O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) assegurou que os atingidos da tragédia de Mariana (MG) terão variados espaços para se manifestarem sobre o novo acordo de reparação que começou a ser negociado. Além de três audiências públicas já agendadas, o resultado de reuniões realizados nos últimos meses nos territórios atingidos serão considerados e novos encontros poderão ser marcados.
“Desde fevereiro, iniciamos uma rodada de reuniões no estado de Minas Gerais. Já foram 12 reuniões nos territórios atingidos para a oitiva qualificada dos atingidos. O estado do Espírito Santo fez a mesma coisa. Marcaremos novas reuniões tão logo seja possível com a melhora da pandemia da covid-19”, garante a promotora Hosana Regina Andrade de Freitas.
A tragédia de Mariana ocorreu em novembro de 2015, quando o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco causou a morte de 19 pessoas e gerou impactos em dezenas de cidades mineiras e capixabas situadas na Bacia do Rio Doce. A negociação do novo acordo de reparação se dá no âmbito de uma mediação conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As tratativas envolvem a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, representantes dos governos, dos tribunais de Justiça, dos ministérios públicos e das defensorias públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo, além do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia-Geral da União (AGU).
Uma carta de premissas foi pactuada no final de julho, prevendo um cronograma com 13 semanas para discussão de diversos tópicos e mais quatro semanas para redação da minuta de uma proposta final. As três audiências públicas foram agendadas para os dias 10 de setembro, 6 de outubro e 1º de dezembro, todas por meio da plataforma virtual Cisco Webex, com transmissão pelo canal do CNJ na rede social YouTube. “Será possível tanto a fala dos atingidos quando a manifestação por formulário que vai ser elaborado e disponibilizado”, diz Hosana.
Durante as negociações, deverá ser reavaliado todo o processo de reparação desde março de 2016, quando foi firmado o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) que estabeleceu os 42 programas atualmente em andamento. O MPMG e o MPF não são signatários desse acordo antigo e são críticos do sistema de governança que ele estabeleceu. Para gerir as ações de reparação, foi criada a Fundação Renova.
“Na nossa opinião, a União, o estado de Minas Gerais e o estado do Espírito Santo realizaram um acordo quando não havia ainda profundidade nas investigações. É um acordo nefasto, prejudicial aos interesses da população mineira. Esse acordo gerou consequências jurídicas. E hoje não temos um resposta adequada à tragédia”, avalia o procurador-geral de Justiça do MPMG, Jarbas Soares Júnior.
Passados seis anos da tragédia, há diversos gargalos no processo de reparação. Atualmente há mais de 80 mil demandas judiciais aguardando análise. Jarbas observa que as obras nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu ainda estão no início. Pelo cronograma original da reconstrução das duas comunidades destruídas na tragédia, as casas deveriam ter sido entregues em 2018 e 2019, mas até março deste ano apenas sete das 306 moradias previstas estavam concluídas.
“Esse acordo não atende a população atingida, não atende o meio ambiente, não atende aos interesses de Minas Gerais, do Espírito Santo e da União. E está se mostrando que o acordo também não atende aos interesses das empresas. Não trouxe estabilidade, tranquilidade, resolutividade e definitividade em nada. E nem a paz social que é o que todos queremos. Em Brumadinho, vencemos a etapa do acordo. Agora só discutiremos a execução. É diferente de Mariana. É como se uma etapa não tivesse sido concluída”, acrescenta o procurador-geral.
Ele se refere ao acordo de reparação da tragédia de Brumadinho (MG), que foi firmado em fevereiro desse ano. A Vale, responsável pelo rompimento da barragem que deixou 270 mortos em janeiro de 2019 e poluiu o Rio Paraopeba, se comprometeu em destinar R$ 37,68 bilhões à reparação.
Na semana passada, o procurador da República, Carlos Bruno Ferreira da Silva, já havia pontuado que esse acordo seria uma referência para a nova negociação envolvendo a tragédia de Mariana. Ele participa das tratativas representando o MPF e avaliou que um ponto que deve ser melhorado, na comparação com a experiência de Brumadinho, diz respeito à participação popular. Essa é uma das principais críticas das comunidades atingidas: elas reclamam que não foram ouvidas.
Nova governança
Jarbas Soares Júnior deixou claro que o MPMG irá defender uma repactuação da governança da reparação nos moldes do modelo de Brumadinho, sem o envolvimento da Fundação Renova. Por considerar que a entidade não possui autonomia diante das mineradoras, o MPMG move uma ação judicial pedindo sua extinção.
O procurador-geral também crê que novos valores precisarão ser discutidos. A Fundação Renova afirma já ter gasto cerca de R$ 14 bilhões na reparação. Enquanto a mediação conduzida pelo CNJ estiver em curso, as medidas previstas no TTAC não serão paralisadas.
“As ações que compõem a reparação seguem em andamento”, assegurou a Fundação Renova em nota divulgada na semana passada. A Samarco afirma estar comprometida com as comunidades atingidas e com “o aprimoramento dos acordos já celebrados de forma a trazer maior eficiência e definitividade à reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem”.
A Vale, por sua vez, divulgou uma nota no mês passado onde considera que as tratativas devem respeitar os limites do TTAC. A mineradora reconhece a “desburocratização da governança” como uma das premissas da negociação, mas pondera que “nos termos do §2º, da cláusula 232, do TTAC, o valor predestinado à compensação dos danos causados, com o rompimento da barragem de fundão, não reparáveis, já foi estipulado e não é objeto da repactuação, que visa a otimização e maior eficiência e objetividade no avanço dos 42 programas, que seguem em andamento”.
Agência Brasil