Por Eduardo Ribeiro

Está em curso uma evidente evolução do processo brasileiro no rumo da consagração da conciliação, da cooperação e da autocomposição como formas prioritárias de solução dos conflitos, num elogiável esforço de racionalização da distribuição de justiça, buscando imprimir eficácia, efetividade e rapidez ao processo, com o menor custo possível.

A tendencia finca amarras no âmbito cível e no penal. Este último, aliás, antes consagrado pela aversão ao acordo, sujeita-se agora ao abrandamento decorrente da introdução de medidas conciliatórias alternativas ao cumprimento da pena, sempre que o delito se comportar dentro do marco legal a isso suscetível.

Valiosos exemplos disso são a Lei 9.099/95, que normatiza os instrumentos de composição civil dos danos, a transação penal e a suspensão do processo; a Lei 12.850/2013, que institui a controvertida colaboração premiada e a Lei 12.846/2013, instituidora do acordo de leniência em tema de corrupção empresarial.

É notável esse avanço na direção das alternativas de autocomposição como meio barato e eficaz de reparação dos danos decorrentes de ilícitos penais e até de aplicação de sanções menores, com brevidade, evitando o demasiado alongamento do processo e todas as repercussões negativas disso decorrentes.

No âmbito das leis civis, abstraída a conciliação dos direitos privados não indisponíveis, presente desde sempre nos códigos e leis esparsas da espécie, ampliaram-se as possibilidades gerais, a partir do advento da Lei 9307/96, que institui a alternativa da arbitragem para solução de conflitos fora da esfera judicial.

Desde então, o crescente dessa evolução veio culminar na vigência do Código de Processo Civil de 2015, já apelidado de “código das partes”, em que a conciliação e a autocomposição, inclusive em relação a alguns direitos antes indisponíveis, avultam como marco dialético do próprio espírito daquela codificação.

Nasceram com o CPC/2015 algumas das mais profundas inovações processuais atuais, a exemplo do dever de colaboração recíproca entre partes e atores do processo e do chamado negócio jurídico processual atípico, pelo qual podem as partes, entre si, por vezes até sem a interferência do juiz da causa, estabelecer ritos e procedimentos com ampla liberdade, desde que não conflitem com normas de aplicação cogente.

Mas é na Lei 8492, de 02.06.1992, a conhecida Lei de Improbidade Administrativa (LIA, para os íntimos), que acaba de acontecer o mais histórico desses passos evolutivos, com a introdução, no seu artigo 17, de um novo parágrafo primeiro, que, em redação diametralmente oposta à do anterior parágrafo primeiro, consagra a possibilidade de celebração do chamado acordo de não persecução cível (ANPC).

 

Por ele, o Ministério Público e o réu (ou acusado, se ação não estiver ajuizada) antes ou no curso da ação, podem transacionar e conciliar no sentido de evitar ou abrandar a punição prevista naquela lei.

Inúmeros são os aspectos que tornam histórica essa alteração.

Vale relembrar que a LIA foi promulgada em meio ao processo de impeachment do Presidente Fernando Collor, num momento em que a população, pela primeira vez, se assombrava com a série de atos de corrupção diariamente divulgados pela imprensa, identificados no andamento da CPI que investigava o governo e que culminou com o afastamento, também de maneira inédita, em processo legítimo, de um Presidente da República.

Esse cenário foi determinante para que aquela lei fosse editada sob forte influência da impressão geral de desmandos então reinante, de modo que se produziu um diploma legal de natureza civil, adornado por um procedimento de jurisdição civil, mas contendo um sistema sancionatório considerado mais severo do que o próprio Código Penal.

Em consequência, boa parte dos juízes incorporou a reserva mental de culpa dos réus, aplicando sanções por vezes verdadeiramente kafkianas, como é o caso, por exemplo, do gestor público que, ao assumir, teve que pagar contas atrasadas de energia e água deixadas pela gestão anterior e, porque pagou os juros e as multas incidentes, foi condenado à pena de inelegibilidade!

Em resumo, a lei foi gestada com o claro objetivo de castigar. E tanto isso é fato que até hoje, quase 30 anos após sua edição, a doutrina ainda discute se a sua real natureza é cível ou penal. Nela são vagos e abertos os conceitos de improbidade, dando margem à subjetividade dos julgadores, inclusive em relação à adequada aplicação do conjunto de sanções previstas.

Também por isso é que o originário parágrafo primeiro do artigo 17 ditava expressamente: “é vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput”. Esse mesmo parágrafo, agora com a redação da Lei 13.964/2019, a chamada lei anticrime, promoveu um giro completo em sentido oposto, para pontuar: “as ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.”

Na próxima semana detalharemos essa inovação.

 

 

Eduardo Ribeiro * Advogado, sócio do EDUARDO RIBEIRO ADVOCACIA e da ADVOGAR Oficina de Advocacia.

 

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