Protetores dos animais, carroceiros e políticos
discutem o fim das carroças em Aracaju
Durante muitos anos os carroceiros fizeram parte do cenário da capital sergipana, sobretudo em algumas das principais avenidas de Aracaju e nos bairros mais pobres. São pessoas que trabalham com transporte de materiais de construção, entulhos ou até mesmo mudanças pela cidade. No entanto, o debate sobre o direito dos animais ganhou força nos últimos anos e o olhar sobre essa atividade mudou. Mas o que poucas pessoas conhecem são os três lados que envolvem essa atividade.
Há algum tempo, os protetores dos animais, carroceiros e o poder público discutem denominadores comuns a respeito da atividade, mas a solução parece estar bem longe. Um projeto de lei, da vereadora Kitty Lima (REDE), prevê o fim gradativo das carroças em Aracaju e garante cursos profissionalizantes e de alfabetização para os carroceiros e suas famílias.
“O projeto de lei além de proteger os animais, traz benefícios para os carroceiros. O projeto fala que eles terão cursos profissionalizantes para mudarem de profissão, caso entendam que será melhor para eles. Já aqueles que quiserem continuar, que troquem o animal por uma bicicleta ou ciclomotor. Assim como acontece em outras capitais”, comenta a vereadora.
Apesar da boa intenção da vereadora, ainda há muita resistência por parte de uma parte da Casa e da própria Prefeitura para que o projeto avance e seja aprovado. Para o vereador Isac Silveira (PC do B), o projeto não garante uma contrapartida financeira aos carroceiros e, apesar dos cursos profissionalizantes, não garante o sustento das famílias.
O vereador comenta ainda que o projeto de lei pode ser considerado inconstitucional, caso crie gastos para a Prefeitura. “Um vereador não pode criar gastos para o Executivo. Então tem que haver nesse processo uma parceria entre o Legislativo e o Executivo, sob pena desse projeto ser considerado inconstitucional. Por exemplo, se ele obrigar a Prefeitura a conceder linhas de crédito. Isso não pode, é um custo para o Executivo”, argumenta.
CUIDADO COM OS ANIMAIS
Um dos pontos fiscalizados durante o cadastramento dos carroceiros, no mês de maio, deveria ser a saúde dos animais. Uma equipe veterinária da Faculdade Pio Décimo fez avaliações clínicas nos animais que participaram da primeira etapa da ação da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT) e Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), com o apoio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sema).
No entanto, a presidente da Comissão de Direito dos Animais da OAB, Renata Mezzarano, denuncia que durante o cadastramento dos carroceiros um dos animais chegou a desmaiar e que muitos animais estavam sendo devolvidos aos donos mesmo machucados.
“Eu conversei com o representante da Emsurb no local, o senhor Ubiraci, principalmente sobre um cavalo que desmaiou lá no local. Eu falei para ele que o cavalo não tinha condições de voltar andando para o Santa Maria e que ele deveria ser levado no caminhão para o curral da Emsurb e a resposta dele foi: ‘se eu tirar um cavalo daqui no caminhão, nenhum carroceiro mais vai querer se cadastrar’. E ele foi embora!”, denuncia.
O animal que estava com uma das patas muito machucada só foi levado para o curral da Emsurb no início da tarde, depois de esperar por mais de 4h pelo caminhão.
“O animal estava com a pata muito inchada e sangrando. Nós vimos ele se deitar e depois ele arriou de lado. Ele não se mexia mais, como se tivesse desmaiado. A Sema notificou o carroceiro e deu um dia para que ele cuidasse do cavalo. Aquele cavalo não ia conseguir chegar no Santa Maria. Então nós seguramos ele lá e esperamos o caminhão da Prefeitura de 10h até às 14:30h. E nós só conseguimos o caminhão para leva-lo para o curral porque a vereadora Kitty Lima entrou em contato com o presidente da Emsurb”, lembra.
No primeiro dia de cadastramento, cinco notificações foram emitidas pela Sema devido ao estado de saúde dos animais. Em nota enviada ao CINFORM, a Sema informou que o animal que desmaiou recebeu o tratamento adequado e, após receber alta, foi devolvido ao seu dono.
Porém, a comissão de direito dos animais lembra que os maus tratos aos animais é um crime ambiental e que é obrigação da Secretaria do Meio Ambiente encaminhar as notificações para a Delegacia do Meio Ambiente.
“A Sema notificou os donos dos animais que estavam machucados, mas ela deveria ter encaminhado para a Delegacia do Meio Ambiente para que seja investigado o crime ambiental. Esse não é um crime que eu apuro se eu quiser. O crime ambiental é um crime federal, então tem que ser apurado”, comenta.
Marcelo Conceição, presidente da Associação dos Carroceiros de Aracaju, que também acompanhou o cadastramento, afirma que nem todos os carroceiros apoiam ou maltratam os seus animais. “Nem todos os carroceiros maltratam os seus animais. Nos bairros onde você vê carroceiro, você vê que os animais são bem cuidados, as carroças arrumadas. Inclusive, muitos carroceiros têm dois cavalos para que eles se revezem no trabalho”, argumenta.
O CINFORM entrou em contato com a assessoria da Emsurb para falar sobre a atitude do seu representante e, segundo a Empresa Municipal, o diretor de Espaços Públicos da Emsurb, Bira Rabelo, precisou deixar o local porque tinha uma reunião com a Defesa Civil para tratar sobre a desocupação do antigo Hotel Palace.
FAMÍLIAS
Em meio a queda de braço na Câmara estão os carroceiros. Homens, mulheres e até mesmo crianças que não possuem qualquer benefício ou seguro oferecido pelo INSS e sem perspectiva de emprego melhor ou devido ao desemprego, eles recorrem ao frete com tração animal para conseguir manter sua família, mesmo que com muito pouco.
Segundo o presidente da Associação dos Carroceiros de Aracaju, Marcelo da Conceição, muitos mais de mil carroceiros da cidade sequer são alfabetizados enquanto outros apesar de possuírem experiência em outras áreas, não conseguem emprego.
“A maioria dos carroceiros tem interesse em mudar de profissão. Alguns são pedreiros, pintores, mas como estão desempregados eles voltam para as carroças”, comenta.
Renata Mezzarano comenta que inicialmente, a Comissão de Direito dos Animais da OAB procurou os carroceiros por causa do bem-estar dos animais, mas que ao se deparar com a situação social das famílias, eles entraram em contato até com a Fundat para tentar ajudá-las.
“Nós nos deparamos com uma realidade social totalmente a margem da sociedade. Eles vivem com condições financeiras muito baixas, esquecidos e sem direito a nada. Nós fomos até a Fundat pedir cursos para os carroceiros e suas famílias, para que eles mesmos entreguem as carroças quando estiverem ganhando dinheiro em outras profissões”, comenta.
Tanto os carroceiros quanto os defensores dos direitos dos animais pedem que os governantes e políticos ofereçam cursos profissionalizantes para que o número de carroceiros na cidade diminua e que eles tenham melhores oportunidades de trabalho.
“Além do cadastramento dos carroceiros, deveriam acompanhar essas famílias para que as crianças não tenham que trabalhar com carroças. Andando pela cidade você vê menino com 16, até 10 anos, sendo carroceiro”, comenta Marcelo.