Duzentos anos depois da Inconfidência Mineira, a carga tributária brasileira ainda pesa no “lombo” dos brasileiros

Por Henrique Maynart

Rio de Janeiro, 21 de abril de 1792. Condenado, enforcado e degolado, a cabeça de Joaquin José da Silva Xavier rolou solitária pelas pedras do Brasil Colônia. Capturado em 1789, em meio ao bafo quente que a revolução francesa soprava ao cravar Liberdade, Igualdade e Fraternidade no cangote da Terra, Tiradentes é o único inconfidente condenado à morte entre poetas, proprietários de minas e comerciantes que conspiravam contra a Coroa.

O ciclo do ouro que garantiu a balança comercial portuguesa foi à Minas por um século e meio, mas Minas não havia mais, parafraseando Drummond. A Coroa decidiu pesar ainda mais a mão na tributação. Irritados com a cobrança do quinto- aquele dos infernos, 20% do ouro produzido – e da derrama, o embrião da burguesia mineira concentrada em Vila Rica tentou organizar a Inconfidência Mineira, movimento que libertaria o país do jugo da Coroa Portuguesa sob o lema Libertas Quae Sera Tamen: Liberdade Ainda Que Tardia, do latim morto ao português.

De formação dispersa, o grupo não tinha posição definida sobre o fim da escravidão, ainda em curso na colônia. Traídos, presos e deportados, os inconfidentes minguaram e a Coroa Portuguesa estava temporariamente livre de qualquer projeto de emancipação da colônia, mas ainda era necessário encontrar o bode expiatório pra servir de exemplo: sobrou pro Alferes Tiradentes, dos poucos membros da inconfidência desprovidos de origem abastada.

Luis Moura, diretor técnico do Dieese. “O Brasil é a BelIndia” (Vieira Neto)

AINDA QUE TARDIA

Em um salto de 229 anos no tempo, a questão da alta carga tributária ainda afeta a organização do Estado Brasileiro. O país deixa a condição de colônia portuguesa, mas a herança tributária permanece. De acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBTP), a arrecadação tributária do Estado Brasileiro supera o Produto Interno Bruto (PIB) de 130 países.

 

“O Estado tem o efeito Robin Hood às avessas: tira dos pobres para dar aos ricos”, destaca Luis Moura, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “O Brasil é conhecido como a “BelÍndia”: Nós temos a carga tributária da Bélgica e serviços públicos da Índia.”

INCONFIDENTES DO SÉCULO XXI

Aurélio Barreto defende privatizações e diminuição das despesas do Estado (Divulgação)

“Imposto já se explica no nome, é algo que é imposto à sociedade.” Tanto Aurélio Barreto, pré-candidato a deputado federal pelo partido Novo, quanto Milton Andrade, pré-candidato a governador de Sergipe pelo PMN e integrante do movimento Renova BR, reivindicam o conteúdo e a composição social da Inconfidência Mineira. “Somos uma parte da bandeira da Inconfidência, da herança pela luta contra os desmandos e excessos do Estado”, afirma Milton. “Os Tiradentes de hoje somos nós”, frisa Aurélio.

 

Abertamente liberais, defensores da diminuição sistemática do Estado sobre a economia, Milton e Aurélio denunciam o caráter “esquizofrênico” do sistema tributário brasileiro. “A burocracia equivale a 4,5% de nosso Produto Interno Bruto (PIB), 38% do PIB vem da cobrança de impostos. E você tem uma ausência de critérios sobre a aplicação de impostos, como o IPI, por exemplo: o IPI do perfume é de 42%, da deo-colônia é de 7% e da água de colônia é de 12%. Isso não faz sentido”, afirma Milton.

ESTADO MÍNIMO

Milton Andrade “A arrecadação tributária brasileira é maior que o PIB da Argentina” (Divulgação)

“Nós temos muitos impostos porque precisamos manter uma máquina gigante. Temos estatais gigantes e deficitárias. Precisamos reduzir a máquina. Temos hoje cerca de 150 estatais, pra quê? Temos uma estatal até para o Trem Bala, que o país sequer produz. Ou seja, para diminuir os impostos precisamos primeiro diminuir o tamanho do Estado Brasileiro”, afirmou Aurélio.

Milton Andrade critica o peso do Imposto de Circulação sobre Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o Estado em Sergipe. Atualmente há uma cobrança de 27% do ICMS cobrado sobre serviços de telecomunicações e energia, enquanto a alíquota cobrada sobre produtos não essenciais é muito mais baixa. Aurélio cita a quantidade de horas gastas para calcular os diferentes impostos em curso no país. “Um contador hoje gasta mais de duas mil horas ao ano para destrinchar as diferentes tributações das empresas no Brasil. É muita coisa” afirma Aurélio.

O pré-candidato do PMN afirma cita a diferenciação entre as diferentes tributações em âmbito federal dando como exemplo a Zona Franca de Manaus, em defesa do Imposto Único. “Hoje, um emprego na Zona Franca de Manaus custa em média 200 mil reais em cofres públicos, a gente aqui em Sergipe também paga este custo. A Lei Kandir estabelece que o governo cubra o ICMS de produtos exportados, como a produção de carne no Mato Grosso, tudo isso fruto de lobby no congresso com o setor. Precisamos de uma tributação unificada com um critério homogêneo”, afirma Milton.

IMPOSTO INDIRETO

Luís Moura replica a afirmação de Milton Andrade acerca da carga tributária no país, sua percentagem e natureza. “Temos hoje uma faixa de 35% do PIB, só que parte desta tributação volta para a população, como o FGTS e o INSS. Então, este valor fica na faixa de 25%. ” Ele ressalta o peso dos juros da dívida pública na fonte de despesa da União. “A arrecadação não cobre os gastos de fato, porque não cobre o pagamento de juros da dívida pública. Então tem que reduzir bastante os juros ou os encargos sobre os juros para a diminuição desta despesa. ”

Diametralmente oposta à tese da diminuição do Estado na economia, o diretor técnico do Dieese defende uma revisão da carga tributária do país sobre impostos indiretos, como a tributação aplicada nos gêneros alimentícios. “Quem de fato paga mais imposto é quem ganha menos. Então o trabalhador de salário mínimo que consome um quilo de feijão, ou quilo de arroz, ele paga a mesma carga tributária que uma pessoa que ganha 30 a 40 salários mínimos, percentualmente ele paga uma carga bem maior que aquele que ganha mais do que ele. O imposto no Brasil é regressivo: paga mais quem ganha menos, paga menos quem ganha mais, quando deveria ser contributivo.”

QUEM GANHA MAIS DEVE MAIS PAGAR MAIS

Para reverter o quadro regressivo, Luis propõe a criação de impostos progressivos sobre renda e propriedade. “O Dieese concorda de que você deveria ter uma diminuição da carga tributária, no sentido de responsabilizar quem ganha mais em detrimento de quem ganha menos. Porque aí você teria um efeito de distribuição de renda. Ou seja, a partir do tributo quem ganha mais é quem tem a maior capacidade de pagamento, eu ofereço serviços públicos de qualidade para todo mundo, como educação, saúde e segurança.”

A forca de Tiradentes não apertou as gargantas brasileiras da mesma forma, alguns são sufocados com mais intensidade que outros. Parte considerável dos inconfidentes teve a cabeça salva, e por que apenas o Alferes subiu o cadafalso em direção à morte? A forca precisa ser discutida e, eventualmente, abolida, mas as cabeças sustentadas por todos os pescoços e gargantas precisam participar do debate público sobre o orçamento do Estado Brasileiro, seus gastos e prioridades. Que o feriado de Tiradentes tenha servido de reflexão para que possamos discutir e desconstruir o que nos é imposto para garantir, de fato, quais são nossos tributos.

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