Com custo de produção de R$ 0,01/litro, produto é feito à base de quiabo e busca tornar água de barreiro própria para consumo
Em Canindé do São Francisco, no alto sertão sergipano, estudantes da rede pública estadual desenvolvem um projeto para purificar a água na região de forma simples e barata. Trata-se do Acendra, que propõe a adição de uma cápsula coagulante em reservatórios com água argilosa, de forma a tornar o líquido próprio para consumo. Feito à base de quiabo, o produto aproveita o descarte de feiras e apresenta uma alternativa eficiente e sustentável.
A proposta nasceu em novembro de 2022, como projeto de iniciação científica do Centro de Excelência Dom Juvêncio de Brito. Ao longo das férias, a equipe responsável seguiu frequentando a escola, utilizando o laboratório da instituição para construir o projeto. A iniciativa dos estudantes, que fez parte da 2ª edição da Feira de Conhecimento e Arte (Feconart) entre os dias 4 e 6 de setembro, estará na Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec), de 23 a 27 de outubro. Considerada a maior feira científica da América Latina, a Mostratec é sediada em Novo Hamburgo (SC).
Integram a equipe os alunos Lucas Adib Magalhães e Arthur Jorge, do 2º ano do Ensino Médio. A egressa Anne Almeida, que hoje é aluna do curso de Farmácia, também compõe o grupo. Foi ela quem iniciou o projeto, convidando Lucas e Arthur para dar continuidade à ideia. As professoras Lark Soany, de Química, e Marisa Nobre, de Geografia, também compõem o grupo como orientadora e coorientadora, respectivamente.
Segundo Lucas Adib, o projeto surgiu como forma de apresentar soluções em razão dos indicadores do município: de acordo com dados do Instituto Água e Saneamento (IAS), boa parte dos habitantes de Canindé ainda é abastecida com água por meio de carros-pipa. Além disso, 51,9% dos domicílios no município têm rendimento mensal de até meio salário mínimo por pessoa, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010.
“Como ajudar pessoas que não têm condições para acessar um direito de extrema necessidade? Com essa pergunta, surgiu a ideia de reaproveitar outro tipo de água abundante na região: a água de barreiro. Até então, achávamos que era imprópria para consumo, mas, antigamente, ela era utilizada como meio de sobrevivência. Durante nosso processo de investigação, fizemos entrevistas com produtores locais que relataram infâncias difíceis bebendo dessa água. Eles também falaram sobre métodos primitivos de purificação, utilizando coador de pano”, explica Lucas.
O aluno relata que, ao longo das aulas e durante o estudo dos métodos de purificação, a coagulação foi percebida como prática ideal para remoção da terra suspensa na água. “No laboratório, soubemos que a pectina presente em cactáceas serviria como coagulante, assim como o quiabo, que é muito presente em nossa região. Nossa orientadora instiga a pesquisa da flora local, para dar visibilidade. Dessa forma, extraímos a mucilagem do quiabo, formando um coagulante orgânico, e partimos para um novo objetivo: o de substituir o coagulante inorgânico, que traz malefícios à saúde, por um orgânico”, prossegue Adib.
Após a comparação das eficiências entre os coagulantes orgânico e inorgânico, os padrões de potabilidade foram atingidos. “Como resultado, o resíduo do uso do coagulante orgânico vira adubo, ao contrário do inorgânico, que desregula o meio ambiente quando é descartado”, complementa Lucas.
Sustentabilidade
Outro pilar do projeto é o desenvolvimento de um produto barato, a partir de matéria prima de fácil acesso. “Reaproveitamos o quiabo descartado nas feiras de Canindé, o que equivale a 30% da produção, e estabelecemos um manejo sustentável. Para cada litro de água purificada, temos um custo de produção de apenas R$ 0,01, sendo um parâmetro de economia de mercado de 99,98%”, resume Adib.
O pesquisador ressalta que o produto passou por testes de adesão com entrevistados dos 14 aos 75 anos. Desses, 91% afirmaram que utilizariam a água de barreiro tratada com o Acendra. O percentual subiu para 97% quando as pessoas entrevistadas foram apresentadas ao custo de produção. “A próxima etapa é levar o produto às comunidades necessitadas, que estão utilizando água de barreiro sem tratamento, para dar voz e direitos básicos aos cidadãos canindeenses”, frisa Lucas.
Para o estudante, o projeto significou mais do que uma pesquisa científica. “Foi um divisor de águas para mim, porque me tirou daquela ‘bolha’ adolescente e me fez ter um novo olhar sobre a sociedade. Durante as entrevistas, perguntei a um senhor se ele conhecia algum barreiro, e ele respondeu: ‘Não conheço nenhum hoje em dia, porque hoje tenho água’. Foi assim que entendi que nunca sofri insegurança hídrica, enquanto muitos nordestinos ainda sofrem com tal realidade. Espero que o Acendra mude a vida de muitas pessoas em breve, porque a falta de água é global”.
Fonte: Agência Estado de Notícias – SE