*Por Acacio Miranda
Dois fatos políticos estão entre os mais comentados esta semana: o depoimento do ex-ministro Sérgio Moro, com vistas a apuração de eventual interferência do Governo na autonomia da Polícia Federal e a aproximação do Presidente Jair Bolsonaro ao “Centrão” do Congresso Nacional.
Em meio a uma enxurrada de problemas sociais, econômicos e, principalmente, de saúde pública, tais fatos não seriam tão relevantes não fossem duas circunstâncias relacionadas ao passado dos até outrora aliados.
Quando Juiz Titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, especializada no julgamento dos Crimes de Lavagem de Capitais e outros Contra a Ordem Econômica e Financeira, o agora ex-ministro sempre fez questão de externar a sua discordância e irresignação com as garantias conferidas
aos advogados, especialmente aquelas essenciais ao pleno exercício do direito de defesa.
Entusiasta assumido da teoria processual penal norte americana denominada Eficientismo Penal, onde as garantias individuais são sobrepostas pelos interesses da sociedade, o responsável pela condução das Operações Banestado e Lava-Jato fez dos seus processos um laboratório para a aplicabilidade desta no ordenamento jurídico pátrio, mesmo que em detrimento as normas por aqui vigentes.
Sem que seja feito um juízo de valor acerca da sua assertividade jurídica, mas vários atos praticados pelo então magistrado demonstram cabalmente a sua opção por superar as garantias funcionais dos defensores, a pretexto de tornar a prestação jurisdicional mais eficiente (como se o elevado número de condenações fosse sinônimo de um melhor Poder Judiciário).
Inúmeros são os exemplos concretos, tais como: – as dificuldades impostas aos advogados para o simples acesso aos autos do processo; – as supressões indevidas de garantias legais, como no caso das prisões preventivas como forma de “forçar” o investigado à realização de delação premiada; – a defesa pública de projetos que suprimiam vários instrumentos necessários ao exercício do contraditório, como no caso das “10 medidas contra a corrupção” e o Pacote de Lei Anticrime, onde estavam previstos mecanismos de investigação pouco condizentes com o nosso sistema jurídico, como é o caso do “Plea Bargain” (acordo entre acusado e acusador antes do início do processo), do Flagrante Preparado como meio válido de prova e a admissibilidade do “whisteblower”( informante do bem) como prova absoluta; – além de fomentar investidas dos meios de comunicação contra os profissionais da carreira, a pretexto dos exorbitantes honorários por estes recebidos.
Referida irresignação ficou ainda mais evidente quando do seu discurso de despedida do Ministério da Justiça, uma vez que só abriu mão de atacar o Presidente da República, no momento em que reclamou por “não ter conseguido acesso ao celular do advogado de Adélio Bispo, porque infelizmente a lei não permite”.
Já no que diz respeito ao Presidente da República, este sempre disse ter orgulho do fato de ter passado mais de três décadas no Congresso Nacional sem ter cedido aos encantos, e benesses, do Centrão (grupo político que serve como fiel da balança para todos os governos desde o
restabelecimento da democracia no Brasil).
Mais do que retórica, essa quebra de paradigma, foi uma das principais bandeiras políticas do à época candidato à presidência, e, com certeza, serviu de motivação para que parcela dos eleitores, principalmente aqueles revoltados com o “status quo” da classe política o escolhessem.
E neste ponto, cabe a ponderação sobre o nexo entre estas duas situações!
No último sábado, o ex-ministro e ex-juiz federal esteve depondo durante oito horas perante Delegados da Polícia Federal, e o fez acompanhando por uma equipe de advogados.
Sim, por uma equipe de advogados qualificados, escolhidos
pessoalmente por Sérgio Moro, para que estes possam ajudá-lo na construção de um raciocínio jurídico e, mais do que isso, para que possam evitar que as afirmações do ex-juiz lhe tragam posteriores implicações legais.
Em resumo: ele o fez uma vez que, enquanto cidadão, tem direito as garantias inerentes ao Direito de Defesa, principalmente a de ser assistido por um advogado, ou por advogados, escolhidos de acordo com a sua vontade.
No que tange ao Presidente da República, já há alguns dias este vem sofrendo com a queda da sua popularidade (as últimas pesquisas demonstram tal informação) e, consequentemente, vem enfrentando maiores dificuldades para a manutenção da governabilidade (e até algumas ameaças a manutenção do seu mandato, uma vez que foram apresentados pedidos de impeachment perante o Presidente da Câmara dos
Deputados).
E qual está sendo o caminho percorrido por este, a fim de evitar desgastes e derrotas perante o Poder Legislativo? A adesão ao que o cientista político Sérgio Abranches chamou de presidencialismo de coalização (popularmente chamado de “toma lá, dá cá”), e o fez através do oferecimento de cargos de segundo e terceiro escalão ao “Centrão”.
Sem nenhuma desfaçatez, o crítico contumaz da advocacia precisou recorrer a esta, da mesma forma que o histórico inimigo do “Centrão” cedeu aos encantos da maioria puramente fisiologista.
E o fizeram porquanto encurralados, sem, em nenhum momento
mencionarem que descobriram que a defesa é uma garantia essencial do cidadão e deve ser preservada a qualquer custo, ou, que a manutenção do processo democrático pressupõe diálogo com os “iguais e, principalmente com os diferentes”.
Diante de tudo isso, só nos resta crer que o tempo é o senhor da razão, e o seu transcurso é capaz de enfraquecer qualquer retórica oportunista.
*Acacio Miranda da Silva Filho – Especialista e professor em Direito Constitucional, Eleitoral e Penal Internacional