Infratores graves e leves no mesmo ambiente.
Superlotação leva Juizado da Infância e da Juventude a proibir
novas internações, e menores não ficam mais internados em Sergipe
Há alguns anos atrás, um jornalista entrar no Centro de Atendimento ao Menor (Cenam), em Aracaju, era algo arriscado. O clima nas oito alas do centro era de tensão e conflito entre os adolescentes e os agentes socioeducativos da unidade. Em 2015, denúncias de torturas e espancamentos de internos fizeram com que dez agentes
socioeducativos lotados no Cenam fossem presos. Duas das agressões ocorreram em setembro de 2014 e foram flagradas pelas câmeras de segurança da unidade. Dois jovens foram filmados, um deles sendo puxado pelo pescoço para fora das celas, enquanto o outro era agredido na quadra de esportes por agentes.
Localizado em uma das principais avenidas de Aracaju, o centro abriga hoje 163 adolescentes em confronto com a lei e que já foram sentenciados, sendo que a sua capacidade é para apenas 65 internos.
A equipe de reportagem do CINFORM entrou na unidade na última quinta-feira (26), conversou com os adolescentes, com agentes e direção da unidade e pode presenciar algumas das atividades que são promovidas dentro da unidade de ressocialização.
PRIMEIRO CONTATO NA ESCOLA
Meu primeiro contato direto com os jovens que ali estão cumprindo suas sentenças foi dentro da pequena escola na unidade. Pequenas salas de aula, onde alguns professores da Escola Estadual Cel. Francisco Souza Porto (que também atuam ali) lhes ensinam inclusive informática. E foi conversando com alguns adolescentes que estavam frequentando as aulas naquela manhã que descobri que muitos deles nunca frequentaram uma sala de aula. E é ali, dentro do Cenam, que eles estão começando a aprender o alfabeto, a ler, escrever e fazer contas básicas.
Uma das coisas que mais se contrastam com as imagens que eram vistas e faladas há alguns anos atrás sobre o Cenam era o tratamento que os adolescentes recebiam. Era comum vê-los andando nas dependências da unidade com algemas nos braços e pernas. Porém, durante todo o tempo em que a nossa equipe permaneceu dentro da unidade, nenhum dos jovens foi algemado. Nem mesmo no trajeto da entrada da unidade ou da escola até as alas, ou mesmo quando estavam na nossa presença.
“A diminuição dos casos de violência que existiam aqui se deu pela prática da pedagogia da presença quando esse adolescente que está aqui internado entende a presença do socioeducador, como uma figura que ele deveria ter em casa, como um pai mais presente. Nosso papel é mostrar a esse jovem que ele pode sim um cidadão quando sair daqui”, comenta Jessé Alves, coordenador geral de segurança da Fundação Renascer.
“ELES TIVERAM UMA ÓTIMA CHANCE DE COMEÇAR UM MOTIM”
Essa foi a frase que eu ouvi minutos depois de sair de uma das alas do Centro de Atendimento ao Menor naquela manhã. Como de costume, na hora do almoço os agentes foram levar as quentinhas com o almoço dos internos e, seguindo a tradição da unidade, uma das celas estava aberta com cerca de sete jovens soltos na ala.
Em outros tempos, acredito que uma jornalista, sobretudo do sexo feminino, jamais receberia autorização para entrar ali. A ala em que entrei era uma das que abrigam o maior número de adolescentes acusados de atos infracionais análogos ao homicídio, alguns deles com mais de uma acusação. Mas apesar disso, assim como nos outros locais onde tive a oportunidade de conversar com os adolescentes, fui bem tratada por eles. Com respeito e educação, independente da presença dos agentes socioeducativos e do próprio diretor da unidade que nos acompanhou.
Mas parando para pensar, eles realmente tiveram a oportunidade de nos fazer reféns, iniciar um motim ou até tentarem fugir da unidade. Porém, desde 2015 isso não acontece no Cenam. A última fuga e rebelião que houve aconteceu no 16 de outubro de 2015. E os índices de reincidência mostram que a nova política adotada pela administração do Cenam está dando certo.
Muitos daqueles que ali passaram hoje sustentam suas famílias de forma digna, trabalham até mesmo na própria Fundação Renascer, que administra todas as unidades de ressocialização de adolescentes em Sergipe, e se inscrevem no programa de egressos para conseguirem empregos dignos e não voltarem para o mundo do crime.
SUPERLOTAÇÃO
A nova administração do Centro de Atendimento ao Menor (Cenam) admite que a unidade não atende às especificações exigidas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) no que se refere à separação dos adolescentes internos e a questão estrutural da unidade. Outro problema que a direção reconhece, é o número inadequado de agentes socioeducativos para trabalharem no Cenam.
“Hoje, nós temos no Cenam uma estrutura para abrigar 65 internos, sendo que abrigamos 163. E uma quantidade de agentes socioeducativos que seria adequada somente para 65 adolescentes. Mas além dessa superlotação, que é notória, a estrutura arquitetônica do Cenam não atende às especificações exigidas no novo modelo de ressocialização de adolescentes em confronto com a lei. No entanto toda a parte de atendimento e acolhimento desses adolescentes que são exigidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nós conseguimos atender hoje. Esse adolescente só perde o direito de ir e vir”, comenta o diretor da unidade Julio Cezar Reis.
Por determinação do Juizado da Infância e da Juventude de Aracaju, o Centro de Atendimento ao Menor não pode, desde agosto deste ano, receber nenhum adolescente. Acatando uma ação civil pública, de autoria do defensor público Sérgio Barreto Morais, movida em 2013.
Segundo informações repassadas ao CINFORM pela assessoria de comunicação da Defensoria Pública de Sergipe, “os [adolescentes em confronto com a lei] que deveriam ser transferidos para o Cenam estão no regime semiaberto, ou seja, nos CASE I e CASE II”.
Porém, o diretor do Cenam chama a atenção para o fato de que apesar de existirem seis tipos de medidas socioeducativas, o Estado reconhece apenas a internação. Fazendo com que qualquer jovem acusado de qualquer ato infracional seja encaminhado para o Cenam, onde cumprirá uma sentença de seis meses a três anos, com avaliações a cada seis meses.
“É importante que se diga que 40% dos adolescentes que estão aqui no Cenam não deveriam estar aqui. Nós temos adolescentes aqui com acusação de furto e, apesar de existirem seis tipos de medidas socioeducativas, o Estado de Sergipe só reconhece a internação”, ressalta.