Façamos um exercício imaginativo para ilustrar o nosso tema. Se chegasse uma nova escola na cidade que (i) oferecesse uma completa formação humanística e de valores éticos; (ii) prometesse autodidatismo e desenvolvimento de um espírito emancipatório em seus alunos; (iii) implementação de uma metodologia viva que contempla as necessidades e particularidades de cada estudante, isoladamente e no contexto social, e (iii) apresentasse estatísticas e indicadores de desempenho melhores que quaisquer outros sistemas, algum pai ou mãe não consideraria matricular seu(s) filho(s) nessa escola? Todos que são conscientes das suas responsabilidades e que amam seus filhos certamente considerariam.

O “Ensino Domiciliar” (ED), que tem crescido exponencialmente no Brasil nos últimos anos, anuncia todos esses benefícios. Tal assunto monopolizou o debate nacional, nas últimas semanas, quando a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Nº 2.401/19 sobre o assunto, contemplando o pleito de 7.500 famílias praticantes, segundo dados da ANED – Associação Nacional de Ensino Domiciliar de 2020 (estima-se que este número pós pandemia quadruplicou). O PL agora seguiu para o Senado Federal.

Desconsiderando as opções e ideologias dos que são contra ou a favor do Homeschooling, por razões as mais díspares, mesmo que eu ou você não opte por este modelo/metodologia de ensino/aprendizagem, é evidente que deixar a educação básica exclusivamente sob a tutela do Estado, em instituições formais, negando a realidade atual de milhares de famílias que assim não optaram – ainda que uma minoria –, é insistir num erro jurídico, pois desprestigia o próprio dever constitucional e legal dos pais de educarem sua prole – “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores…” (art. 229, da CF/88) – sendo de sua competência “dirigir-lhes a criação e a educação” (art. 1.634, I, do Código Civil).

Vale ressaltar que o STF, enfrentando a questão no julgamento do RE 888.815, disse que o Ensino Domiciliar não é proibido pelo sistema constitucional brasileiro, mas apenas carece de regulamentação pelo Congresso Nacional, o que está sendo feito agora. O voto do Ministro Barroso, Relator do RE, e jurista preferido dos chamados progressistas, foi ainda mais longe, pois dizia que, além do ED ser um direito constitucional, não necessitaria de norma regulamentadora. Nisso foi vencido.

Assim, como detentores do poder familiar, é dever e privilégio dos pais determinarem como se dará a educação de seus filhos, aplicando a metodologia que lhes aprouver, em prol do melhor benefício para as crianças e adolescentes (art. 226, CF).  Não à toa, no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, em vários documentos jurídicos de declaração ou tratados multilaterais, está claro que “Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos” (artigo 26.3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, subscrita pelo Brasil).

Vê-se, portanto, que, juridicamente, o Estado não monopoliza a educação; ele é um partícipe e colaborador da família na afirmação deste direito fundamental e garantidor de que todos possam (e devam) desfrutar destes benefícios (arts. 6º e 208, §1º, da CF/88), inclusive fora dos estabelecimentos formais e institucionais.

É que a proteção constitucional não se trata de direito à escolarização, mas sim, de direito à educação que pode ser exercido por outra modalidade – no caso, Ensino Domiciliar (ED), titularizada pelos pais, com requisitos próprios. Aliás, é de se notar o que estabelece o PL 2.401/19, em termos de condições para a adoção do ED por famílias. Diz o PL que os responsáveis deverão formalizar sua opção junto a uma instituição de ensino credenciada, fazer matrícula anual do estudante e apresentar documentos, tais como, comprovação de escolaridade de nível superior de um dos pais ou responsáveis, certidões criminais dos pais ou responsáveis; relatórios trimestrais com a relação de atividades pedagógicas realizadas no período; acompanhamento com um docente tutor da instituição em que a criança estiver matriculada; avaliações anuais de aprendizagem. Do mesmo modo, também são estabelecidas regras para as instituições de ensino credenciadoras de ED, tais como: manutenção de cadastro dos estudantes em ED; cumprimento de conteúdos curriculares referentes ao ano escolar do estudante, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular; realização de atividades pedagógicas que promovam a formação integral do estudante; garantia, pelos pais ou responsáveis legais, da convivência familiar e comunitária do estudante; realização de avaliações anuais de aprendizagem e participação do estudante nos exames dos sistemas nacional, estadual ou municipal de avaliação da educação básica. Como se vê, os mecanismos de supervisão estatal, na forma da Constituição e da atual LDB também estão presentes. Os que são contra, sejam honestos ao escreverem sobre o tema, informando o que se está verdadeiramente sendo aprovado como Legislação.

É de se ressaltar ainda que o ensino domiciliar (ED) é um modelo educacional presente em mais de 60 países, notadamente, os desenvolvidos, membros da prestigiada, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), tendo alcançado índices de sucesso e indicadores educacionais bem superiores ao ensino tradicional, como é o caso dos EUA, onde tal liberdade constitucional foi implementada em conjunto com uma série de mecanismos de supervisão, apoio pedagógico e incentivos aos pais.

Ao ignorar esta realidade e negarmos espaço ao Ensino Domiciliar, observamos evidente privação arbitrária da liberdade constitucional de autonomia dos pais em relação à educação de seus filhos. Chegou o momento de isso ser reparado, como o foi em outras nações civilizadas e que respeitam suas minorias.

Uziel Santana – Advogado e Professor da Universidade Federal de Sergipe.

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