Consumidor tem pago até 35% a mais na tarifa
de energia e justiça tem exigido devolução

Além do valor de consumo, a fatura da conta de energia elétrica chega às residências e empresas consumidoras com vários encargos setoriais sob a forma de taxas que nem sempre o usuário do sistema entende do que se trata. Duas dessas cobranças, porém, têm levantado polêmicas e tornaram-se motivo de disputas judiciais entre consumidores e concessionárias de energia: a inclusão da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TSUD) na base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que incide sobre o total a fatura.

A Justiça considerou a tributação ilegal porque o ICMS deve incidir sobre a energia elétrica, que é a mercadoria, e não sobre as tarifas que dizem respeito a etapas anteriores ao fornecimento do produto.

Pela decisão da justiça, aqui em Sergipe o consumidor tem direito a reaver tudo o que pagou a Energisa em impostos indevidos nos últimos cinco anos e em dobro. Além disso, tem direito a exigir a exclusão dessas taxas da base de cálculo do imposto, o que pode significar uma economia de até 35% no valor da conta.

Mas, para ter seu direito garantido, o consumidor precisa recorrer à Justiça, porque a Energisa, embora tenha cobrado irregular e ilegalmente esse dinheiro da população, não está disposta a pagar espontaneamente.

A TSUD é cobrada nas contas de consumidores que adquirem a energia elétrica diretamente das empresas geradoras, mas usam a rede comum de distribuição. Já a TUST diz respeito ao transporte do produto no sistema energética.

ICMS não pode Incidir sobre taxas

 “O ICMS não pode incidir sobre essas tarifas, senão vai ser imposto sobre imposto. O ICMS tem que incidir pela mercadoria, que é a energia, apenas por isso, não pela tarifa. O consumidor tem direito não só que essa cobrança seja cessada, como reaver tudo o que ele pagou indevidamente de cinco anos para cá, que é quando prescreve o direito”, explica o advogado Omero Neto, especialista em Direito do Consumidor.

De acordo com o advogado Omero Neto, as ações na Justiça têm dupla finalidade: pedir uma liminar para que o imposto deixe de ser calculado com essas taxas embutidas e cobrar o valor indevido retroativamente pelos últimos cinco anos. “

Zoraide reclama do valor da conta

Segundo o advogado, “a Justiça do nosso estado é uma das mais céleres do país e a liminar é rápida. A sentença pode sair antes do prazo. E em até três meses já é possível ter o desconto na conta. Mas, como o Estado provavelmente vai recorrer, a sentença final pode demorar aproximadamente dois anos para ser proferida. Caso seja indeferida, o consumidor terá que reembolsar o Estado por todos os meses em que teve o desconto”, explica Neto.

“A gente pega a conta de energia e só olha o valor total. Não consegue entender o que são aquelas taxas cobradas. Percebo o aumento do valor da conta a cada mês. Peço que meus filhos e netos economizem a energia, porém a conta só aumenta”, observa a aposentada Zoraide Maria de Oliveira que mora em Itabaiana.

Lázaro Santos, que é proprietário de um salão de beleza localizado em Nossa Senhora do Socorro, disse que não observava o valor das contas de energia elétrica, inclusive da sua residência, até ser alertado sobre a suposta cobrança indevida das tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição. “Vou procurar um advogado para buscar meus direitos. Pago tantos impostos que nem percebo, mas a crise é uma realidade e enquanto os clientes se ausentam, as contas estão cada vez mais altas”, desabafa.

A assessoria de imprensa da Energisa se limitou a dizer que a companhia cumpre o seu papel de arrecadador, recolhendo e repassando.

Audiência extrajudicial no MPE

Ainda não existe nenhum procedimento judicializado no Ministério Público do Estado sobre o assunto, mas ocorreu um termo de audiência extrajudicial em julho deste ano e a Promotora de Justiça da Promotoria dos Direitos do Consumidor, em substituição, Joelma Soares Macêdo de Santana, recebeu o consumidor que se sentiu lesado com a cobrança do imposto, representante da Energisa e também da Secretaria da Fazenda (Sefaz).

A promotora informou que o representante da Energisa disse que existe decisão no STJ onde não tem legitimidade para figurar no polo passivo tendente a alterar a base de cálculo de tributos incidentes sobre a tarifa de energia elétrica, uma vez que o interesse no caso é dos entes públicos instituídos, por ser beneficiários da arrecadação e não a concessionária, por ser esse mero agente de arrecadação. Em outro processo, fora reconhecida a ausência de legitimidade passiva da Energisa, já que é a empresa quem está cobrando do consumidor o imposto indevido.

A Sefaz defendeu que toda a cobrança de ICMS é feita com base em resolução própria. que autorizaria a cobrança de TUSD e TUST para cálculo do imposto, não se propondo a qualquer acordo com o consumidor.

 Sem base legal

O juiz Daniel Eduardo Branco Carnacchioni, da 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, suspendeu liminarmente a cobrança do ICMS sobre tarifa de uso do sistema de transmissão e distribuição de energia elétrica que estava sendo cobrada da Associação dos Profissionais do Correios em Brasília. Com a decisão, a Companhia Energética de Brasília terá que suspender a cobrança.

Em São Paulo, os valores gastos com transmissão e distribuição de energia elétrica não entram na base de cálculo do Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). A decisão é da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ao rejeitar recurso da Fazenda paulista e manter a decisão de primeiro grau. O governo de São Paulo havia apontado ser legítima a inclusão da TUSD e da TUST na base de cálculo do ICMS.

 Informações do STF

O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de seu Plenário Virtual, entendeu, no dia 7 de agosto, que não há repercussão geral a respeito da inclusão, na base de cálculo do ICMS, das tarifas de uso dos sistemas de distribuição ou de transmissão de energia elétrica (TUSD/TUST). Com isso, caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a definição acerca do tema.

Se trata de uma das discussões que mais ensejaram ajuizamento de ações nos últimos tempos e, por meio delas, os contribuintes buscam a redução do valor de suas contas de energia elétrica, redução está decorrente da retirada das referidas tarifas da base de cálculo do ICMS.

As tarifas se destinam a pagar as concessionárias em razão do uso das suas linhas de distribuição e de transmissão de energia elétrica. Os estados defendem que o imposto deve incidir sobre tais pagamentos, não apenas sobre o montante pago pela energia propriamente dita.

O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo de forma favorável aos contribuintes, reconhecendo que as mencionadas tarifas não integram a base de cálculo do ICMS. Entretanto, em 21 de março, a 1ª Turma, por três votos contra dois, decidiu que deve se dar a aludida incidência.

Com isto, ocorreu a quebra da sequência de decisões que também a 1ª Turma vinha proferindo favoravelmente aos contribuintes. Poucas semanas depois, em 20 de abril, a 2ª Turma foi chamada a julgar o mesmo assunto e, ao fazê-lo, manteve, à unanimidade, sua posição tradicional, afastando a incidência do ICMS.

A 2ª Turma, em 20 de abril, fez referência ao recente julgamento de março, da 1ª Turma, e comentou que não havia ocorrido alteração no cenário fático nem no contexto normativo relativos ao assunto e, por isso, não via, a 2ª Turma, motivo para modificação da interpretação que, há anos, vinha sendo defendida por ambas as turmas da Corte. A 2ª Turma reconheceu que não havia fundamento fático nem jurídico para alteração da jurisprudência e invocou uma norma que foi trazida pelo novo Código de Processo Civil, justamente para contribuir em relação à estabilidade dos entendimentos judiciais.

Antes da decisão de março deste ano, da 1ª Turma, os Tribunais de Justiça, em sua maioria, decidiam contrariamente à incidência, pois estavam alinhados ao entendimento histórico do Superior Tribunal de Justiça. Não por acaso, foi incutido nos contribuintes o sentimento de que, à luz da interpretação da Corte Superior, o ICMS não poderia incidir sobre a TUSD e a TUST. Os jurisdicionados receberam, do tribunal superior responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal, essa clara sinalização, em reiteradas oportunidades.

Dada essa reiteração das decisões, o Superior Tribunal de Justiça ofereceu uma verdadeira orientação a todos os interessados no assunto.

Quanto ao mérito da discussão, será decidido se o ICMS, no contexto da energia elétrica, pode incidir sobre outras rubricas que não a energia em si, pelo simples fato de essas rubricas orbitarem em torno da energia.

É indiscutível que as referidas tarifas não se confundem com a energia elétrica, por isso a expectativa é a de que o Superior Tribunal de Justiça mantenha seu entendimento tradicional, firmado após anos de amadurecimento do debate.

Do contrário, ou seja, caso se afirme ser possível incidir o ICMS sobre a TUSD e a TUST, nada impedirá que, no futuro, qualquer outro valor seja inserido na base de cálculo do ICMS apenas pelo fato de ter alguma relação com a energia, mesmo que com ela não se confunda. Isto significaria um alargamento da base de cálculo sem alteração normativa que o justificasse.

“Há uma excelente oportunidade para que o Superior Tribunal de Justiça prestigie os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, tão caros para a estabilidade do sistema jurídico, e reafirme a orientação que, durante anos, ofereceu aos jurisdicionados”, disse através de nota, Carlos Couto, responsável pela Equipe Estorno do ICMS da Conta de Energia Elétrica.

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