Na última quarta-feira, 15, foi aprovada na Assembleia legislativa de Sergipe o Projeto de Lei nº 331/2022, de autoria do deputado Luciano Pimentel, que institui a Política Estadual de Cannabis para fins medicinais. O foco é amparar pacientes, capacitar profissionais da Rede Estadual de Saúde e incentivar a pesquisa. O projeto agora segue para sanção do governador do Estado, Fábio Mitidieri, que já se manifestou pela implementação da regulamentação. O chefe do executivo é autor da PL 399/2015, à época como deputado federal, que versa sobre toda regulamentação da Cannabis Medicinal e do cânhamo.

A médica Drª Mirene Morais, uma das referências da área no estado, lembra que no país já são mais de 200 mil pacientes em uso de Cannabis Medicinal, seja via associações, importações e farmácias. Um contexto em franca expansão. “Os compostos mais conhecidos são o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol) e atuam principalmente na regulação de um sistema no nosso organismo chamado de sistema endocanabinóide, que organiza todo equilíbrio do nosso corpo através do efeito anti-inflamatório, anticonvulsivante e antioxidante dos Fitocanabinóides. Conheci as potencialidades da Cannabis para fins medicinais na pós-graduação do Sírio Libanês, em uma aula onde discutimos sobre dor na criança em cuidados paliativos”, explica Dra. Mirene.

Drª Mirene Morais: “Conheci as potencialidades da Cannabis para fins medicinais na pós-graduação”

A Cannabis para fins medicinais se utiliza de várias propriedades da planta Cannabis, chamados de fitocanabinóides para o suporte a diversas patologias que podem ser moduladas com a ferramenta da Cannabis, mas principalmente na dor crônica, nas epilepsias refratárias, em quadros de ansiedade, insônia e estresse pós-traumático. No suporte a doenças como câncer para controle de náuseas, dor e melhora do apetite. Pode ser usado principalmente para levar melhor qualidade de vida nas doenças neurológicas degenerativas, como o Parkinson, doenças demenciais a exemplo da doença de Alzheimer e nos casos de pacientes autistas, adultos ou crianças com grande dificuldade de interação social e comportamentos agressivos mais severos.

O trabalho com foco na cannabis medicinal inclui a inserção de vários componentes da planta no arsenal terapêutico que já temos para as mais diversas patologias. Isso já é possível desde 2015 quando a Anvisa iniciou o processo de autorização dos componentes da planta para fins medicinais. “Os estudos em Cannabis no mundo já são realizados a fundo há algumas décadas e temos a experiência de vários países que já introduziram a Cannabis para fins medicinais há muitos anos, a exemplo de Israel, Canadá e Estados Unidos”, afirma.

Farmacologia

É possível utilizar vários compostos da planta a exemplo do CBD e do THC na forma de medicamentos orais (principalmente em forma de óleos usados em gotas), em cápsulas, cremes, gel tópico, gummies , supositórios, óvulos vaginais e também o uso vaporizado para doenças mais graves. A área dermatológica vem crescendo no mundo com produtos para pele ricos em CBD.

Estudos científicos internacionais comprovam que ele pode usado no tratamento do transtorno do espectro autista

Os benefícios do uso da Cannabis vêm da possibilidade da estimulação pelos canabinóides da planta em nosso organismo através do sistema endocanabinóide que é natural em nosso corpo e que compreende um conjunto de receptores, principalmente os receptores CB1 e CB2 que estão em todas as nossas células e que se acoplam como um sistema de chave fechadura, levando ao equilíbrio das funções orgânicas. “Todos os animais e em especial os mamíferos têm este sistema endocanabinóide altamente especializados e equilibrados com os outros sistemas do nosso organismo, e muitos estudos concordam que ele foi essencial para nossa sobrevivência como espécie. Assim, não só humanos podem ser beneficiados como também os outros animais, a exemplo dos pets”, esclarece Dra. Mirene.

Segundo resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), o uso do canabidiol é restrito para uso só em duas doenças, a epilepsia e a epilepsia refratária. Para as demais doenças, o CFM não tem indicação da prescrição. Porém, segundo o professor doutor Lysandro Borges, Professor e pesquisador do departamento de Farmácia da Universidade Federal de Sergipe (UFS)/Campus São Cristóvão, estudos científicos internacionais comprovam que ele pode ser usado no tratamento do transtorno do espectro autista, pacientes com convulsão, dor neuropática, fibromialgia, pacientes com transtornos depressivos, no controle da glicemia, e também tem potencial anti-inflamatório.

Lysandro Borges, Professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe

“Todos esses estudos podem ser fomentados a partir de agora com a liberação por parte da Assembleia Legislativa do uso do canabidiol. Os nossos deputados mostraram lucidez e foram à favor da ciência, ajudando não só os familiares e os pacientes, mas também nós pesquisadores para podermos fazer um trabalho com qualidade, purificando um óleo com qualidade para os pacientes utilizarem, mas, principalmente, fazendo pesquisas de qualidade para descobrir o uso em diversas doenças, como por exemplo, na diabetes. Hoje, nós temos 17 milhões de pacientes com diabetes e já tem estudos mostrando que o óleo do canabidiol reduz a média da glicemia pacientes. Então, esses estudos vão trazer luz à ciência do uso correto, do uso legal do óleo do canabidiol”, ressalta Lysandro Borges.

Uso medicinal

O professor da UFS ressalta a importância das pessoas não confundirem o uso recreativo da planta, da maconha, com o que será extraído dela, ou seja, seu óleo, que tem princípio farmacológico, é uma droga, um medicamento para tratar inúmeras doenças. “E aí eu faço uma analogia ao ópio. O ópio também é uma droga. A planta do ópio ela viciou milhares de chineses nas décadas de 30 e 40. E também na segunda mundial. No entanto, do ópio ainda se extrai a morfina e os derivados da morfina e a codeína. E a morfina hoje é muito usada nas cirurgias como um pré-anestésico. Uma droga tem também as suas características farmacológicas para tratar inúmeras doenças. É é uma faca de dois gumes, a mesma faca que pode matar também pode cortar uma fruta, é o mesmo raciocínio”, completa.

 

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