A música ronda minha vida, com ela comecei a sentir meus primeiros sentimentos, minhas primeiras imagens coloridas e principalmente a entender o movimento. Gostava de marcar o ritmo com os pés, palmas e o corpo respondia, a vontade de dançar se instalou em mim.

Quando criança adorava dançar forró, twist (uma dança inspirada em rockroll da década de 60) e os roquinhos da Jovem Guarda. Nos anos 70 dancei muito nas matinês das boates: Catavento da Associação Atlética de Sergipe, Saveiro no Iate Clube ao som das discotecas, Stayin’ Alive – Bee Gees, You”re The One That I Want – John Travolta e Olivia Newton John, I Will Survive – Gloria Gaynor, ou juntinho de rosto colado com os brasileiros, além de Morris Albert – Feelings, My Mistake, Michael Sullivan e She Made Me Cry – Pholhas. Tínhamos também as nossas bandas, Los Guaranis, Brasa 10, Unidos em Ritmo, The Tops, Os Comanches, Os Apaches, Os Nômades entre outras. Com a dançar ia percebendo as harmonias, ritmos e acordes. Além é claro do cheiro doce e sedutor das meninas da minha juventude.

Cecília Meireles disse e Fagner musicou: – “Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. – Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.” E nessa poesia da vida conheci muita gente de talento ímpar, não só na música, a área em que sempre atuei, e sim em diversas formas de arte e sempre fui um apaixonado por talentos.

A poesia está em tudo, mais uma arte se completa: tem poesia, música, teatro, estética e plasticidade. É a dança. Dança é a arte de movimentar expressivamente o corpo seguindo movimentos ritmados, em geral ao som de música.”  Seguindo esse conceito sempre gostei de observar a dança por causa da música.

Bob Marley disse um dia: – “Tu vais dançar com a música de Jah, nós vamos dançar com a música de Jah. Esquece as tuas inquietações e dança. Esquece tuas tristezas e dança. Esquece tuas doenças e dança. Esquece tuas fraquezas e dança”.

Alguém disse um dia: – “A dança é para todos, e não só para o indivíduo. É para todos e para tudo”, e assim já agradeço pela inspiração a Carolina Natureza e por suas experiências e vivências em dança.

Minha dedicação inicial na arte foi com a música e logo conheci a força da dança. Música e dança se complementam, é uma das formas mais antigas de demonstração criativa. Foi o que Lu Spinelli uma das pioneiras da dança em Sergipe me falou, quando me convidou para participar da equipe técnica do grupo Studium Danças nos anos 80, trabalhar na iluminação e sonoplastia dos espetáculos.

Regina Lúcia Spinelli chegou a Aracaju em 1971 e trouxe o talento e a arte da dança. Mulher bonita, talentosa, estudiosa e dedicada à frente do seu tempo, chamou muito a atenção de todos e logo se destacou como um dos maiores nomes da dança em Sergipe. Em 1972 no Festival de Arte de São Cristóvão, ela traz o americano Clayde Morgan, professor, pesquisador, dançarino e coreógrafo americano, um dos criadores do curso de dança da UFBA e diretor artístico e coreógrafo do Grupo de Dança Contemporânea da UFBA de 1971 a 1980.

Lú Spinelli revoluciona a dança em Sergipe, consegue o respeito nacional e foi a primeira a trabalhar a dança com os aspectos regionais sergipanos. Ela associou a sua dança às nossas raízes, sempre trabalhou espetáculos autorais com temas pertinentes à nossa cultura como o espetáculo antológico “Feira dus Aracajus”.  Criou o Festival de Dança Moderna, Contemporânea e Afro anuais que se tornaram a marca do Studium Danças e referência para todas as escolas de dança do estado.

Em nossas conversas – que eram muitas- , pois me tornei além de fã , amigo dela, eu sentia o quanto era musical, o ritmo, a melodia faziam-na viajar e montar seus movimentos, suas coreografias. Assim ela confiava em mim na hora de escolher repertórios para os espetáculos e nas montagens finais de cada trilha executada. A batida certa, o silêncio e a pausa necessária. Ela sempre dizia: sinta, ouça a dança e completava… “a dança é a arte de movimentar, ela é completa”. Tem a música, o teatro, a pintura, a escultura e a poesia. Isso me fascinava. Além do trabalho e capacidade da Lú, eu me apaixonei pelo seu talento criativo que se renovava a cada ano. Assim, comecei a prestar mais atenção na dança de Sergipe e conheci vários nomes importantes e que são referências na nossa dança.

Maria Auxiliadora Teixeira de Aguiar Machado, (Dorinha Teixeira), a primeira professora da dança acadêmica em Sergipe cria “Escola Sergipana de Balé” na década de 60, com inúmeros espetáculos montados. Só conheci a Dorinha pessoalmente em 1991 quando ele remonta com suas filhas a destacada Academia Sergipana de Balé.

Com o trabalho dessas duas mulheres, Dorinha Teixeira e Lú Spineli, o cenário da dança se modifica em Sergipe e assim várias outras escolas, bailarinas e bailarinos começam a despontar: Maria Luiza Prado, que abriu a Academia Compasso, Moema Maynard e sua irmã Iracema Maynard ministravam aulas de balé clássico e aulas de jazz.  Gladston Santos, Hamilton Marques, Reginaldo Daniel (Conga), Senzala, Cleanis Silva, Francisco Santana (Chiquinho), Marcos Braz (Erê), Elza Batalha abre a Academia Passo a Passo, Célia Duarte abre o Ballet Célia Duarte, Francisco Santana Espaço Contempodança, Iradilson Bispo, Sidney Azevedo entre outros.

Gostava muito da Lú. Ela era estudiosa, talentosa e sabia o que queria com a dança e com sua arte, isso me fascinava. Abriu muitas portas e janelas para a dança, para bailarinas e bailarinos. Tive o privilégio de passar ótimos momentos na sua companhia e claro me acostumei mal, pois o sarrafo subiu, comecei a enxergar a dança por seus olhos.

Em 2003, estava eu a frente da direção do Teatro Tobias Barreto e a minha secretaria disse: – Neu, tem uma menina te procurando! Pedi para ela entrar. A menina entrou disse que vinha em nome do Nery, cantor, compositor e meu amigo, ver a possibilidade de liberar um dia de pauta do teatro para o espetáculo da sua escola Portal Hanna Belly.

Sinceramente, como estava muito ocupado não prestei muita atenção na menina, mais pedi para secretária que fizesse o possível para ajudá-la, e assim foi feito, ela conseguiu uma data para o seu espetáculo no mês de dezembro de 2003.

Em dezembro, mês tumultuado no teatro com espetáculos todos os dias, um técnico do teatro entrou na minha sala e disse:- Tem um grupo de dança ensaiando e montando cenário e a professora solicitou sua presença, se possível. Disse que iria sim, resolvi alguns problemas e subi ao palco, imaginando qual grupo seria.

A música que estava tocando era uma canção cigana linda e vi uma Deusa dançando, nem percebi que era a menina que tinha ido à minha sala, ela estava diferente, parecia mais alta, mais mulher, compenetrada e comprometida com aquele fazer que era a própria cigana.  Fiquei ali extasiado e paralisado pela energia que a moça jogava na cara de todos.

Acabou a música e eu querendo saber o nome dela e alguém me disse: – Cecília, aí descobri o porquê da minha empolgação, a musicalidade estar presente até no som do seu nome, Cecília lembrar um suspiro, além de a Santa Cecília ser a padroeira dos músicos. Ela apareceu de repente na minha frente, era aquela menina que tinha ido a minha sala, fiquei espantado e curioso, cadê aquela mulher que estava dançando no palco, ela rindo veio me agradecer pela pauta e esperava que fosse assistir ao espetáculo à noite.

Claro que fui para reencontrar aquela cigana, lá estava ela no palco, ela dançava em coreografias em grupo e solos no espetáculo “Portal do Oriente”, talento nato, performance de tirar o fôlego com giros que pareciam que não iam acabar mais. No final do espetáculo fui aos camarins e parabenizei a moça, a todos que participaram do espetáculo e disse que poderia contar comigo sempre, pois tinha me apaixonado mais uma vez pelo talento exuberante daquela menina.

Em 2004, Cecilia monta ‘Caravanas do Oriente’ e foi me procurar no meu estúdio, o Capitania do Som, para conversar sobre o espetáculo, queria saber se a proposta estava de pé. Falei que sim, pois não tinha esquecido da experiência vivida. O Espetáculo era uma viagem, onde a dança oriental realizou entre a Índia e a Espanha, levando a todos a dança Indiana, do ventre, Cigana e Flamenca. Ela se mostrava muito segura do que estava falando, se via que ela tinha estudado muito. Identifiquei, de imediato, as mesmas qualidades artísticas de Lú Spinelli e cheguei a comentar com a própria Lú.

O Espetáculo ainda teria a participação de quatro amigos tocando ao vivo, Nery, Alvino Argolo, Valdo França e Ton Toy, música e dança com grande envolvimento, tudo que eu gostava. Ela me convidou para ajudá-la na direção e produção. Fui descobrindo a bailarina, coreógrafa, professora e tinha certeza de um futuro brilhante para essa menina que a dança transformava em mulher, a Cigana Hanna Belly.

No ano seguinte Cecília me mostra o roteiro de um espetáculo maravilhoso autobiográfico Cartas Marcadas do Tarô, o sonho da bailarina oriental Hanna Belly. O Espetáculo tinha de tudo, dança do ventre, dança cigana, dança flamenca, dança tribal, dança yoga e zumba, além do mistério das cartas do tarô, a Dama de Copas, o passado; A Papisa, o presente; A Estrela, o futuro.

Fiquei encantado mais uma vez e lembrei do poeta maior quando em seu poema “A dança e a alma” ele escreveu: A dança? Não é movimento, súbito gesto musical, é concentração, num momento, da humana graça natural. Propus um espetáculo autoral e épico, com músicas compostas para cada coreografia gravadas em estúdio, com efeitos, magia, humanidade e espiritualidade. Passei noites pensando e viajando nas cartas do Tarô, Cecilia além da bailarina, coreógrafa, empreendedora, mestra em dança pela UFBA, com um sentido rítmico e musical afiado tem a espiritualidade ao seu lado, isso me deixava muito tenso para criar momentos dentro do espetáculo.

Sabia que ela tinha uma mentora espiritual e quis conversar com ela, Dona Cleonice senhora simpática com uma grande luz de bondade e humildade, contei a ela os meus plano para o espetáculo, mas fiquei receoso, pois estava propondo muitas mudanças e momentos até certo ponto arriscados, ela me olhou com muito carinho e disse, – você tem a permissão dos nossos ancestrais pois suas intenções são de amor.

Com esse referendo não tive dúvida, conversava muito com o amigo Nery, musico, compositor, espiritualista e sogro de Cecilia, pai do Matheus e que há conhecia muito bem, e assim ia pensando e projetando o espetáculo. “Cartas do Tarô” foi tomando forma, a cabeça dela faiscava ideias geniais, que se complementavam as minhas, o investimento foi grande, o trabalho árduo, envolvemos todos, alunos, professores, familiares, artistas, técnicos e o resultado não poderia ser melhor.

Estávamos prontos para começar o espetáculo e alguém disse: – Cecilia está muito nervosa lá no balanço! Corri para o palco, onde ela estava sendo preparada para subir em um balanço que seria içado a 6 metros de altura e ficaria lá no tempo de duas coreografias, e na terceira coreografia ela descia se balançando até o meio do palco, com muita luz e fumaça, era a cigana Hanna Belly em seu sonho magico.

Me aproximei dela, e de olhos fechados fazia uma prece, perguntei – Tudo bem Cecilia, ela abriu os olhos e não vi mais a menina Cecilia, vi a Cigana, e ela responde: – Hanna Belly está pronta!

Acho que o sentido de sua arte começa a ser descoberto com esse espetáculo que dá todas as suas respostas. E, no dia 18 de Dezembro de 2005, estreia no Teatro Tobias Barreto ‘Cartas Marcadas do Tarô’ com músicas de Nery, Neu Fontes, Rubens Lisboa e com participações valiosas de Alvino Argolo, Joésia Ramos, Maria Rosa, Nalini, Augusto Barreto, Denys Leão, com sucesso retumbante.

‘Cartas Marcada do Tarô’ marcou a todos que participaram, a mim a certeza que podemos realizar ótimos trabalhos e que devo confiar sempre em meus sentimentos. Além de redescobrir o sentido de tudo que representa o talento, o conhecimento, a força e a determinação de uma artista preparada para sua arte, sou um apaixonado por tudo isso. Para Cecília, a certeza que ela pode sempre mais, o caminho estava traçando na caravana da sua vida a arte, o amor, o suor e a dedicação com conhecimento e formação.

São 19 anos de uma vida dedicada a arte da dança, são 19 espetáculos anuais:  2003 – Portal para o Oriente; 2004 – Caravanas do Oriente; 2005 – Carta Marcada do Tarô; 2006 – Luas e Luas; 2007 – Circo do Oriente; 2008 – Mosaico; 2009 – Ciga-nos; 2010 – Granada; 2011 – Orientalismo; 2013 – Dezenhando Sonhos; 2013 – A Um Passo do Desejo; 2015 – A Era de Ouro da Dança no Cinema; 2016 – 25: A Rua dos Árabes; 2017 – Silhouette; 2018 – Carta Marcada do Tarô; 2019 – Egito Imortal; 2020 – Coração Cigano; 2021 – Constelações. Cecilia se transformou numa referência da dança em Sergipe, recebe prêmios e homenagens como a medalhe de Mérito Cultural Tobias Barreto, foi do Conselho Estadual de Cultura de Sergipe representando a dança, e hoje é uma grande produtor e agente cultura do nosso estado.

Cecilia Cavalcante, mulher linda com o olhar sedutor e que transpira mistério, desvendar seus segredos, seria como contar as estrelas do céu. Ela ainda leva vantagem para nós seres humanos. Tem talento, trabalho, determinação, luz e paixão, além da cigana Hanna Belly sempre ao seu lado dançando uma linda canção.

 

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