A maior chance de uma ideia persistir é virar um ideal para muitos. Essa ideia pode ser desqualificada, desacreditada, agredida, ameaçada, até valorizada, midiaticamente, para ser utilizada como boi de piranha para outros fins, mas ela está lá, resistindo por 47 anos. De onde vem essa resistência? Acho eu, desde menino, quando meu tio me levava para ver de perto essa resistência. Foi porque, essa ideia pensada e gestada na identidade de um povo, na sua mais nobre riqueza que é a Cultura.
Tinha 10 anos quando ouvi meu tio José Calazans falar de uma jovem professora que estava pesquisando sobre a Taieira de Laranjeiras. Uma manifestação cultural que, até então, aparecia nos livros e textos de grandes pesquisadores da Cultura Popular. Câmara Cascudo e Mário de Andrade, como extinta no Brasil. A jovem professora era a Beatriz Góis Dantas, que contou com ajuda do seu aluno, o laranjeirense Paulo Leite, para ser apresentada à Taieira de Bilina. A professora Beatriz desmentiu o senso comum e mostrou ao país as riquezas de Bilina, e da Taieira, de fundamentação Nagô. Como tudo na vida se conecta, essa foi a primeira semente plantada para a criação de um movimento de resistência.
Em 1973, o Prefeito de Laranjeiras, José Monteiro Sobral, casado com Ione Sobral, resolveu fazer uma quermesse com o intuito de angariar fundos para realizar uma festa de Natal para a população mais pobre da cidade, pois naquela época a Prefeitura não tinha nenhuma condição financeira para tal. Era o mês de outubro, época dos Lambe-Sujos e Caboclinhos. Aproveitando a ocasião, a primeira-dama convida grupos para a quermesse. Também foram chamadas a bailarina Lu Spinelli, para apresentar com seu grupo um espetáculo de dança; a escritora e pesquisadora Aglaé Fontes, para lançar o seu primeiro livro; a musicista laranjeirense, Edmunda Lobão Linhares, para um concerto no famoso órgão de tubo da igreja Matriz. Além de contar com o apoio de Bilina. A senhora Ione foi mais longe, deu um nome a quermesse: “Festa da Cultura’. A conexão fortaleceu-se e tornou-se mais uma semente plantada. Dessa vez, com muito adubo e bastante água.
A festa foi tão boa que em 1975, o Prefeito pediu apoio à Secretaria de Estado da Educação. A solicitação foi entregue ao Departamento de Cultura, cujo Diretor era Luiz Antônio Barreto. Conhecedor e estudioso da nossa Cultura, Luiz Antônio acompanhava os trabalhos da professora Beatriz Góes e era amigo de Bráulio do Nascimento, Presidente da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, de José Calazans Brandão da Silva, Roberto Benjamin, Jackson da Silva Lima, Aglaé D’Ávila Fontes, Fernando Soutelo, Paulo Carvalho Neto, Cáscia Frade, Theo Brandão entre outros importantes nomes do estudo do Folclore Brasileiro. Juntos, eles criaram o I Encontro Cultural de Laranjeiras, em 1976. Assim a conexão fecha, e o maior movimento de resistência dessa Cultura, transforma-se em realidade.
Apoiada pela então Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Laranjeiras realizou um conjunto de ações em torno do I Encontro Cultural, como a restauração da velha Casa de Laranjeiras e instalação do Museu Afro-brasileiro de Sergipe. Iniciando uma série de restauros que devolveu à cidade monumentos e espaços sociais, como o Mercado da Municipal, prédio que abrigou a primeira alfândega do estado, o Trapiche, a Casa da Câmara. Ainda recuperou ruas de calçamento de pedra calcária, enquanto pavimentou outras, tornando melhor o piso da cidade.
Com o Encontro Cultural de Laranjeiras, a memória cultural de Sergipe e seus fazedores foram beneficiados. Os sons dos grupos folclóricos foram gravados, pela primeira vez e editados discos, livros, cadernos de folclore, dando visibilidade as manifestações culturais e seus mestres.
Em todos esses anos, passaram por aqui os mais importantes pesquisadores, escritores e folcloristas do Brasil, Portugal e Espanha.
Minha bisavó sempre me ensinou a conhecer e valorizar quem faz, pois somos aprendizes, continuadores e melhoradores do passado. Sou Calazans, com orgulho de ser sobrinho e afilhado do autor de histórias de Canudos. Sou Beatriz e sua persistência para registrar, deixando e salvando uma tradição. Sou Aglaé e sua lúdica poderosa do fazer e representar, verdade plena da Cultura. Sou Luiz Antônio Barreto, teimoso, competente e ávido na defesa da memória e tradição. Sou Jackson da Silva Lima, na paixão que vence a timidez e abraça a Cultura de corpo e alma.
Sou os Mestres Oscar,
Bilina, Lourdes, Lalinha,
Zé Candunga, Sales, Deca e Zé Rolinha,
Maria José, Nadir, Efigênia e João Sapateiro.
Sou Cacumbi, Chegança e São Gonçalo,
Sou Pareia, sou Coco pisando no chão
Caboclinho Lambe-sujos e Batalhão
Reisado, Guerreiro e Capoeira
Sou a beleza da tradição,
sou resistência, sou o Encontro Cultural de Laranjeiras.
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