Por Suyene Correia/suyenecorreia@cinformonline.com.br
Até o dia 10 de março, estarão em cartaz, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, 20 trabalhos selecionados pelo 1º Prêmio de Design Instituto Tomie Ohtake Leroy Merlin, criado com o intuito de relacionar o design com outros territórios, como arquitetura, biologia, engenharia e ciências sociais.
Nessa primeira edição do prêmio, que teve como tema “Compartilhar”, dois sergipanos do curso de Design Gráfico da Universidade Federal de Sergipe (UFS) foram contemplados. O graduando Breno da Costa Loeser, com o projeto do livro “O Sergipe Encantado” e o recém-formado Chrisley Luiz Santana dos Santos, com projeto do site “Conte”.
Ambos os projetos foram idealizados pelos graduandos, inicialmente, como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sob a orientação da Profa. Dra. Germana Araújo, mas diante do lançamento do edital do Prêmio Design, eles decidiram se arriscar na competitiva e deu certo. Ao todo, foram 127 trabalhos inscritos, sendo apenas 20 selecionados para a exposição (sete de São Paulo; quatro do Rio Grande do Sul; três do Ceará; dois de Sergipe; um do Rio de Janeiro, do Paraná, do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais).
O resultado foi divulgado no segundo semestre do ano passado e cada um dos selecionados recebeu a quantia de R$ 5.000,00 para execução do protótipo (que fez parte da exposição e do catálogo) num período de três meses. Nesse espaço de tempo, cada um dos selecionados foi orientado por um dos jurados, sendo que Breno Loeser recebeu a luxuosa orientação de Zoy Anastassakis, enquanto que Chrisley Santos foi orientado por Cláudio Bueno.
Breno Loeser escolheu o tema da diversidade religiosa em Sergipe para conceber o livro “O Sergipe Encantado”, Chrisley Santos decidiu trabalhar com uma causa social, desenvolvendo um site de compartilhamento de histórias de pessoas LGBT. O intuito do site é ser uma plataforma que motivasse, inspirasse outras pessoas a acreditar que elas vão se libertar de situações que elas vivenciam na vida em decorrência de sua sexualidade ou identidade de gênero.
Já o livro de Loeser, traz depoimentos de pessoas que falam sobre suas experiências religiosas e suas vivências espirituais e, indiretamente, serve também como ferramenta contra a intolerância. “Uma coisa que eu sempre aprendi, foi que a melhor arma para se lutar contra a intolerância é com a educação, com o conhecimento. Quando a gente se propõe a fazer as pessoas conhecerem essas histórias, a gente traz pontos de mudança”, explica.
Umbandista, há cerca de um ano, Breno Loeser relata que desde muito jovem, teve uma espiritualidade forte, frequentando espaços e dialogando com figuras e representantes das mais diversas expressões religiosas. Isso acabou influenciando no seu projeto de conclusão de curso, de modo que não demorou para surgir a ideia de um livro sobre práticas religiosas e ligá-lo à questão da Sergipanidade.
Porém, ao invés de dividir o livro a partir das práticas espirituais- umbanda, candomblé, xamanismo, catolicismo, entre outros- o estudante de designer gráfico preferiu focar nas pessoas, em seu cotidiano com as práticas espirituais, utilizando o tarô como referência. “Encontrei no tarô essa possibilidade. As cartas dialogam muito com o ser humano, com nossas vivências, nossos dissabores, medos, conquistas e alegrias. Cada um de nós tem o tarô muito presente na vida, sem que saibamos disso. Nada mais justo do que trazer uma carta para cada pessoa, só que optei por trabalhar com os arcanos maiores (22 cartas), ao invés do tarô completo (72 cartas)”, conta.
Mas para dar o toque sergipano de que o projeto do livro precisava, Breno Loeser lançou mão do tarô nordestino, criado pelo ilustrador, designer e músico, Pedro Índio Negro. O artista paraibano fez uma releitura das 22 cartas tradicionais tomando como base a estética da xilogravura de cordel. A carta da Morte, por exemplo, é representada por um Jaraguá, figura integrante de um folguedo de mesmo nome. Já A Justiça aparece na figura do Cacique e A Imperatriz vira a Rainha do Maracatu, no tarô adaptado, com simbologia nordestina.
“A ideia inicial não era fazer uma ponte de cada pessoa com uma carta, só que naturalmente, quando comecei a ler os depoimentos de cada entrevistado, foi surgindo a conexão de certas pessoas com determinadas cartas. Somente no processo final das entrevistas, foi que algumas pessoas que já conheciam o projeto, pediram para escolher a carta que a representaria no tarô”. Dentre os entrevistados constam Mãe Dinorah (Candomblé), Pai Andson (Umbanda), Joedson Viana (Quimbanda), Nykholas Psyque (Wicca), Taylane (Xamanismo), Dorinha (Rezadeira) e Dona Malu (Testemunha de Jeová).
O projeto do livro “O Sergipe Encantado” exigiu muita experimentação gráfica do seu autor. Sem condições de viajar pelo Estado, encontrou nos Mercados do centro da cidade, um rico manancial de informações que forneceu a base das simbologias utilizadas para a concepção do projeto gráfico. A capa do livro já demonstra isso.
“Fui aos mercados várias vezes e fotografei objetos, ervas, guias, estátuas, alimentos, que eu sabia que iriam servir para minha pesquisa. A capa do livro, por exemplo, eu montei recortando fotografias: estátua por estátua, vela por vela, de modo que demorou para eu chegar ao resultado final, por conta do trabalho artesanal”.
Da ideia inicial até o produto exposto no Instituto Tomie Ohtake, o livro “O Sergipe Encantado” passou por várias versões. Para Loeser, o livro é a ponta do iceberg de um projeto maior, que está em constante transformação e deve incluir um documentário posteriormente.
Sendo de teor colaborativo, o projeto “Conte” (www.projetoconte.com) de Chrisley Luiz Santana dos Santos também está em constante mudança. O site, de compartilhamento de histórias de pessoas LGBT, é uma plataforma que serve de motivação para que outras pessoas acreditem que vão se libertar de situações difíceis vivenciadas no cotidiano, em decorrência de sua sexualidade ou identidade de gênero.
“Eu queria trabalhar o design para uma causa social e queria que fosse especificamente voltada para a causa que eu tenho afinidade, que é a LGBT. Dentro do design eu tinha a possibilidade de desenvolver diversos tipos de projeto (site, livro, revista) em diferentes suportes, daí, desenvolvi um site, porque ele seria mais facilmente acessado pelo público em geral, sendo um produto mais acessível”, conta Chrisley.
Como o prêmio pedia que o produto tivesse uma relação com o compartilhamento de espaços e vivências, Chrisley Santos se viu na obrigação de levar o projeto adiante, com mobilização do público.
“Quando cheguei ao nome ‘Conte’, fiquei muito feliz pois sintetizava tudo que eu queria. Contar no sentido de compartilhar e contar no sentido de apoiar. Daí, idealizei um evento chamado ‘Conte com a CasAmor’ que aconteceu na CasAmor, um centro de acolhimento a pessoas LGBT’s do Estado de Sergipe. O evento teve algumas apresentações artísticas e serviu para divulgar o site, assim como abriu espaço para que uma parte do público compartilhasse suas histórias de superação. A experiência foi incrível porque conheci pessoas, como Stella Carvalho, Pérola Negra e Kézia Sonza, mulheres trans que se uniram, espontaneamente, por conta do projeto ‘Conte’”.
Quem visitar a exposição no Instituto Tomie Ohtake poderá acessar o site www.projetoconte.com , desenvolvido pelo programador Vitor Ribeiro, a partir de um computador e interagir com as histórias ali contadas. Ambos os designers sergipanos ficaram muito contentes em expor seus trabalhos num espaço cultural da envergadura do Instituto Tomie Ohtake, mas Chrisley Santos faz uma observação quanto aos trabalhos vencedores.
“Eu só tenho uma ressalva quanto ao prêmio que é o fato dos três projetos vencedores serem de design de produto. Geralmente, debatemos sobre essa questão de uma certa valorização do design de produto, frente a outros tipos de uso do design. Isso é histórico, que tem muito a ver com a história do ensino e do desenvolvimento da profissão de design no Brasil. Sendo que design de produto está mais próximo das ciências exatas, tem mais cálculo e está mais próximo da tendência capitalista de gerar produtos”, finaliza.
O júri formado por Alexandre Salles, Cláudio Bueno, Jackson Araujo, Hugo França, Tereza Bettinardi, Priscyla Gomes e Zoy Anastassakis escolheu três projetos, cujos designers serão contemplados com bolsas de estudo em cursos de design no exterior. São eles: Rafael Alves Monteiro (CE) com “Amana – Umidificador de Ar” (prêmio: Curso Livre de Design – IED/Barcelona), Julia Ries (RJ) com “Composteira Residencial” (prêmio: Curso Livre de Design – University of the Arts- London) e Ana Cristina Cabral Wasen e Heloísa Seratiuk Flores (PR) com “Tesse – Capa Protética” (prêmio: Curso Livre de Design – IED/Florença).
Ainda foi concedida uma Menção Honrosa a Luiza Dalvi e Rayssa Carvalho (diretoras criativas e executivas) e Isabela Magro, Rodrigo Pereira, Ariane Freitas, Alexandre Machado (colaboradores executivos) pela obra “Flutua” (MG). A exposição do 1º Prêmio de Design Instituto Tomie Ohtake Leroy Merlin permanece em cartaz até o dia 10 de março, no Instituto Tomie Ohtake, situado à Av. Brigadeiro Faria Lima, 201, Pinheiros.
Crédito da Foto 1: Chrisley dos Santos
Crédito da Foto 2: Breno Loeser