Edvaldo pode responder por compadrio e favorecimento (Prevaricação)

Edvaldo Nogueira baixou um decreto no gabinete, ainda em 2017, mês de outubro, dando total e irrestritos poderes a uma única organização não governamental, de nome ACRA…”

“As festas de Sergipe têm dono”. O slogan, de tão batido e antigo, de tão repetido – coisa de 20 anos ou mais – já virou mote de sindicalista, já virou chacota na boca de quem faz troça, só não virou mentira. Porque a PF de Sergipe (que reformulou o quadro e a chefia), há poucos meses, está investigando o elo “perdido” que liga um escândalo a outro. ‘Elo’ que pode explicar, por exemplo, porque vira-e-mexe, entre ano sai ano, acontece à mesmíssima coisa – a maior parte das atrações locais vencedoras do edital do Rasgadinho 2018 ser contratada com exclusividade por uma determinada empresa.

E a forma que isso está sendo feito pode ser por meio de chantagem ou aliciamento. “Olha, fulano*, eu vou ter que deixar de trabalhar com você para ir trabalhar com Edileuze, porque senão sicrana* me tira da programação do Rasgadinho desse ano”. (Fulano é o nome do empresário; sicrana, conforme alegam os músicos locais, é a ‘dona’ do Rasgadinho). E exatamente assim, um empresário do ramo perdeu – um a um – quase todos os forrozeiros que com ele trabalhavam.

Quem conta essa história são os músicos sergipanos, forrozeiros; alguns vindos lá dos rincões do sertão. É da boca de gente como Ceará do Acordeon, radicado em Sergipe há mais de 30 anos, que saem falas entrecortadas na hora dizer como os acordos acontecem. Ceará sequer tem noção da dinheirama que sai dos cofres públicos para bancar esses eventos. Baixinho, mirrado, tem voz firme e sorriso largo, ele vai dizendo: “Pois com Luzy eu não fico mais. Fiquei um ano, não fico mais. Voltei a trabalhar com Tadeu, porque não gosto de coisa errada”.

O Tadeu a que se refere o forrozeiro Ceará é Tadeu Machado, empresário que perdeu 16 sanfoneiros nestes últimos anos para a empresa Luzy Eventos Produções, detentora de 97% das contratações de músicos para o Forró da Orla, para o Rasgadinho 2018, no município; ou para o Arraiá do Povo, no Estado.

“Perdi vários artistas. Todo mundo sabe quem é Edileuze, porque ela mudou o nome da empresa de Luzy Eventos para Marya Bunita Eventos, mas não trocou o telefone da empresa. Antes a empresa dela se chamava Beija-Flor. Aí teve problema e ela colocou o nome de Luzy. Aí teve o escândalo das subvenções com a empresa dela envolvida. E agora, no Forró da Orla, o Arraiá do Povo (Estado) tinha cinco empresas vencedoras do edital, mas todos os telefones eram de Luzy. A PF investigou isso”, explicita Tadeu Machado.

Arraiá do Povo (Estado), evento investigado pela PF para descobrir o esquema ilícito

A história das perdas comerciais de Tadeu já é um fato conhecido no meio artístico como relata o também forrozeiro Piauí: “Tadeu é o maior prejudicado nessa história, ele perdeu quase os sanfoneiros todinhos, porque ele não faz esse tipo de coisa, e tá dando no que tá dando. Eu não estou tirando nota mais com ela* não. Eu estou trabalhando com nota avulsa. Quem quiser me contratar é com nota avulsa, quem não quiser que contrate a Marya Bunita”.

E continua: “Isso só tem um significado, isso que está sendo investigado aí é roubo né, porque a empresa que está sendo investigada aí foi citada no escândalo das verbas de subvenções com um desvio de mais de R$ 7 milhões, Luzy realmente já era para estar presa. Ela acabou com aquela empresa, tirou o nome e montou a Marya Bunita em nome de outras pessoas. Mas o telefone é o mesmo. Eu já falei para a menina que está com ela para sair desse bolo para não acabar presa. Eu acho o seguinte: as prefeituras sabem quem é Luzy Eventos, o Estado sabe. Mas só contratam ela. Então alguma coisa tem. Como é que você é um prefeito e vai trabalhar com uma empresa que é indiciada pela PF. Irineu já caiu fora da Cultura né, o mês passado ele entregou, caiu fora.

De boca em boca a história corre. Outro forrozeiro, Ararão do Acordeon, vai além e lembra as dívidas antigas: “Ela (Luzy) acertou comigo, em 2015, foi R$ 8 mil na Orla e R$ 5 mil no Forró Caju. No Forró Caju ela descontou 12%, na Orla ela descontou 17%. Ela acerta uma coisa e faz outra. Eu assinei o recebi, vim embora e saí dela. Teve uma amiga minha (Edilza) que tocou, ela (Luzy) recebeu e não pagou. A Mércia só não me paga né. Eu tenho um cachê na mão dela que eu já dei por perdido, ela não vai pagar mesmo. Ela disse que eu não tinha passado no Edital. Depois me chamou por fora, me pagou somente R$1.500. Foi tudo de boca, ela ligou pra mim, disse: “eu lhe botei, agora é R$1.500””.

LUZY NA PF

A empresária Edileuze, de que falam os artistas, foi detida semana passada pela Polícia Federal, para averiguações, pelo delegado Antônio Carvalho, da equipe da delegada Érika Marena, conhecida por dama da Lava-Jato, sob comando do juiz Sérgio Moro. Isso pode levar o processo a Curitiba (PR), onde se localizam os processos da Lava Jato, já que os recursos têm origem federal. O celular pessoal dela ficou na PF, porque é uma peça chave para desvendar a história. Procurada pela reportagem, não retornou aos contatos até o fechamento dessa edição. Aos amigos mais próximos, como Jailson do Acordeon, a empresária limitou-se a dizer que irá provar a própria inocência nos próximos dias. E acrescentou que “se 97% dos artistas trabalham comigo, eu (a empresária) não trouxe ninguém à força”. A boa relação de Jailson do Acordeon no mundo da música o credencia a análises sem julgamento passional e que mostrem a verdade.

“Em 2014, a Casa Curta-se juntou com a Beija-Flor. Fizeram um contrato de R$ 90 mil em meu nome sem eu saber. Mércia (da Casa Curta-se) me disse bem assim, venha sozinho, de carro, pegar seu dinheiro. Eu fui. Foi lá no fundo do teatro Tobias Barreto. Outro crime isso daí. Eu recebi R$ 3 mi. Foi dentro do preço do mercado. Tinha uma câmera filmando. Mas tem muitos empresários que fazem isso. Só falo porque isso aí já está na CGU, já é história antiga”.

RASGANDO O SEU DINHEIRO

Decreto municipal, hoje sem validade, pode ser considerado ilegal pelo MP

E onde entraram as oportunidades para que esse tal ‘elo’, citado logo no início dessa reportagem, seja colocado em prática? Uma das oportunidades pode começar assim. Por meio de leis que facilitam festejos como o Rasgadinho – uma festa popular que caiu nas graças do povo. O Rasgadinho é um famoso conhecido da sociedade sergipana por divertir as pessoas na época do carnaval trazendo artistas renomados para cantarem em Aracaju. Isso todo mundo sabe. O que ninguém sabe é que legalmente uma associação particular não pode – sem processo licitatório – ficar responsável sozinha pelo dinheiro e pela organização de um evento desse porte. E os bastidores dessa história toda a população também não sabe.

Desconhece, por exemplo, que para a realização dessa festa neste ano de 2018, o prefeito Edvaldo Nogueira baixou um decreto de próprio punho, no gabinete, com anuência de duas testemunhas, ainda em 2017, mês de outubro, dando total e irrestritos poderes a uma única organização não governamental, de nome ACRA, para realização do carnaval popular Rasgadinho.

Por quê? Não se sabe. O que se sabe é que o decreto só teve validade para aquele evento de 2018 e atualmente não vale mais. Mas o Ministério Público do Estado de Sergipe (MPE-SE) quer saber. Ao menos, se não for motivação da Procuradoria do Patrimônio, a Procuradoria do Terceiro Setor do MPE quer saber.

E toda a confusão: faz decreto, faz a festa, cancela decreto, permeada pela lei estadual que laureia o Rasgadinho, tudo isso instigou a Procuradoria do Terceiro Setor a pedir imediata prestação de constas da associação ACRA responsável pela festa. “Chama-me atenção o fato de não ter tido um chamamento público para escolher a ONG responsável para realizar o evento. Porque isso caracteriza o descumprimento da Lei nº 13.119”, explicita a promotora Ana Paula Machado, da Procuradoria do Terceiro Setor.

ENTENDA O CASO:

O caso passa pela justiça porque para realizar festas com dinheiro público é preciso seguir trâmites. E quando há mistura de organizações não governamentais um dos quesitos, de acordo com a promotora, é a realização de chamadas públicas, editais prévios (com tempo hábil), para escolher quem vai organizar o evento em questão.

No decreto municipal de nº 5.578, na parte das considerações, o gestor (prefeito Edvaldo Nogueira) expõe os objetivos para tal iniciativa. Dentre eles, uma explicação que legalmente é contraditória com o fato de escolher uma empresa particular sem licitação ou edital prévio: a explicação de que a festa se tornou patrimônio cultural da cidade. Observe o trecho do documento:

“Considerando que o evento foi declarado, nos termos da Lei de nº 4.365, de 13 de abril de 2015, patrimônio cultural de Aracaju e da Lei (Estadual) nº 8.086, de 28 de dezembro de 2015, inserido no calendário local, regional e nacional, fato que atrai grande quantidade de turistas dispostos a participar da festa carnavalesca”.

TODO PODER É DADO À ACRA

No documento oficial da Prefeitura, ACRA tem todos os poderes, mesmo sem chamamento público

Isso significa que o Rasgadinho, em termos proporcionais e legais, se equipararia ao carnaval do Rio de Janeiro, por exemplo. Excelente iniciativa se não tivesse pecado cometendo a ilegalidade de contratar uma empresa privada para tal realização sem tomada pública. No Rio, o carnaval gera emprego e renda o ano inteiro, seja nas agremiações seja no mercado de entretenimento de moda e alegoria. Há endereços corretos, prestação de contas, contrapartida, tudo.
No decreto de Edvaldo, a associação ACRA “fica autorizada, ainda, a proceder à montagem e à exploração de arquibancadas, camarotes, praças de alimentação e bares, dentro do espaço público definido na forma do Parágrafo único (…)”. Nos trechos que seguem tal documento, nota-se, por parte desse decreto, um poder absurdo dado à essa associação. Como, por exemplo, no artigo 6º.

Veja: “Toda e qualquer promoção de marketing, alocação de faixas, balões, placas e outros veículos de propaganda publicitária, bem como comercialização de produtos, que se pretenda expor no espaço público visível do trajeto, deve obter a prévia e expressa autorização da ACRA, na qualidade de responsável e detentora exclusiva dos direitos sobre o evento Rasgadinho (…)”. É a ACRA toda, toda.

Hoje, a documentação do Rasgadinho de 2018 está sendo periciada. A promotora solicitou documentação comprobatória da prestação de contas dessa entidade. Nos autos do processo constam dois documentos chaves para compreender todo esse imbróglio. Um deles é a última ata do Edital, em que está escrito, muito bem legível, quem são os reais donos da associação, sendo um deles um dos familiares do deputado estadual Robson Viana. O outro texto fundamental é o documento em que Mércia Barreto se responsabiliza, com assinatura de próprio punho, pelo Rasgadinho 2018. Outro fato estranho, segundo o MPE, é a mudança de nome para ACRA.

Rasgadinho 2018, um carnaval popular, feito com direito do povo, mas com prestação de contas duvidosa

ACRA COM A PALAVRA

A assessoria do Rasgadinho está sendo procurada pela reportagem desde o domingo passado. O solicitado à assessoria foi a viabilização de entrevistas com Mércia Barreto, Robson Viana acerca do decreto municipal e dos inquéritos judiciais. A assessoria propôs uma entrevista com o departamento jurídico, o que o jornal prontamente atendeu. Porém, hoje até o fechamento dessa edição, o departamento jurídico do Rasgadinho não retornou. Veja o que citou a comunicação do evento: Nesse caso não seria com Robson nem tampouco com Mércia, seria com o jurídico.

De antemão, para dar um norte, a lei foi elaborada baseada em leis já promulgadas em outras grandes cidades, como São Paulo, Rio e Salvador, para a realização do mesmo tipo de evento. A lei dispõe sobre utilização de espaço, a legislação da captação e comercialização de produtos exclusivos, racional, já que esses parceiros seriam os patrocinadores do evento. Portanto, certamente você já deve conhecer o teor da lei e pode tirar alguma conclusão nesse sentido. A lei foi direcionada para a Associação, com a supervisão da prefeitura e de parceiros governamentais. A Associação não mais existe. A lei tem prazo executivo exclusivamente para edição do Rasgadinho passado, portanto, não mais tem validade sem a autorização da gestão municipal. Em 2015, a Associação não existia. A Associação não tinha dono, obviamente e não tinha fins lucrativos.

PREFEITURA FICOU MUDA

Até o fechamento dessa edição, a assessoria de comunicação da Prefeitura Municipal de Aracaju não respondeu aos contatos da reportagem do Cinform. As mensagens foram visualizadas pelo assessor Luciano Corrêa, que não retornou. Hoje, segunda-feira, dia 19, a partir das 8h30, os músicos estarão no gabinete da vice-prefeita Eliane Aquino, que se prontificou, semana passada, a recebê-los.

A iniciativa de solicitar para hoje essa audiência com a vice-prefeita e prefeita interina partiu do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de Sergipe (Sindimuse). “Quero que a Prefeitura nos receba e diga quando vai pagar nosso dinheiro do Forró Caju, que até hoje nós não recebemos”, disse Tonico Saraiva, presidente do Sindimuse

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