Frequentam restaurantes caríssimos, viajam para os mais variados destinos do Brasil, andam em carros luxuosos, têm um arsenal de assessores, gastam combustível à vontade, gastam, gastam, gastam; o povo paga, paga, paga…
Eles comem em restaurantes caríssimos, viajam para os mais variados destinos do Brasil, andam em carros luxuosos tipo classe A, tem à disposição um arsenal de assessores jurídicos e de comunicação, gastam combustível sem verificar a quilometragem ou o preço da gasolina, adquirem equipamentos tecnológicos de ponta, fazem parte do high society ostentação. Está-se falando de jogadores ou artistas globais? Não. Eles fazem parte do grupo dos deputados sergipanos. Detalhe: toda essa gastança é com o seu dinheiro.
O abrir da caixa-preta da Alese (Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe) é uma ação árdua e extensa. Há capítulos e capítulos do desperdiço do erário nessa Casa, que, constituída para servir ao contribuinte, muitas das vezes parece legislar tão somente em causa própria. Houve até criação e recriação de lei para justificar o injustificável – os gastos excessivos. Quer começar a entender parte dessa história? Observe com atenção os números abaixo:
Capitão Samuel, R$ 270 mil; Jeferson Andrade, R$ 268 mil; Luciano Pimentel, R$ 216 mil; Luíz Mitidieri, R$ 233 mil; Robson Viana, R$ 184 mil; Paulinho das Varzinhas, R$ 225 mil; Venâncio Fonseca, R$ 272 mil; Zezinho Guimarães, R$ 164 mil; Sílvio Santos, R$ 227 mil; Adelson Filho, R$ 175 mil; Ana Lúcia, R$ 247 mil; Augusto Bezerra, R$ 275 mil; Francisco Gualberto, R$ 172 mil; Garibalde, R$ 243 mil; Georgeo Passos, R$ 249 mil; Gilmar Carvalho, R$ 157 mil; Goretti Reis, R$ 246 mil; Gustinho Ribeiro, R$ 272 mil; Luciano Bispo, R$ 273 mil; Maria Mendonça, R$ 223 mil.
O leitor pode estar agora – nesse exato momento – se perguntando: afinal, o que significam estes valores e qual é a correlação dos montantes com alguns desses nomes, tão conhecidos. Pois bem, os números acima, com os respectivos nomes de alguns dos 24 parlamentares que compõem hoje a Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese), são apenas alguns dos valores aproximados de ressarcimento, a estes parlamentares citados, referente ao ano de 2018.
EM CAUSA PRÓPRIA
Mas essas cifras também fazem parte de um amplo dossiê, previamente montado e entregue com exclusividade ao jornal Cinform, na semana passada, que detalha ¬ com minúcias ¬ as despesas dos deputados com diárias em hotéis luxuosos, aluguéis de carros classe A, pagamento de refeições em restaurantes caros, passagens de avião para os mais variados destinos do país.
Isso porque, para que os parlamentares dispusessem de quantias exorbitantes para gastar sem serem “incomodados”, aprovou-se uma lei, de nº 8.060, de 12 de novembro de 2015, publicada no Diário Oficial de nº 27.337, em 16 de novembro do mesmo ano, sancionada pelo governador, em que ficou instituída, para a Alese, a Verba para o Exercício da Atividade Parlamentar – VEAP.
EX-DEPUTADO FABRICA DOSSIÊ
O responsável pela confecção desse dossiê é o micro-empresário e bacharel em Direito, o ex-deputado estadual, Nelson Araújo. Segundo Araújo, o objetivo desse trabalho foi o de “mostrar que a Alese gasta excessivamente, desperdiça o dinheiro público, não dá satisfação à sociedade sergipana; e, por outro lado, órgãos que deveriam fiscalizar as finanças públicas, como o Tribunal de Contas do Estado (TCE-SE), é, na verdade, um Tribunal de Faz de Contas”.
E continua: “Fiquei meses somando valores, comparando gráficos. Enviei ofícios à Alese, e não obtive resposta alguma. Não existe transparência no Estado, não existe fiscalização, tampouco existem leis que protejam a sociedade sergipana desse tipo de absurdo”.
E enquanto o eleitor está em casa, crente que o representante em quem votou vai para o legislativo fazer valer a vontade popular, muitas das vezes, o parlamentar está lá, naquela Casa, legislando em causa própria. É o que se pode suspeitar, por exemplo, no que tange à Alese em relação aos gastos citados.
DITO PELO NÃO DITO
No texto que compõe a tal lei, a descrição de como a verba será utilizada e de como a transparência à sociedade será realizada é de uma explicitação acachapante. Quem lê os artigos e parágrafos da lei nº 8.060 acredita cegamente que os parlamentares que se utilizarem da VEAP irão detalhar, item a item, valor a valor, de como gastaram os gordos cifrões do Estado. Bastou, porém, a coisa começar a complicar na hora de explicar ao povo como se estava gastando o suado dinheiro do sergipano, para o texto virar verborragia, e surgir uma emenda que deixa o dito pelo não dito.
Nasce então a Lei nº 8.218, publicada no Diário Oficial de nº 27.687, em 28 de abril de 2017, que em seu primeiro artigo corrige o artigo 3º da lei anterior, justamente aquele que descrevia como os deputados deveriam prestar contas do dinheiro gasto, e a nova lei limita essa prestação de contas a termos muito gerais, sem nenhuma especificação.
Na prática, isso dá ao parlamentar o poder de gastar sem precisar especificar com quê, ou mesmo se gastou. Enquanto a primeira lei previa que a “locação de veículos automotores, cujo preço para locação deve ser compatível com o preço médio de mercado para o tipo/marca/modelo/ano do veículo contratado, o que deve ser apurado em pesquisa realizada com, no mínimo, três locadoras de veículos conceituadas e que atuem no Estado de Sergipe, limitando aos valores da tabela de preços aprovada pela Mesa Diretora da Assembleia Legislativa”, a nova lei nada diz.
Antes, ao menos havia uma teórica preocupação em se explicar. Dizia a lei antiga que “o veículo automotor locado deve pertencer à pessoa jurídica prestadora do serviço, fato que deve ser comprovado mediante apresentação de cópia do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV -, sem prejuízo da exigência de documentação complementar por parte do órgão técnico competente”. Já a segunda lei não faz menção a nada disso.
PODE CONTRATAR PARENTE
Essa segunda lei, de nº 8.218, simplesmente revoga todas as disposições contrárias à lei anterior. Todas. E as aberrações continuam. Tudo o que se referia à prestação de contas desses gastos da VEAP foi expressamente eliminado. Trechos como, por exemplo, os que dizem respeito à contratação dos serviços:
“As despesas com contratação de serviços de consultoria e assessoria de que trata o inciso I do “caput” deste artigo, ficam limitadas em até 70% do valor mensal da VEAP, e de cada uma das despesas dos demais incisos em até 30% da referida verba. Não é admitida a utilização da VEAP para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por pessoa física, empresa ou entidade da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação, seja o Deputado ou parente seu até o terceiro grau”.
QUEM SÃO OS CONTRATADOS?
Isso estava previsto em lei. Agora, diz-se apenas “contratação de serviços de consultoria e assessoria, em especial em marketing, para apoio ao Deputado, que se afigurem necessários à defesa e desempenho do exercício das atividades parlamentares”. E aí, a gastança virou bagunça em exagero.
Que tipo de assessoria é essa? Quem são essas pessoas contratadas? Parentes? Nepotismo cruzado? Cadê o detalhamento dos gastos, com os devidos nomes de quem presta qual serviço, com respectivos valores? Onde estão esses dados, afinal, para que a sociedade saiba como gastam os deputados que ela – sociedade – elegeu? Esses dados – detalhados – não existem. Aí, caro leitor, o brasileiro continua levando “na tonga da bironga do cabuletê”.
DIÁRIA DE MIL REAIS
Porque, só para ter noção de como não há transparência, no próprio Portal da Transparência, no item que se refere à Alese, quanto ao demonstrativo de diárias por unidade gestora, aparecem os nomes dos parlamentares, os destinos das viagens, a data de saída e a data de retorno, as quantidades de diárias por mês, o número do empenho (dinheiro), o valor da diária (tem parlamentar, como Jeferson Andrade, gastando diária de hotel no valor R$ 1.006 reais).
Mas no local que server para descrever o objetivo dessa tal viagem, a imensa maioria (90%), limitam-se a dizer: “a serviço desse poder”, como se não tivessem o menor respeito pelo contribuinte.
VIAGEM ATÉ PARA SÃO CRISTÓVÃO
Em fevereiro desse ano de 2018 foi gasto o montante de R$ 84.396.30 mil, valor total dessas diárias em hotéis luxuosos ou até ali em São Cristóvão mesmo, área metropolitana de Aracaju, que dá tranquilamente para ir e voltar no mesmo dia, sem precisar de diária alguma. Embutidos aí quem mais gastou foi o parlamentar Paulo Hagenbeck Filho, total de R$ 4.267,92, as quatro diárias de R$ 1.006,98 cada para Brasília/DF.
E os destinos de todos os parlamentares são muito variados: Arapiraca, Pernambuco, Maceió, Recife, São Paulo. Em março de 2018 foram gastos R$ 132.640.05 com diárias. Na descrição dos objetivos dessas despesas, a maior parte dos deputados colocou a mesma lenga-lenga de sempre: “a serviço desse poder”. E a gastança segue mês a mês. Em abril foram R$ 91.875.65. Em maio foram mais R$ 176.646.73 mil. No mês de junho, mais R$ 104.505.44 mil. Julho terminou e os parlamentares gastaram mais R$ 105 mil.
Nessa “brincadeira” das viagens, os deputados desperdiçaram cifras que, para qualquer simples pai de família e trabalhador sergipano, seriam polpudas. Somente a título de exemplificação, em fevereiro, os valores das diárias ficaram assim distribuídos: Augusto Bezerra, R$ 19,205.64; Garibalde, R$ 3.200.94; Goretti Reis, R$ 16.004.70; Georgeo Passos, R$ 9.602.82; Zezinho Guimarães, R$ 26.674.50; Jeferson Andrade, R$ 13.037.72; Luciano Bispo, R$ 16.004.70; Luciano Pimentel, R$ 22.406.58; Maria Mendonça, R$ 2.133.96; Mitidieri, R$ 9.602.82; Paulo Hagembeck, R$ 44.813.16; Venâncio Fonseca, R$ 13.870.74; Capitão Samuel, R$ 26.674.50.
Se os números das diárias assustam, o montante das passagens no ano de 2017 são ainda mais afrontosos. Estima-se que estejam em aproximadamente R$ 700 mil.
Autoridades, um novo Natal se aproxima. O centro da cidade vai ser iluminado e os shoppings centers já ornamentaram seus palcos de consumo. Os servidores públicos esperam que, como está sobrando dinheiro na Assembleia Legislativa, não falte para os seus salários de novembro e dezembro que devem ser pagos em dia, sem o vil parcelamento, nem para o décimo terceiro salário, que, nos últimos anos vem sendo miseravelmente financiado via Banco do Estado de Sergipe.
Enquanto isso, o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, órgão que deveria estar de olho nesse desperdício ilimitado, está por aí a distribuir notas altíssimas para a transparência do Estado. Até o fechamento dessa edição, a assessoria de comunicação da Alese não se pronunciou.