Em 2023, o Sistema Único de Saúde faz 35 anos de sua regulamentação oficial, com grandes avanços e ao mesmo tempo, enormes desafios para sua qualificação. Nesta entrevista teremos a oportunidade de conversar um pouco sobre esse tema com o cirurgião dentista, sanitarista e especialista na área de gestão em saúde, João Lima Júnior, que nos trará informações sobre o maior sistema público de saúdec do mundo e falará, também, sobre os três artigos publicados sobre o SUS, no Caderno Saúde do Cinform online e quais temas serão abordados nos próximos. Confira!
Cinform Saúde – O SUS completou 35 anos no último dia 05 de outubro, porém, recentemente, vimos comemorações de seus 33 anos nas redes sociais. Explique um pouco em qual real data devemos comemorar o surgimento do Sistema Único de Saúde no Brasil?
João Lima Júnior – Quando falamos em surgimento, lembramos de nascimento e sem dúvida alguma o SUS nasce em 05 de outubro de 1988, com o ato oficial da promulgação da Constituição Federativa do Brasil. Portanto, estamos comemorando no ano de 2023, 35 anos do Sistema Único de Saúde brasileiro, maior sistema público de saúde universal do mundo. As demais comemorações se devem às promulgações das duas leis orgânicas do SUS, que são a lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 e a lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990, ambas regulamentaram os capítulos da saúde, contidos na Constituição, operacionalizando o SUS e por esses motivos, acabam sendo lembradas como marcos históricos e, também, devem ser comoradas. Para facilitar, poderíamos comparar os atos legais do SUS aos nossos principais documentos oficiais, onde a Constituição Federal representaria a nossa certidão de nascimento, a lei 8.080 seria o nosso CPF e a lei 8.142 seria a nossa carteira de identidade. Todos os documentos são importantes, mas o que representa o nosso nascimento é a certidão, portanto, SUS 35 anos.
João Lima, cirurgião dentista e sanitarista
Cinform Saúde – Sabemos da importância do SUS para o brasileiro e o que representou para a população no período da pandemia. Quais os grandes pilares que sustentam a sua criação e que devem ser valorizados pela população?
João Lima Júnior – O princípio da universalidade, inserida na Constituição Federal, sem dúvida alguma representa o grande pilar de sustentação de proteção social, contido na formação da seguridade social do país, ou seja, todos os brasileiros têm direito, independentemente de sua condição financeira. O Brasil é o único país do mundo, com mais de 100 milhões de habitantes, que possui um sistema público de saúde universal, abandonando a lógica excludente do modelo anterior. Importante lembrarmos que o SUS nasce a partir de um movimento organizado da sociedade, conhecido como movimento sanitário, alicerçado na luta, na resistência e na indignação pela existência de um modelo de saúde pública excludente, que tínhamos até meados da década de 80, num cenário ainda conturbado de ditadura e transição democrática. Por tudo isso, um segundo grande pilar do SUS que eu elencaria como conquista e que deve ser valorizado pelo brasileiro, é a participação da população na formulação de políticas públicas de saúde, a partir de suas necessidades. Conquista essa registrada na Constituição e devidamente regulamentada no SUS com a instituição do controle social, representado pelos Conselhos de Saúde e pelas Conferências de Saúde. Um terceiro pilar é ter a integralidade da assistência como um dos princípios constitucionais do SUS. Este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação.
Cinform Saúde – Nesses 35 anos de criação do SUS, maior sistema público universal do mundo, quais avanços merecem destaque e que são motivos de comemoração pelo brasileiro?
João Lima Júnior – A partir da criação de um Sistema Único de Saúde, tendo como princípios a universalidade, a integralidade e a igualdade, tivemos políticas públicas desenvolvidas com um olhar mais coletivo, municipalista e tendo a Atenção Primária à Saúde valorizada, através da Estratégia de Saúde da família, que se bem resolutiva, pode atender até 85% da necessidade de sua população. O SUS para colocar em prática o princípio da integralidade, teve que se organizar na atenção especializada e numa lógica de trabalho em Rede de Atenção à Saúde, alcançando grandes resultados que precisam ser valorizados e amplamente divulgados com a população. Entre estes, cito: a) maior rede de banco de leite humano do mundo, b) maior número de transplantes de órgãos públicos do mundo, c) 90% do mercado de vacinas é movimentado pelo SUS, d) 50% do mercado de equipamentos hospitalares, e) mais de 90% das hemodiálises realizadas no Brasil são SUS, f) 170 milhões dependem exclusivamente do SUS, g) mais de 160 milhões cobertos pela Atenção Primária à Saúde, h) 3,2 bilhões de procedimentos ambulatoriais/ano, i) mais de 500 milhões de consultas médicas/ano e 11,3 milhões de internação/ano. Números expressivos e que merecem ampla comemoração, mas, ao mesmo tempo, a vigilância permanente da população para que possamos manter as conquistas e avançarmos nos próximos 35 anos com a sua consolidação.
Cinform Saúde – Você tem escrito uma série de artigos em comemoração aos 35 anos do SUS, em parceria com o Caderno Saúde do Cinform Online. O que o motivou a propor tal iniciativa?
João Lima Júnior – Em 2023 completo 21 anos que trabalho e milito no SUS, tempo esse dividido entre a experiência na assistência, como Cirurgião-Dentista e em especial, nos últimos anos, na área de gestão do SUS. Durante esse período tive a oportunidade de compreender que precisamos aprender a valorizar mais o SUS, enquanto maior política social desse país e uma grande conquista para toda a população, mesmo para aqueles que possuem planos de saúde privados, pois essa cobertura só se torna plena com as ações do SUS. Quando acionamos o SAMU 192 para alguma ocorrência ou resgate, quando vamos a uma Unidade Básica de Saúde vacinar nossos filhos, quando precisamos de um transplante, quando retiramos um medicamento de alto custo na farmácia especializada do SUS, quando temos todo um sistema de vigilância em saúde organizado para monitoramento e controle da qualidade dos alimentos, da água de consumo, da saúde do trabalhador e da prevenção de doenças, estamos usando o SUS e é importante reforçar, essas ações não fazem parte do rol de cobertura dos planos privados. Aproveito a oportunidade da pergunta para parabenizar e agradecer ao C Cinform Online, que através do Caderno Saúde, tem nos proporcionado esse espaço qualificado em abordar o tema SUS nos seus 35 anos de existência.
Cinform Saúde – Nos três primeiros artigos da série, temas como a história do SUS, controle social e planejamento foram trazidos para discussão e reflexão dos leitores. Descreva um pouco sobre a importância dos mesmos para o Sistema Único de Saúde.
João Lima Júnior –No primeiro artigo da série, fiz questão de resgatar um pouco a história do SUS, trazendo elementos e fatos que marcaram a saúde pública no Brasil, desde o seu descobrimento, em 1500, até a criação do SUS em 1988. Conhecer o passado, para entender o presente e saber como devemos construir o futuro do Sistema Único de Saúde do Brasil é algo fundamental e por esse motivo fiz questão de valorizar esse conteúdo no 1º. artigo. A Constituição Federal, como já citado, crava nas diretrizes do SUS que a participação popular contribui na formulação de suas políticas públicas, monitora e avalia. No SUS um dos principais instrumentos de participação popular é representado pelo controle social e seus dois principais componentes, conselhos de saúde e conferências de saúde. A legislação do SUS é cristalina e muito detalhada sobre esse tema, conforme discorremos no 2º. artigo da série, porém na minha opinião, expressa nas reflexões do artigo, precisamos trazer o debate do cumprimento das normas, da qualificação do controle social e o desaparelhamento de muitos conselhos de saúde, se realmente quisermos avançar com a qualificação do Sistema Único de Saúde. O tema planejamento é estratégico em qualquer área, seja pública, privada ou até mesmo na nossa rotina familiar. Planejar um sistema público de saúde universal, de gestão tripartite e com autonomia para cada ente, federal, estadual e municipal, é algo complexo, que precisa ser compreendido como um pilar fundamental para qualificação do SUS. No 3º. artigo abusei dos registros da pesquisa das normas legais que direcionam o tema planejamento no SUS, com o objetivo de chamar atenção para a necessidade de fortalecer a construção e qualificação dos seus instrumentos, Planos de Saúde, Programações Anuais de Saúde e Relatório Detalhado do Quadrimestre Anterior e integrá-los, efetivamente, aos planos plurianuais de governo, que regulamentam o orçamento de cada ente da federação. Ainda no artigo, chamamos a atenção para a importância da agenda de interoperabilidade plena dos dois sistemas oficiais do Ministério da Saúde, o DIGISUS, que serve de repositório oficial para os instrumentos de planejamento do SUS e o SIOPS, que armazena toda a base orçamentária do Sistema Único de Saúde. Se precisamos construir uma agenda de consolidação e qualificação do SUS para os próximos 35 anos, esse tema da efetiva comunicação dos dois sistemas citados, precisa estar na ordem do dia de prioridade tripartite, para que o seu financiamento atenda às necessidades programadas e aprovadas pelo controle social.
Cinform Saúde – Sem querer que entre nos detalhes, nos dê um spoiler sobre os próximos temas a serem abordados nessa série.
João Lima Júnior –Já construímos um debate, nos artigos anteriores, sobre dois pilares estratégicos do SUS, o controle social e o planejamento. Para os próximos dois artigos vamos trazer elementos sobre outros dois pilares do sistema, que são: financiamento e gestão do SUS. Temas fundamentais para o seu funcionamento efetivo, para atender os princípios e diretrizes aprovados pelos constituintes, após todo o movimento de luta da sociedade para inserir a saúde universal, entre um dos três eixos da seguridade social. Apesar de termos grandes motivos para comemorarmos os últimos 35 anos, precisamos, urgente, da construção de uma agenda institucional e qualificada de consolidação do SUS, de composição tripartite pela gestão e em articulação com o controle social, pensando nos seus próximos 35 anos. Concluo a entrevista com uma frase do professor Eugênio Vilaça, grande defensor do SUS, que diz: “O SUS não é um problema com soluções, mas uma Solução com problemas”. Que tenhamos a prática de desenvolver o sentimento de pertencimento do SUS na rotina de cada brasileiro (a), para defende-lo, sempre. Viva o SUS!