– Quem está nas trincheiras ao teu lado?

– E isso importa?

– Mais do que a própria guerra. – Ernest Hemingway

Estamos vivendo uma guerra silenciosa, insidiosa que se assenhora de cada um de nós de maneiras diferentes, mas igualmente devastadora. Em primeiro de dezembro de 2019 foi identificado em Wuhan, na província de Hubei, na China o vírus responsável pela Covid19, cujo primeiro caso foi reportado em 31 de dezembro do mesmo ano. Em 11 de março deste ano, a Organização Mundial de Saúde declarou o surto como sendo uma pandemia que, a essa altura já havia se espalhado por todo o mundo. Nesse momento, centenas de milhares de pessoas já pereceram, milhões adoeceram e com certeza são inúmeros aqueles, entre os quais me incluo, que se mantêm entre a perplexidade e o medo de que alguma coisa pode acontecer, logo ali e a qualquer momento, sem nenhuma sinalização.

Nós somos a geração que talvez tenha vivido o período de paz mais longo da história. Não fossem as guerras localizadas em determinadas áreas do mundo, motivadas por intolerâncias religiosas/ideológicas, cujo dogma é o mesmo – fé cega/faca amolada – e estaríamos longe dessa que é sem dúvida uma das maiores atrocidades da humanidade. E pensar que há quem as declare em nome de Deus!

Sempre pensamos em guerra como um poder bélico, que poderia se instalar a partir de armas, munições, equipamentos dos mais sofisticados e alta tecnologia militar, como aqueles apresentados por Vladimir Putin – o que se quer eterno – em 2018 numa conferência para imprimir algum medo aos Estados Unidos e ao mundo (os autoritários adoram governar pelo medo já que são incapazes de se imporem pelo diálogo). Essa guerra é diferente, vai atingindo a todos como uma poeira silenciosa que, de repente, ataca.

No século XI, época em que a Espanha estava dividida entre reinos rivais espalhados por todo o seu território, um nobre guerreiro castelhano, Rodrigo Dias de Vivar, que ficou conhecido como El Cid (que significa o senhor) liderou várias batalhas entre cristãos e mouros com o objetivo de unificar a Espanha. Muita coisa da história desse herói nacional é eivada de mitos e lendas. Conta-se que ele, cristão devoto que era, mas não de fé cega, fez alianças com os reinos mouros menos ortodoxos, aqueles que, mesmo partidários da fé muçulmana, não acreditavam em Alá como um destruidor e

conseguiu a unificação da Espanha para o Rei Afonso VI. Conta-se ainda que, na batalha final, El Cid já morto foi colocado em cima do cavalo como se vivo estivesse para que a sua simples presença inspirasse os soldados a lutarem, o que os levou à vitória. Mais importante que a guerra é quem está nas trincheiras ao teu lado!

Quem está ao teu lado nessa guerra sem trincheiras, sem barulhos, sem armas superpoderosas dotadas da mais alta e sofisticada tecnologia?

Por certo não está ao teu lado o desembargador de Santos, que humilhou de forma vergonhosa o guarda municipal quando este exigia apenas o cumprimento de uma ordem pública de usar máscaras de proteção cujo objetivo seria beneficiar o próprio usuário e aos outros. Esse mesmo desembargador, que certamente julga com os rigores da lei os seus dessemelhantes, quando joga sobre si o manto sagrado da magistratura, com o qual acredita colocar-se num patamar diferente daquele no qual se encontram os que não têm manto para vestir.

Também não está ao teu lado a autoridade máxima do país, que vem se colocando, desde o início e contra todas as evidências científicas, do outro lado da razão, como se fosse possível ignorá-la em pleno século XXI. E não vamos dizer ingenuamente “pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem”. Eles sabem sim! Eles o fazem com todas as certezas da impunidade, com toda a arrogância do poder e sem a mínima preocupação com aqueles que estão nas trincheiras, como os profissionais da saúde, da segurança, dos que precisam prover o pão de cada dia e que se encontram desprovidos das condições para encarar essa guerra.

Quem está ao teu lado?

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