Neste momento em que escrevo, mais de 500 mil brasileiros faleceram em decorrência do coronavírus. Em um ano e três meses em que vivemos esta pandemia, sofremos o pior horror, que é a negligência política e o negacionismo de que ela exista. Há uma semana meu avô Júlio Vidal, imigrante fugitivo de guerras e autoritarismo político da Espanha, teve sua vida ceifada pelo vírus. Há três semanas foi a minha avó que faleceu. Meu filho teve covid-19 com sintomas agressivos. São muitos lutos e lutas. Mas a liderança está literalmente dançando forró com o coronavírus.
Esta é a manchete que acabo de ler na Folha de São Paulo. O Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, encena um vídeo em João Pessoa, na Paraíba, onde em um posto de vacinação ele dança o xote com uma pessoa trajada do vírus. A CPI da covid-19 encontra-se cada dia com mais evidências do pouco caso que este governo faz da mais grave crise de saúde pública vista no Brasil. Há denúncias de superfaturamento na compra da vacina Covaxin, do laboratório indiano, Brarat Biotech. Na última quarta-feira, 16 de junho, o Ministério Público Federal pediu investigação criminal contra o Ministério da Saúde, cujo líder baila, ‘forrozeia’, numa sátira de péssimo gosto, mas, que inconscientemente grita: o ato reflete o fato.
O Espaço Reflexão sempre tem uma proposta de um olhar aprofundado sobre quem somos e onde estamos. Nós fazemos parte desta ‘quadrilha’ junina de alguma forma. Quando viver passa a ser um ato político, quando uma vacinação passa a ser um ato político, por direito básico à vida e a dignidade de se viver e minimizar a morte. E olha que morto já pode estar quem se nega a ver, que se posiciona em comportamentos viciantes por paixões a seitas de qualquer natureza: políticas ou religiosas. A esta altura do campeonato e pandemia, alguém duvida que o pior vírus é o do saqueamento enraizado, furto congênito, aos cofres públicos?
Meio milhão de famílias com perdas dos seus, mas aquele que se elegeu em nome desta mesma ‘família’, sequer deu uma palavra de conforto ao povo. Um silêncio nada familiar, convenhamos. Assim como nunca foi, ao menos para mim, familiar, educativo e lúcido, apontar arminha com a mão e levar esta didática para crianças. Nero, imperador que ateou Roma com fogo no ano 64 d.C., passou quatorze anos empregando a violência e a tirania contra os romanos. Incendiar foi a máxima do seu autoritarismo e ódio. Será que em plena democracia podemos dizer que elegemos o líder que simboliza a mente coletiva de uma nação?
Não adianta admirarmos políticas públicas de países como a Nova Zelândia e da sua primeira-ministra, que promoveu lockdown nos primeiros casos de covid, quando votamos e pregamos políticas suicidas. Mesmo com ações firmes e ágeis de Jacinda Ardern, naquele país ainda se contabilizou 2.350 casos e 26 vítimas de coronavírus até 18 de junho de 2021. Contudo, ao que tudo indica, a vida por lá segue em plena prosperidade, liberdade e com a proteção à saúde, resguardados. É hora sim de olhar a grama do vizinho e enxergar dentro do nosso ‘modus operandis’ de viver, se comunicar, agir, ou pior, não agir, em prol de uma coletividade mais saudável, a começar por nós. Sempre inicia em nós, em enxergar os próprios pontos cegos.
Há uma pandemia dentro da pandemia. É o vírus que percorre o Congresso Brasileiro. Foi o vírus que chegou com os portugueses no que se nomeou ‘Descobrimento’ do Brasil, como se uma terra só passasse a existir se fosse ‘civilizadamente’ posta no mapa por um povo dito mais esclarecido e culto. Desde então abandonamos nossa ancestralidade, exportamos escravos, comunidades inteiras foram ‘catequisadas’ por uma Igreja feudalista. As mesmas igrejas cobertas de ouro que nos contam a nossa história, uma triste narrativa de exploração em nome de Deus, da família e dos bons costumes. Ainda acreditamos nesse discurso. Ainda se vota neste discurso, há mais de 500 anos, e agora, há mais de 500 mil mortes em um ano e três meses. Até quando? Deixarei a resposta para a emblemática colocação do psiquiatra Carl Gustav Jung: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino.”