porque sabem que ele não tem rabo preso. Até porque a Globo fica incentivando o homossexualismo nas novelas e na Malhação, quando bota os gays e as lésbicas pra se beijar”, afirma. Ao final da conversa, a preocupação: “meu chefe vai me ver no CINFORM e vai sacar que eu não estou doente, que faltei trabalho pra ver o Bolsonaro”. Escolhas Edy Wesley, escolhas.
“Eu quero Bolsonaro presidente do Brasil porque ele vai acabar com a corrupção, acabar com a farra dos Cargos Comissionados, os terceirizados e fazer concurso público”. A médica do trabalho Ledna Santana, de 60 anos, não tem tempo de terminar sua fala: o “capitão” chegou. Correria, empurra-empurra, enxurrada de urros e celulares a postos para acompanhar Jair Bolsonaro carregado nos ombros de seja lá quem for em direção ao trio elétrico montado na porta do aeroporto.
SERGIPE É MAIOR QUE A BAHIA. NÃO, PERA.
Devidamente posicionado em cima do trio sob o céu aberto das 15h, o pré-candidato pilheria com a pretensa rivalidade entre Sergipe e Bahia tal como o fez em Minas Gerais- quando falou que abriria uma saída para o mar – mas erra a piada no final. “Dizem que eu quero anexar Sergipe à Bahia, mas é o contrário: eu vou anexar Sergipe à Bahia”. Errar é humano, sobretudo na gozação. “Quero dizer que Sergipe é maior que Israel, e Israel é maior que o Brasil. Estive lá recentemente e precisamos aprender mais com aquele povo.” Seguia Bolsonaro, acompanhado do pré-candidato a governador João Tarantela, a pré-candidata a vice, Brenda Gonçalves, o vice-presidente nacional do PSL, o paraibano Julian Lemos, e o presidente do PSL em Aracaju, Valdir Viana, além de representantes do movimento “Direita Sergipana” e Comitê Sergipe com Bolsonaro”. A equipe não teve acesso ao trio sob alegação do plano de segurança. Bolsonaro comentou a derrota na votação do Supremo Tribunal Federal, que derrubou a Lei do Voto Impresso, de sua autoria, além de reforçar a base de seu discurso de autoridade: combate à corrupção, “carta branca” para policiais e cidadãos de bem para matar e se defender, dentre outras questões.
CAMISAS
“É melhor JAIR se acostumando!”, “Bolsomito”, “O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um covarde”, imagens do Enéas, do Bolsonaro fazendo pose de metralhadora, dentre uma série de artigos que dialogam com uma estética militarizada, “uniformizada”, fazem parte do acervo do cearense Pedro Paracas. Pedro acompanha as viagens do Bolsonaro desde maio de 2017, se diz independente do comitê de campanha. “A previsão hoje é vender mil camisas, foram umas duzentas aqui no Aeroporto e o resto lá no Iate Clube”, afirma. Dentre os modelitos estampados em seu cartão, a camisa do Coronel Carlos Alberto Brilhante, torturador declarado no período da ditadura civil-militar de 1964-1985, chama atenção. “Carlos Brilhante Ustra: devolve o brilho da liberdade. Brancas e coloridas”.
NACIONALISMO PRIVATISTA
A coletiva de imprensa tem início às 16h25 no auditório do Hotel Delmar Mércure. Um grande esquema de segurança pouco profissionalizado, mas claramente organizado e disciplinado, guarda os corredores do Hotel e vistoria nossa passagem para o auditório com dezenas de voluntários. Jovens em uma média de 18 a 25 anos, rostos imberbes e sob a disciplina do comando que checam os crachás, vistoriam as bolsas educadamente. Dois jovens hipsters brancos, de barba alta e casaco grunge, guardam as laterais do pré-candidato tanto na coletiva quanto na atividade do Iate Clube. Representantes do Comitê “Propriá com Bolsonaro”, dentre outros coletivos do interior, compõem a equipe de segurança.
“Só pergunta light ein pessoal, que eu sou diabético”, descontrai o pré-candidato ao início da coletiva que durou exatos 27 minutos e 49 segundos de gravador. À mesa João Tarantela, Julian Lemos e Valdir Viana. Perguntado sobre projetos para o Nordeste, Bolsonaro fala em desburocratização, desregulamentação e diminuição de impostos. “O trabalhador precisa escolher entre todos os direitos e desempregos, ou alguns direitos e emprego. É que nem um casamento, tem que negociar. Daí é o arroz com feijão pra cada região”. Cita Israel como referência mais uma vez e fala em três pontos que enxerga como gargalos: funcionalismo público, previdência e juros.
Fala sobre a possibilidade de privatização da Petrobrás sobre o regime Golden Share, mas afirma que a empresa não “está no seu radar”. “A Petrobrás é estratégica, mas não é nossa não, como defendem os sindicalistas da FUP.” No evento do Iate Clube, foi mais preciso: “Precisamos fazer parceria com outros países para explorar nossas riquezas. Integrar não é entregar”.
CONSERVADORISMO REPAGINADO
Conhecido pelas declarações em relação aos movimentos feministas e LGBT´s, o pré-candidato responde perguntas sobre casamento civil igualitário com a Constituição debaixo do braço. “A Constituição estabelece que a unidade familiar é homem e mulher. Se quiserem apresentar uma PEC, mudar a Constituição e conseguirem aprovar eu vou respeitar, mas por enquanto eu sigo a Constituição”. Defende redução da maioridade penal para a idade de até 14 anos, “no que depender de mim”. Defende a política de planejamento familiar, diferente de seu posicionamento na década de 90, quando defendia abertamente a política de controle de natalidade aplicada pelo ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori, e denunciava o presidente Fernando Henrique Cardoso pela privatização da Companhia Vale do Rio Doce. “O mundo muda. Não pra continuar com estas estatais na mão do governo, porque lamentavelmente os sindicatos políticos querem espaço.”
ELES NÃO PODEM ME ACUSAR DO QUE ELES SÃO
O discurso de Jair Messias Bolsonaro, que não à toa passou a utilizar o nome do meio, está centrado em dois aspectos gerais: combate à corrupção e enfrentamento à violência com armamento, militarização e um discurso belicista. “Podem me chamar de tudo, de assassino, de violento, de conservador. Só não podem me chamar de corrupto.” As cadeiras do auditório do Iate Clube de Aracaju estavam completamente ocupadas às 19h30 da quinta-feira. Na atividade, os 12 pré-candidatos a deputado federal e 26 a estadual do PSL se encontravam na frente.
A mesa é composta às 19h48 e às 19h52 é tocado o Hino Nacional completo. Atrasado para a solenidade, João Tarantela chega a tempo na mesa para a segunda parte do hino. Logo em seguida é pedido um minuto de silêncio em homenagem ao Capitão Oliveira, do Batalhão de Policiamento da Caatinga, e da Sargento Eliana Costa, assassinados recentemente. “Ei, dá pra você falar de novo isso aí? É que eu sou sobrinho do Capitão Oliveira e queria gravar direito”. Pedido atendido, o cerimonial repete o comunicado.
COMBATE À CORRUPÇÃO E ARMAMENTO: AO INFINITO E ALÉM
Após as falas regimentais da mesa, com destaque para a recepção do pré-candidato João Tarantela “Uh, é Tarantela”, Bolsonaro é anunciado e fala de pé. Há uma preocupação da organização em esvaziar os corredores, os pedidos para recolher copos de água e suco que eram servidos ao fundo do auditório se repetiam. O público responde disciplinadamente às ordens do microfone, os organizadores do evento portam uma camisa amarela com alusão à seleção brasileira de futebol. Bolsonaro segue o seu script denunciando a “indústria de demarcação de terras indígenas e quilombolas”, o “marxismo cultural” e todo e qualquer assunto sempre descamba para corrupção e recrudescimento dos aparelhos de repressão. Sob uma retórica militarizada, o pré-candidato conclama a todos para a tarefa das eleições contra “a esquerda e os corruptos”, e missão dada é missão cumprida. Não defende o fim do Bolsa-Família, mas levanta a necessidade de outros mecanismos de retirar o povo dos programas sociais. Quais são estes mecanismos? Não se sabe.
ENEAS COM INTERNET
De acordo com a pesquisa DataPoder 360, o pré-candidato está consolidado em primeiro lugar em todos os cenários pesquisados na ausência do ex-presidente Lula, que segue preso em Curitiba. Tem grande aceitação entre o público jovem e cerca de 77% de seu eleitorado afirma que não mudará mais de candidato, ainda de acordo com a pesquisa. A pesquisa do Instituto de pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), publicada na última quinta-feira,7, ele conta com 21% de intenções de voto. Bolsonaro se recusou a participar da sabatina organizada pela Uol/Folha/SBT nesta semana, e pretende construir sua pré-campanha com foco nas redes sociais. “O Bolsonaro é o Eneas Carneiro com internet. Um homem inteligentíssimo, mas que nunca teve chance porque não tinha voz. Agora nós temos as redes sociais”, afirma um dos apoiadores ainda no Aeroporto Santa Maria. Curiosamente, Jair Bolsonaro nunca declarou voto em Enéas Carneiro desde que se elegera deputado federal. Sob o lema “O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, Bolsonaro segue defendendo uma soberania que privatiza e retira porções do Estado, uma retórica cristã que fala abertamente em homicídio e eliminação física do inimigo, sob os óculos escuros do CQC e a metralhadora entre dedos. Tempos confusos.