Por Henrique Maynart
Desporto, taquicardia e sergipanidade. “Domingooo eu vou lá pro Batistão, eu vou eu vou”. O quadrado talhado entre as Ruas Cedro, Campo do Brito, Vila Cristina e a Avenida Anízio Azevedo, no bairro São José, é o CEP do futebol sergipano há 49 anos de glória e desgosto. O Estádio Estadual Lourival Batista foi inaugurado em 9 de julho de 1969, uma obra tida como “faraônica” no auge do Ato Institucional n°5 (AI-5), da ditadura civil-militar que assolou o país de cima a baixo. Tempo de pouca conversa e bola em jogo.
“José José José Antônio Marques” ainda não era o “Gogó de Ouro” quando narrou a partida de estreia pela Rádio Difusora, atual Aperipê AM. A seleção sergipana enfrentou o time que venceria a Copa do Mundo do México no ano seguinte. Não deu outra: um chocolate de 10 x 2 pra seleção brasileira, o time de Tostão, Jairzinho e Pelé não rendia vacilo. Marques recorda uma entrevista concedida pelo técnico da seleção brasileira João Saldanha, em meio à solenidade. “O repórter perguntou o que ele tinha achado do gramado, ele respondeu que não era cavalo”. Pense na cavalice do técnico.
Aos 74 anos de idade e 50 de rádio, completados em abril, José Antônio Marques anunciou sua aposentadoria para 2019. O professor Sebastião Figueiredo costumava afirmar que o rádio é “o teatro para cegos”. Portanto, a crônica esportiva perde não apenas um narrador em 2019, mas um dramaturgo da pelota que rola solta pelos cantos de Aracaju.
Quatro décadas de convivência
Do chocolate tomado pela seleção brasileira, os dois gols marcados pelos sergipanos demarcaram os lados de cada torcida na capital sergipana. No primeiro tempo o atacante Vevé, da Associação Desportiva Confiança, fez o primeiro gol da seleção sergipana embaixo do placar, em direção à Avenida Anízio Teixeira. No segundo tempo o meia Fernando Oliveira, do Club Sportivo Sergipe, conferiu o segundo gol da seleção nas redes da entrada oficial do Batistão, pela Rua Campo do Brito. Dois gols que delimitaram paixões em azul e vermelho.
Joseilton Nery tem 55 anos e frequenta o Batistão desde 1974, na estreia do centroavante Nunes no Confiança em um empate de 2 x 2 com o Sergipe. Torcedor do América de Propriá e do Botafogo, Joseilton recorda um jogo entre Sergipe e São Paulo, ocorrido no começo da década de 80. “O maior público que já vi naquele estádio, o São Paulo era a base da seleção brasileira de 1982, foi um baita jogo”.
Ele nega a alcunha de “misto”, como são chamados os que torcem para um time do estado e um time de fora. Conhecido em seu bairro por “Botafogo” e por “Propriá”, ele afirma que a sua maior paixão ainda é o “Ameriquinha”. “Em 1986 eu estava no hospital, com pneumonia, e fugi do hospital pra assistir América e Lagarto pela segunda divisão do campeonato sergipano. Nunca que eu faria isso pra ver o Botafogo”, argumenta.
Vou sentar na arquibancada pra sentir mais emoção
Um Lucas pra cada cor de rivalidade e estamos conversados. E para utilizar um critério isento na escolha de quem será abordado primeiro, utilizemos a história do estádio. Como o primeiro gol sergipano no Batistão foi do atacante Vevé, do Confiança, comecemos pela banda azulina da disputa.
Dos operários têm o nome a vitória: Lucas Oliva tem 32 anos e se entende por azulino desde o ano 2000. Sua primeira lembrança do estádio é da final do campeonato sergipano de 2001, quando o Confiança fora campeão em cima do Sergipe depois de três empates seguidos. “A decisão de 2000 foi muito conturbada e não ocorreu no Batistão, está sub judice até hoje, daí a primeira lembrança mesmo é em 2000 com gol de Edvan. Lembro da torcida mangando do Wellington Elias, que sempre foi Sergipe, e ali era o início de uma fase muito boa pro clube”.
Com Lucas não tem outro time, ele é Confiança e Confiança, além de estimular outros torcedores a frequentarem o estádio. “Continuo levando vários mistos pro Batistão. Daí o misto consegue perceber que a potência é superior ao do sofá. Ele esquece do eixo Rio-São Paulo”. Para ele, a instabilidade das campanhas dos clubes contribui no enfraquecimento do estádio, mas “o importante é o Confiança o time entrar em campo. É o ritual. É pegar uma cerveja em Pêu do Coco, é abraçar quem você não conhece na hora do gol. Estádio é isso, o sofá nunca vai proporcionar a vivência com o povo”, afirma.
Bravo clube dos filhos do Norte: “Quando eu estou no Batistão eu sinto que faço a diferença”, afirma Lucas Silva. O colorado de 27 carrega sua primeira lembrança pelo ano de 2001, quando o Sergipe venceu o Paysandu dentro de casa pelo placar de 3 x 2. Outra lembrança forte é da final do campeonato sergipano de 2013, quando a equipe colorada venceu o River Plate pelo mesmo placar, com gol de Carlinhos aos 45 minutos do segundo tempo. “ A gente veio pro jogo seguro da vitória, fizemos 2 x 0 com Lucão e Fabinho Cambalhota, daí veio o River Plate e empatou. O gol de Carlinhos foi um momento explosivo na torcida, todo mundo chorando no estádio, banho de cerveja e tudo mais”.
Lucas confessa que já torceu pra outro time de fora do estado, mas atualmente sua única paixão é o Colorado. Ele ressalta que a cultura torcedora vem crescendo no futebol sergipano e a violência diminuindo, ao menos nos arredores do Batistão. “Hoje você vê o número de pessoas com clubes de outros times no estádio diminuindo, é um processo que é cultural.” Ele recorda a disputa ocorrida pela Copa do Brasil entre Confiança e Flamengo, em 2016, onde a torcida local fora engolida. “Muita gente que torce pro nosso rival foi pra este jogo com camisa do Flamengo e o rival ganhou. Fica o aprendizado”, citou. Assim como o Lucas azulino, o colorado afirma que “não existe um jogo na televisão que tenha a emoção do estádio, o estádio representa o sergipano que eu sou”.
Bola pro mato que o jogo é de campeonato
Casa boa é casa cheia. Neste domingo, 18, teremos mais uma edição do clássico Sergipe X Confiança no quadrado mais explosivo do São José, pela segunda fase da edição centenária do Sergipão. Uma tarde com a orelha colada no rádio, com buzina de caminhão sob o aroma da grama fresca, os fogos da entrada com papel picado, os gritos das torcidas e os dilemas da batalha que corre solta em dois tempos de 45 minutos. “Porque o meu time bota pra fuder, e o nome deles são vocês que vão dizer…”