Quando o despreparo e a arrogância são maiores do que o conhecimento

 

Por Nubem Bomfim

 

Sergipe é conhecido por certas curiosidades e notabilizado por personagens de destaque no mundo jurídico, como Gumercindo Bessa, considerado o melhor aluno de Tobias Barreto na Faculdade de Ciências Jurídicas de Recife. No menor estado da federação tem um pequeno município na rota do sertão que batizou a cidade com o nome da padroeira do Brasil. Nossa Senhora Aparecida. No dia 12 de outubro é a consagração dos filhos de Aparecida.

No entanto, queria o destino e  Polícia Militar de Sergipe que a cidade de Nossa Senhora Aparecida ficasse famosa, no mundo inteiro, com um ato inusitado, ineficaz e improdutivo de um oficial da corporação. O capitão Vagno Passos apreendeu um cavalo e em seguida o trancou numa cela da delegacia, porque o animal deu um coice e amassou um veículo que estava estacionamento no trajeto de uma cavalgada.

A notícia circulou o mundo, bombou nas redes sociais e virou motivo de chacota. Como um cavalo pode ser “preso”? perguntou um jurista ao colega. Como foi efetuada a prisão? indagou o jornalista ao delegado. E quem vai enquadrar o cavalo por crime de dano? O animal tem quantos anos? quis saber uma estudante de direito. “Ele será assistido ou representado por seu dono”?, questionou a acadêmica. Até o cavalo foi preso e Aécio não, brincou um internauta.

A cidade de Nossa Senhora Aparecida não gostou das manchetes publicadas nas redes sociais, nos portais de notícias e nos veículos de comunicação. Afinal, mais de 90 por cento da população em Aparecida é formada por católicos e a fama da santa estava sendo desbancada pela prisão de um animal. A notícia da prisão do equino passou a ranquear no Google Trends e a santa estava perdendo de disparada para o cavalo “Facero” em termos de audiência.

Entre a santa e o cavalo surge a Polícia Militar, através de uma nota pública e dá um coice ao chamar o animal de objeto. Em seguida, prossegue a nota, a Polícia Militar assume que pode apreender um bem alheio e só liberá-lo após o responsável pelo dano assumir que irá pagar uma indenização. Nesse momento, a PM está criando o Juizado Especial Animal (JEAN), uma nova modalidade de prestação do serviço jurisdicional voltada para a Fauna.

O jogo de palavras parece não ser o forte da Polícia Militar. Tentaram imputar o crime de dano causado por William Francisco dos Santos, pelo coice do seu animal dado no veículo de uma mulher. Esse crime previsto no art. 163 do Código Penal Brasileiro diz que o dano é quando alguém destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: No caso em análise, o carro não foi destruído, inutilizado ou deteriorado. O coice do cavalo amassou um pouco o capô do carro, gerando dano de ordem material. Nem a santa protege essa tese da PM.

Forçosamente teremos que deixar a esfera penal para adentrarmos no campo da responsabilidade civil. A dona do carro tem todo direito de ingressar com uma ação civil visando a reparação de dano material contra William Francisco. Não é caso de Polícia, não se resolve na delegacia e muito menos se apreende um animal e depois o mantém encarcerado na prisão, como tentativa de solucionar um problema jurídico pelo direito da força. A ONG Educação Animal registrou um boletim de ocorrência, denunciou o caso na ouvidoria da Polícia Militar e vai ingressar com uma ação judicial contra o policial.

O crime, na verdade, foi praticado pelo capitão Vagno Passos que manteve o animal preso, durante a noite toda, sem espaço para locomoção, sem poder se movimentar, sem água suficiente, sem comida e sem o carinho do dono. O crime de maus tratos é previsto no art. 32 da Lei 6.509, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

O que o policial militar fez neste episódio lamentável foi praticar o crime de exercício arbitrário das próprias razões. Fez justiça com as próprias mãos. Agiu como policial autoritário, apreendeu o cavalo e o trancou numa cela, além de decidir como se fosse um magistrado, sentenciando o dono do animal a aceitar a culpa e se obrigar ao pagamento de uma indenização.

O castigo ao animal não repara o dano material causado por ele, sob a responsabilidade do seu dono. O cavalo jamais deveria ficar trancafiado dentro de uma cela, como castigo e garantia ao pagamento da indenização. Imaginem vocês se todo dano causado obrigasse a polícia a agir assim. Apreender um bem e só libera-lo após o ressarcimento. É um tribunal de exceção, é a supressão do estado juiz e a contemplação do direito da força.

Os filhos de Aparecida estão tristes com uma série de memes publicados na internet, o que deprecia a autoestima do seu povo. A padroeira do Brasil não se sente orgulhosa com as notícias veiculadas sobre o caso inusitado e os milagres perderam a notoriedade diante da prisão do cavalo. Já o animal, a grande vítima desse episódio, está mancando e pode não se recuperar tão cedo. Quanto à Polícia Militar, a decisão administrativa de afastar o oficial Vagno Passos foi acertada, e muito bem recepcionada na Companhia de Cavalaria. O capitão terá que rezar bastante para a padroeira e pedir perdão aos pecados cometidos na terra da santa.

 

 

 

 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

  • Maternidade Nossa Senhora de Lourdes implanta farmácias satélites para otimizar fluxo de medicamentos

    A Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (MNSL), equipamento da Secretaria [...]

  • Terapia com cães leva acolhimento e descontração para pacientes do Hospital da Criança

    Há mais de três anos o Hospital da Criança (HC) [...]

  • Mercosul e União Europeia firmam acordo comercial negociado há 25 anos

    Os chefes de Estado do Mercosul e a representante da [...]

  • Transformação educacional: deputados concluem participação na 27ª Conferência Nacional da Unale

    No terceiro e último dia da 27ª Conferência da União Nacional [...]

  • Presidente da FNP, Edvaldo debate desafios da educação com prefeitos eleitos em Brasília

    Presidente da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP), o [...]