A Sala de Comissões da Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese) foi palco, nesta sexta-feira (22), da Audiência Pública “Fortalecimento da Agrobiodiversidade e Resgate das Sementes Crioulas em Sergipe”. O evento, realizado por meio da Comissão de Agricultura e Meio Ambiente da Casa, foi proposto pela deputada estadual Linda Brasil (Psol), a partir de um requerimento feito em conjunto com o Movimento Camponês Popular (MCP).

A audiência, presidida pelo deputado e vice-presidente da Alese, Garibalde Mendonça (PDT), teve como objetivo central debater mecanismos de fortalecimento da agrobiodiversidade e a construção de políticas públicas que garantam a preservação, o resgate e a valorização das sementes crioulas no estado.

Dep. Linda Brasil

Em sua fala de abertura, a deputada Linda Brasil destacou a importância estratégica do tema.

“O objetivo desta ação foi debater mecanismos de fortalecimento da agrobiodiversidade e a construção de políticas públicas que garantam a preservação e valorização das sementes crioulas. Essa é uma pauta de extrema importância. Fico feliz em ver o MCP de Sergipe mobilizado, resgatando as sementes crioulas e cobrando do Estado políticas públicas para fortalecer essa agenda, que é essencial para o nosso desenvolvimento. Espero que o debate de hoje avance de forma concreta e que representantes tanto dos movimentos sociais quanto do governo apresentem propostas objetivas. A partir dessas contribuições, poderemos cobrar do Estado mais investimentos no fortalecimento das sementes crioulas e na agricultura sustentável.”

Linda destacou o papel fundamental dos movimentos populares, especialmente os ligados ao campo, na defesa do meio ambiente, do acesso à água e da soberania alimentar.

“Vivemos um momento crítico de escassez de água, algo inadmissível em um estado cercado por rios. Falta água tanto para o consumo humano quanto para os pequenos agricultores, o que compromete a vida no campo. Precisamos fortalecer a agrobiodiversidade, a agroecologia e a produção orgânica, pautas que nosso mandato já vem apoiando. Destinamos uma emenda de R$ 100 mil à LOA para a implantação de políticas públicas voltadas à produção orgânica e agroecológica. Também temos indicado emendas parlamentares para fortalecer essas iniciativas. Vale lembrar que foi durante a Sessão Itinerante da Alese, em Simão Dias, que o MCP reivindicou espaço para se manifestar. Embora isso não tenha sido possível na tribuna, garantimos uma reunião com o presidente da Casa e com o líder do governo. Dela, resultou o compromisso com a realização desta audiência pública e a inclusão de diretrizes sobre sementes crioulas na LDO. Ainda estamos aguardando uma reunião com o secretário de Agricultura, que será solicitada com base no que foi discutido aqui hoje. A luta continua, e seguimos juntos por políticas que respeitem e valorizem o nosso povo do campo”, explicou a parlamentar.

O debate contou com a contribuição de especialistas de renome, que trouxeram diferentes perspectivas sobre o tema, desde a experiência prática dos movimentos camponeses até as pesquisas científicas mais recentes.

Para abrir as exposições técnicas, a contribuição da doutora em Ciências Humanas e mestra em Extensão Rural, Eliane Dalmora, professora titular no Mestrado Profissional em Turismo e no curso de Agroecologia do Instituto Federal de Sergipe (IFS), trouxe para o centro do debate a importância da educação e da extensão rural. Ela enfatizou como a integração entre conhecimento tradicional e científico é crucial para a preservação da agrobiodiversidade, além de discorrer sobre o papel das instituições de ensino na formação de profissionais comprometidos com a agroecologia e na valorização desses saberes.

Prof. Eliane Dalmora

“Nosso trabalho no IFS, tanto no curso de Agroecologia quanto no Mestrado Profissional em Turismo, está fortemente articulado com os movimentos sociais do campo, como o MCP. Atuamos não apenas na formação técnica, mas também na construção coletiva de um novo modelo de agricultura, uma agricultura que respeita os saberes tradicionais, que promove a justiça social e que contribui para a saúde do planeta e das pessoas. A agroecologia, além de ser uma abordagem produtiva sustentável, é uma prática política e cultural que se opõe ao modelo do agronegócio. Defendemos uma alimentação saudável, livre de agrotóxicos e de transgênicos. A transgenia, além dos riscos à saúde humana, ainda pouco estudados a longo prazo, representa uma ameaça concreta à conservação das sementes crioulas. Muitas dessas plantas têm polinização aberta, o que significa que podem ser contaminadas geneticamente e, com isso, comprometer o patrimônio construído ao longo de séculos pelos agricultores familiares.

Eliane salientou que as sementes crioulas são resultado de um melhoramento genético feito com observação, experimentação e prática cotidiana. Os camponeses selecionam, ano após ano, as melhores sementes para sua realidade. Isso é ciência, é tecnologia social, e precisa ser valorizado como tal.

“Nosso papel enquanto instituição de ensino é apoiar, fortalecer e legitimar essas práticas, inclusive na formulação de políticas públicas que reconheçam o conhecimento camponês como fundamental para a construção de um futuro mais justo e sustentável,” finalizou.

Dr. Amaury dos Santos

Pesquisa e inovação

O doutor em Produção Vegetal e mestre em Fitotecnia Amaury dos Santos, que integra o Comitê Gestor do Portfólio de Sistemas de Produção de Base Ecológica da Embrapa, apresentou o olhar da pesquisa aplicada. Ele compartilhou experiências e resultados de projetos nacionais que demonstram o potencial produtivo e a resistência das sementes crioulas, além de discutir as estratégias e inovações tecnológicas que podem ser empregadas para apoiar e fortalecer os bancos comunitários de sementes no Estado.

A perspectiva acadêmica e o desenvolvimento sustentável

Na sequência, o doutor em Desenvolvimento Sustentável, Edson Diogo Tavares, que também é mestre em Agronomia e especialista em Análise Econômica, trouxe uma análise sobre os impactos do modelo agrícola convencional e nas vantagens competitivas e sustentáveis dos sistemas agroecológicos que utilizam sementes crioulas, demonstrando como o resgate dessas sementes é viável e necessário para um desenvolvimento rural verdadeiramente sustentável em Sergipe.

Dr. Edson Diogo Tavares

“A agricultura familiar é o verdadeiro alicerce da produção de alimentos no Brasil, e Sergipe não foge a essa regra. A maior parte do que chega à mesa do povo brasileiro é fruto do trabalho das famílias agricultoras, que cuidam da terra e produzem com responsabilidade social e ambiental. As sementes crioulas são um patrimônio cultural e genético inestimável. Elas não pertencem apenas ao agricultor que as guarda e planta, elas pertencem ao povo. Carregam consigo histórias, saberes, técnicas de adaptação ao clima, ao solo, ao manejo tradicional. Ao preservar essas sementes, estamos preservando também um modo de vida, uma cultura e uma ciência construída coletivamente ao longo das gerações. O uso dessas sementes garante autonomia ao agricultor. Ele não precisa esperar por uma semente comercial, muitas vezes cara e inadequada à sua realidade. Ele tem ali, guardado, um banco genético adaptado ao seu território, ao seu ciclo produtivo, à sua experiência. Quando chove, ele planta. Quando precisa, ele reproduz. E isso garante a continuidade da produção mesmo diante de adversidades.”

Edson destacou que ao contrário, as sementes comerciais, muitas vezes geneticamente modificadas, são padronizadas, não respeitam a diversidade do nosso bioma e exigem o uso de agrotóxicos e insumos caros. Por isso, valorizar as sementes crioulas é valorizar a soberania dos nossos agricultores e a saúde da população.

O movimento camponês e a luta pela soberania alimentar

A audiência ouviu a contribuição de uma voz que une a prática no campo ao conhecimento acadêmico. A agricultora, engenheira florestal e mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Ana Maria Guimarães, integrante da direção nacional e estadual do Movimento Camponês Popular (MCP), trouxe a perspectiva da luta social. Em sua intervenção, ela contextualizou a importância das sementes crioulas como patrimônio genético e cultural dos povos, destacando seu papel fundamental na garantia da soberania e da segurança alimentar das comunidades tradicionais.

Ana Maria Guimarães

“Essa audiência pública é resultado de uma articulação construída a muitas mãos. Ela nasceu de uma demanda apresentada durante a Sessão Itinerante da ALESE em Simão Dias, quando o MCP reivindicou esse espaço para que camponesas e camponeses pudessem ser ouvidos. E hoje, com o apoio fundamental do mandato da deputada Linda Brasil, estamos aqui para debater uma pauta que diz respeito diretamente à vida de centenas de trabalhadores e trabalhadoras do campo em Sergipe. O tema central que foi o fortalecimento da agrobiodiversidade é estratégico para garantir o direito à produção de alimentos saudáveis, à preservação do meio ambiente e à permanência das famílias no campo com dignidade. Quando falamos de agrobiodiversidade, falamos também de soberania alimentar, de respeito às práticas tradicionais, e da valorização das sementes crioulas, que são herança cultural e genética do nosso povo. Discutimos não apenas o acesso a sementes, mas também a necessidade urgente de políticas públicas que garantam assistência técnica em agroecologia, acesso a crédito para agricultura familiar, infraestrutura no campo e, principalmente, o direito de produzir sem depender de pacotes tecnológicos impostos pelas grandes indústrias, que muitas vezes inviabilizam nossa forma de plantar e viver.”

Sobre o problema do desabastecimento de água:

“Um dos principais desafios enfrentados pelas famílias camponesas em Sergipe, especialmente na região do sertão e do semiárido, é o acesso à água. A escassez hídrica não é apenas para o consumo humano, que por si só já é grave, mas também para a produção de alimentos. São poucos os poços disponíveis e raríssimas as famílias que conseguem irrigar suas lavouras. Isso impacta diretamente na geração de renda, na segurança alimentar e na permanência das pessoas no campo. O Estado precisa assumir a responsabilidade de garantir o acesso à água como um direito básico e como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da agricultura familiar. Sem água, não há produção. Sem produção, não há vida no campo.”

Ana agradece à Alese pelo espaço:

“Quero expressar nosso agradecimento ao presidente da Assembleia Legislativa, Jeferson Andrade, por abrir esse espaço de escuta, tão necessário, e por receber nosso movimento. Agradeço especialmente à deputada Linda Brasil, que não apenas ouviu nossas reivindicações, mas também se comprometeu com elas, garantindo a realização desta audiência e a inclusão de propostas concretas na LDO. Essa é a política que a gente quer: uma política construída com o povo e para o povo.”

Lucas Travassos Déda

Encerrando as contribuições técnicas da audiência, o assessor em agroecologia da Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), Lucas Travassos Déda, destacou as ações da instituição voltadas para o fortalecimento da agrobiodiversidade no estado. Ele detalhou iniciativas como a reprodução de mudas biofortificadas, o apoio à produção de sementes crioulas e o trabalho conjunto com organizações sociais e centros de pesquisa. Segundo Lucas, a meta é garantir o acesso a sementes adaptadas às realidades locais, promovendo uma agricultura mais saudável, sustentável e alinhada aos saberes tradicionais.

“A Emdagro tem atuado firmemente para fortalecer a agrobiodiversidade em Sergipe. Trabalhamos com a reprodução de mudas de mandioca biofortificada, incluindo variedades crioulas voltadas para a produção de tapioca e para agroindústrias. Também desenvolvemos mudas de batata-doce biofortificada, distribuídas a agricultores familiares. Estamos ampliando nossa atuação na produção de sementes crioulas, em parceria com a Embrapa e com o Movimento Camponês Popular. Nosso objetivo é oferecer apoio técnico e científico direto ao agricultor, por meio da extensão rural e dos nossos centros experimentais de reprodução de sementes e mudas. Queremos garantir que essas sementes sejam limpas, adaptadas à realidade local e compatíveis com práticas sustentáveis. Fortalecer a produção de alimentos biofortificados e livres de agrotóxicos é essencial para promover saúde e nutrição à população. Estamos comprometidos com uma agricultura que respeita o meio ambiente e valoriza os saberes tradicionais.”

Lucas explica o que são sementes crioulas:

Exemplos de sementes crioulas – Foto: autossustentavel.com

“Sementes crioulas são aquelas que vêm sendo passadas de geração em geração, carregando não apenas genética, mas também cultura e história. São sementes adaptadas a realidades específicas, desenvolvidas ao longo do tempo pelos próprios agricultores. O problema das sementes comerciais é que elas são produzidas em larga escala para condições padronizadas, que muitas vezes não correspondem ao contexto do agricultor familiar. Já as sementes crioulas têm alta adaptabilidade, exigem menos insumos químicos e mantêm a autonomia dos produtores. Uma planta que produz bem sem agrotóxicos é a base para uma produção mais limpa e segura.”

Após as exposições técnicas, a audiência foi aberta à participação dos representantes do MCP e de agricultores e agricultoras de diversos municípios sergipanos, a exemplo de Lagarto, Poço Verde e Estância. O espaço permitiu que os trabalhadores e trabalhadoras do campo compartilhassem suas experiências, demandas e propostas, fortalecendo o diálogo direto com o poder público e reforçando a importância da escuta ativa na formulação de políticas voltadas à agricultura familiar e à agroecologia.

A audiência pública reforçou o compromisso da Alese, por meio de sua Comissão de Agricultura e Meio Ambiente, em atuar como um espaço de diálogo entre a sociedade civil, especialistas e o poder público, fomentando a construção de leis e políticas que preservem a riqueza natural e cultural do campo sergipano. As contribuições apresentadas durante a audiência servirão de base para a formulação de novas iniciativas legislativas voltadas ao fortalecimento da agroecologia, da agricultura familiar e da preservação das sementes crioulas em Sergipe.

Fonte, Ascom – Alese.

 

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