Se as instituições não agirem agora, dentro de pouco tempo Sergipe chegará ao estágio de degradação fiscal em que se encontra o Rio de Janeiro, por exemplo
Um problema que aflige a população sergipana, pelos menos a parte preocupada com os destinos do Estado, é o sucateamento do seu combalido Instituto de Previdência.
Depois de inúmeras manobras inconstitucionais, perpetradas ao longo de vários gestores, o ex-governador Jackson Barreto inovou em aleivosias, detonando os recursos previdenciários existentes – que eram destinados, unicamente, para honrar as futuras aposentadorias dos servidores. Jackson conseguiu aprovação da Assembleia para torrar as reservas, alegando que precisava pagar folhas dos servidores.
Contou, portanto, com a benevolência do legislativo, sempre disposto a colaborar com as investidas do executivo, que mantém maioria na Casa, cujos deputados não demonstram preocupação com os destinos daqueles que os elegeram seus representantes.
Para embasamento desta reportagem-denúncia, o CINFORM expõe, com base em pesquisa realizada e ouvidas fontes diversas, mais uma decisão mal pensada da Assembleia Legislativa, que acaba de dizer amém a mais uma arremetida contra os recursos recebíveis do tesouro, desta feita por iniciativa do governador Belivaldo Chagas, que demonstra ter aprendido na escola do velho Jackson, e que compromete ainda mais o futuro do Estado.
VERDADEIRAS CAUSAS DA CRISE
O site da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe noticiou que “os deputados estaduais participaram, até o início da tarde desta quinta-feira, 3, de sessão extraordinária, ocasião em que aprovaram projeto de lei que garante a possibilidade de antecipação de royalties ao Estado para pagamento de salários de aposentados e pensionistas. Com isso, o governo poderá antecipar até R$ 400 milhões da receita prevista, mas o governador Belivaldo Chagas já adiantou que pretende utilizar “apenas” cerca de R$ 250 milhões, conforme consta no site.
A receita com royalties, contudo, é incerta, pois depende da extração de petróleo nos poços da Petrobras, que geram os esperados repasses, e o Estado não deveria depender desses recursos para pagar aposentadorias, pois, embora possibilitem uma solução momentânea de caixa, paliativos dessa natureza não enfrentam as causas desse grave problema, ao contrário, impõem ao cidadão sergipano ter que suportar os efeitos de sucessivos erros e ofensas ao Texto Constitucional sobre a ocupação de cargos públicos. Esses recursos que estão sendo destinados para custear gastos com inativos poderiam ser investidos em educação, moradia, saúde, segurança pública.
O povo sergipano precisa conhecer as verdadeiras causas do agravamento da crise previdenciária, que vão desde as transformações inconstitucionais de cargos públicos, passando pela condenável redistribuição de cargos, ofendendo não apenas o dever de realização de concurso público, indo até às famigeradas incorporações de cargos em comissão.
O que as instituições efetivamente têm feito? Esperarão que Sergipe chegue ao estágio que chegou o Estado do Rio de Janeiro, que começou antecipando receitas de royalties (veja), e, hoje, atrasa salários, aposentadorias e praticamente não possui margem para investimentos públicos?
O MAU EXEMPLO QUE VEM DO ALTO
Existindo, constitucional e institucionalmente para fiscalizar as contas e os procedimentos administrativos dos entes públicos do Estado e dos municípios, o Tribunal de Contas deixou de cumprir seu papel de zelar pelo cumprimento das leis ao ombrear com as irregularidades praticadas pelo executivo.
Recentemente, a Febrafite – Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais foi admitida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5128 (Peça eletrônica n. 52 – veja o site), que tramita no Supremo Tribunal Federal. Essa ação foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República para combater a transformação de cargos públicos operada pelo artigo 3º da Lei Complementar sergipana n. 232/2013. Para o Procurador da Geral da República, à época, Rodrigo Janot, e para a Advocacia Geral da União, a Lei sergipana transformou, sem concurso público, o cargo de Técnico de Controle Externo, originariamente denominado de assistente de controle externo, cargo de nível médio, em cargo de Analista de Controle Externo I, cargo que pelo novo texto da Lei exige aprovação prévia em concurso público de nível superior como requisito mínimo de investidura, transformação que coloca em risco direitos subjetivos dos agentes públicos que prestam contas ao Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.
Para a Febrafite, admitida na ADI 5128, o “indiscutível acréscimo de vencimentos operado pela LC 232/2013, agrava, consequentemente, a crise previdenciária vivenciada pelo Estado de Sergipe, contribuindo, por via reflexa, com o lesivo desequilíbrio das contas públicas”.
A Federação Nacional dos Fiscais de Tributos afirma que “não se pode desconsiderar o elevado potencial de efeito multiplicador dos dispositivos impugnados para toda Administração Pública estadual, quiçá para municipal, o que pode criar um ambiente de pressões para equiparações remuneratórias futuras, com impactos de ordem orçamentária, fiscal e previdenciária incompatíveis com a realidade fiscal do País e, por certo, do Estado de Sergipe. Isso, certamente, produzirá efeito nos Municípios sergipanos, comprometendo a condução da política fiscal e a melhoria das condições socioeconômicas”.
A entidade conclui que “A permanecerem essas práticas de gestão pública que marcaram o período pré-democrático, será em vão todo esforço para equilibrar o resultado do regime próprio de previdência, que, nas duas últimas décadas, restringiram-se aos servidores públicos civis dos Estados, que já amargaram três Reformas da Previdência”.
Diante disso, será que o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe irá enviar projeto de lei para revogar essa Lei flagrantemente inconstitucional?
AGREDINDO A CONSTITUIÇÃO
Além da transgressão ao regramento do concurso público específico, a Lei que alterou a estrutura de cargos no TCE/SE promoveu acréscimo de vencimentos e vinculação remuneratória em flagrante ofensa ao artigo 37, inciso XIII da CF, contribuindo para o agravamento da crise previdenciária e desequilíbrio das contas públicas sergipanas, na contramão do dever constitucional do Tribunal de Contas de combater ocupações indevidas de cargos públicos e prezar pela legitimidade das despesas públicas, inclusive os gastos com pessoal, que representam algo em torno da metade da receita corrente líquida do Estado.
Diga-se de passagem, também é o Tribunal de Contas o órgão responsável por monitorar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O povo sergipano precisa saber que, ao realizar um concurso público, são feitos estudos e projeções para que o Estado possa vir a assumir aquelas despesas obrigatórias de caráter continuado. Não é o que ocorre nas transformações de cargos públicos, quando o equilíbrio fiscal das contas sequer é ponderado.
Somente o concurso público específico habilita o agente público para o exercício de atribuições exclusivas do Estado. Se as empresas privadas têm o direito de somente serem autuadas por Auditores Fiscais de Tributos, cuja competência legal advém do ingresso por meio do concurso público específico, por qual motivo um Tribunal de Contas estaria imune de observar o mesmo na sua jurisdição?
AÇÃO FISCALIZADORA DA PGR E DO MPE/SE
A combativa atuação da Procuradoria Geral da República revela o compromisso com a efetividade da Constituição cidadã. O povo sergipano acredita na atuação vigilante do Ministério Público do Estado de Sergipe, a quem a Constituição Federal conferiu a imprescindível missão de defesa do patrimônio público, buscando a responsabilização pessoal daqueles que, por manifesta negligência ou por consciência e vontade, causem dano ao erário sergipano.
Não existe ação ou omissão sem reação. A desídia para com a coisa pública gera consequências e a conta terá que ser paga. A sociedade sergipana merece pagar essa conta? Se continuar assim, quanto tempo mais para que Sergipe chegue ao desastroso estágio a que chegou o Rio de Janeiro?
OUVINDO O TCE
A redação do CINFORM solicitou informações do TCE acerca das denúncias relacionadas, uma vez que o Tribunal teria, ainda que involuntariamente, contribuído para o agravamento da crise previdenciária quando transformou os cargos, fato que, indiscutivelmente, onerou os cofres do tesouro com reflexos danosos sobre o passivo da previdência do Estado. Abaixo, íntegra da resposta recebida da Assessoria de Comunicação do TCE, que apenas confirma o teor da reportagem.
“Sobre o tema, o TCE/SE informa que, através da Lei Complementar n° 232/2013, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo Governador do Estado, houve alteração na nomenclatura dos cargos de “Técnico de Controle Externo” para “Analista de Controle Externo I”, com afinidade de atribuições, ausência de acréscimo de vencimento e permanência de exigência de concurso público.
Destaca que a matéria está sob análise do Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5128, proposta pelo Procurador-Geral da República, ainda pendente de julgamento, figurando a Corte de Contas como amicus curiae para apresentar argumentos e informações no intuito de auxiliar a deliberação do STF”.
Nota da redação: amicus curiae, termo de origem latina que significa “amigo da corte”. Juridicamente, entidade ou órgão, com profundo interesse em uma questão jurídica, na qual se envolve como um terceiro.