Por: Ednalva Freire Caetano

Sereníssimo Paulo:

Tenho dialogado com você sempre através das doze cartas que você escreveu às diversas comunidades cristãs, com as quais se preocupava profundamente, sobretudo quanto à manutenção dos princípios e valores cristãos tão necessários aos que professavam a nova fé. A sua insistência em relação a esses povos é a mesma que me levou a escrever as quatro cartas anteriores. Hoje, porém, eu quero conversar com você a respeito da única carta pessoal que você escreveu, ou seja, a carta a Filemon.

Enquanto as doze cartas às comunidades foram escritas, ao que tudo indica, em vários momentos e depois compiladas em documento único, a de Filemon parece ter sido escrita em um único pergaminho e de uma só vez. Escrever cartas no século primeiro da era cristã não era uma tarefa simples. E você estava preso em razão das suas pregações sobre um Deus que não era o deus de Roma, senhora do mundo. Por que essa insistência dos homens em fabricar senhores do mundo quando há espaço onde todos podem viver em harmonia, respeitando as individualidades? Tem que haver sempre um senhor do mundo? Do alto dos seus dois mil anos você bem que podia me dar uma resposta! Ou será que é uma questão de tempo de serviço já que existem aqueles que possuem mais de cinco mil anos?

Confesso também que comecei a pensar em tudo que está acontecendo com um olhar mais dirigido à cada pessoa do que às comunidades. E isso me inquieta mais ainda. Penso em Dariya, Lyuba, Yana, Ruslan, Yaroslav, Pavlo (seu homônimo) como você pensou em Filemon. Mas eu não posso escrever a cada um deles e acredito que se o fizesse eu não teria sobre eles o mesmo peso que você tinha sobre o seu irmão na fé. “…para te não dizer que ainda mesmo a ti próprio a mim te deves.” Eles não me devem nada e acredito também que não devem a ninguém o preço que pagam individualmente por uma vontade que não se dobra. Penso em Artyom Datsishin, bailarino principal da Ópera Nacional da Ucrânia, que se apresentou em todo o mundo ao longo de sua carreira, e que nunca mais encantará aos homens mostrando toda a beleza da sua dança. No libreto do momento, só os horrores da guerra prevalecem.

Mas voltemos à sua carta pessoal. Nela você insiste junto a Filemon cobrando dele a aplicação dos valores cristãos à realidade social, pedindo que ele perdoe e liberte um escravo. E me ocorre que você, responsável que se considerava pela doutrinação e manutenção das igrejas cristãs como um todo muito maior, parou para dirigir o seu olhar pessoal a um indivíduo.  Naquele momento você deve ter pensado que se não há individuo não há comunidade, ou povo, ou nação. As casas, os prédios e até os monumentos poderão ser reconstruídos os homens jamais. Não há reparos para os que forem mutilados. Os mortos serão definitivamente enterrados. Como pensam os que destroem os indivíduos em nome de uma causa? Que causa será essa? A causa dos-não-alguém? Será que os senhores do mundo almejam uma terra povoada de robôs já que o pensamento homogêneo não condiz com o desejo de liberdade intrínseca à natureza humana? Se até Deus concedeu ao homem o livre arbítrio quem são eles para cercear esse direito?

Aqui entre nós, em algum momento dessa turbulência você pensou em caminhar junto com esses peregrinos, obrigados a deixarem as suas casas e a sua pátria, como Jesus caminhou com os seus discípulos no caminho de Emaús?

É isso Paulo, sou só dúvidas e questionamentos. Com certeza não sou uma boa cristã embora tenha lido todas as suas cartas. Sei que você também está lendo as minhas e, já que você se encontra ao lado Dele, imagino que está preparando uma resposta. Só peço humildemente que não demore muito. O tempo está conspirando contra Dariya, Lyuba, Yana, Ruslan, Yaroslav, Pavlo e tantos outros.

Confusamente,

Nadezhda

P.S. Nadezhda significa Esperança em Ucraniano. Mas isso você sabe!

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