Foi Paulo de Tarso que escreveu inicialmente sobre ‘todo homem ser escravo de algo’. Ao ler a teoria do discípulo de Jesus fui vasculhar-me para entender onde eu mesma estava abrindo mão da minha liberdade, seja em agir, pensar (e porque penso nesta rota e não em outra), muito além da escravidão que conhecemos historicamente por todo tipo de discriminação que uma sociedade e suas ‘leis’ falíveis e inventadas por homens, atestam. Augusto Cury, psiquiatra e escritor renomado, diz que já utilizou a teoria da inteligência multifocal ou socioemocional em mais de 20 mil sessões de psicoterapia e consultas psiquiátricas. É o próprio cientista e pesquisador que afirma estarmos vivendo uma era de escravidão emocional, a expressão dada por ele é ainda mais impactante: ‘mendigos emocionais’.
A palavra ‘mendigar’ é tão profunda porque remete a todo tipo de escassez e carência. A pessoa se encontra numa posição de pedinte porque não encontra os recursos em si mesma para a própria sobrevivência. E mendigar emocionalmente me aparenta ser isso. Ter uma necessidade de aceitação pelo outro, de privar-se de dar e apenas pedir. Porque o mendigo não tem consciência que pode dar algo, apenas receber. E às vezes a pessoa pode dar o melhor sorriso, um abraço afetuoso, uma palavra gentil, um bom dia caloroso. O mendigo faz um papel passivo demais e só pede aquilo que o estômago (ou outros órgãos) gritam. É alguém que ainda não despertou para o brilho pessoal e o êxtase de oferecer e presentear, pois aceita qualquer migalha, qualquer sobra que lhe dão. É uma posição autopunitiva, pois nós, seres humanos, ficamos felizes quando o fruto dos nossos esforços são colhidos. O mendigo se recolhe em um chão frio e pede aos passantes que lhe mimem, adulem e esperam por um milagre sentados na beira de uma calçada.
A inquietação em estar como mendiga em qualquer área da minha vida me incomoda. E no menor sinal de vassalagem e mendigagem eu me retiro porque tenho plenas condições de trabalhar-me. Emocionalmente muitas pessoas se inserem numa miserabilidade porque acreditam que outros devem fazer algo que só em primeira pessoa se conjuga.
Se a gente não passar a observar o nosso processo de construção de pensamentos, formação do EU, papeis conscientes e inconscientes da memória e educação da emoção, realmente podemos nos intitular ‘livres’ por fora, mas completamente presos por dentro. Do que você é escravo? De qual cultura, de qual discurso, medo propagado e de qual crença?
Semana passada fiz uma pequena viagem com meu filho e irmandade do coração. Havia programado voar de balão no interior paulista com um piloto experiente, o Chico, que pediu para chegarmos antes das seis da matina no local. Com frio e tudo escuro, fomos com a coragem peculiar das meninas que andam em bando comigo. Para quem não sabe, o balonismo é um processo seguro, mas completamente artesanal. Não há motor, mas sim um ar quente que vai inflando e nos levando ao alto. Outro detalhe é que precisa estar atento às condições climáticas: para onde os ventos estão soprando, como está a umidade do ar, se há previsão de chuva, enfim, uma série de cuidados. Mas a emoção fica por conta do pouso. Quando se decide voar de balão você só sabe da onde partirá, jamais onde pousará, pois depende de tudo que citei antes. Na verdade não é um pouso, mas sim, um ‘resgate’, palavra utilizada pela própria equipe de balonismo.
Por incrível que pareça eu tenho medo de altura, mas descobri que é a velocidade que me assusta, e não, a distância entre céu e terra. Do alto, vendo o sol despontar no horizonte no meio da minha aventura, agradeci a Deus por ali estar encarando um dos cárceres mentais que eu temia. E o vento era suave, o visual deslumbrante, que te digo: se por um minuto minha vida se resumisse àquela experiência, me sentiria completamente satisfeita e orgulhosa de estar onde me pus. Liberei minha criança que sonhava há tempos por voar de balão – culpa da turma do balão mágico e daquela música gravada com Djavan. Se numa sinopse de filme eu pudesse resumir minha vida ali, eu me senti livre, me liberava naquele ritual de qualquer julgamento ou prisão que eu mesma havia inventado para mim. As emoções estavam leves para dizer sim, não e me favoreciam ser apenas quem eu sou. Grata pelos erros e aprendizados do passado, inserida completamente na única coisa que existe (aquele presente) e sem alimentar a ansiedade de desejar controlar o futuro logo ali à frente: do resgate.
Foi quando Chico disse para a tripulação de sete almas corajosas segurar as alças internas no cesto do balão, pois estávamos a caminho da descida. O cesto e os ventos queriam nos capotar perto de uma pista. Estávamos nos embolando aos risos infantis sem saber como sairíamos daquela emboscada feliz. Éramos tão confiantes que não eram gritos de desespero. A plenitude só se vive. Por fim chegamos em terra firme, salvos, radiantes e nos sentindo exponencialmente vivos. E mesmo sabendo que uma vez ou outra poderemos nos comportar como mendigos, experimentamos uma riqueza do surreal, do surpreendente, a inexplicável sensação de vencer aos próprios limites. O balão é apenas uma metáfora narrativa do quanto podemos voar, brincar e se descobrir autor(a) da própria existência, que acredite: é abundante!