Um velho homem alugara uma casa a um certo inquilino, nos tempos em que os contratos eram apenas apalavrados. Nada de papéis. Ele não poderia imaginar que o sujeito era um velhaco de marca maior. Logo nos primeiros meses, para agonia do credor, o manhoso deixou de pagar o aluguel e fugia a qualquer tentativa de aproximação do locador.
Cansado de tanto levar tombo, o velho e revoltado proprietário idealizou um plano: foi ter com a esposa do trapaceiro, puxando um fedorento bode cuiudo por uma corda, levando um feixe de capim e uma gamela para colocar água. A mulher, que, a bem da verdade, não se escondia, apenas era bem treinada para despachar credores, abriu a porta e ficou surpresa com aquela visita tão estranha.
¬ Bom dia, minha cumade! Tô deixando esse bode véio aqui, porque não tenho ôto lugar pra ele. Mas, não se preocupe, todo dia trago capim e água. Ficamos assim, então. Inté, cumade!
Boquiaberta, a mulher ficou apenas segurando a corda do caprino, amarrou-a na perna da mesa e esperou o marido caviloso chegar. Chegou, sentiu o mal cheiro logo na porta e deparou-se com a desgraça. Além do seu fedor natural, o bode velho já fizera outras sujeiras, e o ardiloso locatário ficou paralisado com a cena inusitada, ouviu, indignado, o relato da esposa, suportou a tragédia por duas intermináveis semanas e devolveu a casa ao velho homem.
No Senado República Federativa do Brasil, o espaço está ocupado pela onipresença midiática de um presidente e um relator da CPI, que se arvoram de implacáveis paladinos da Justiça para inquirir, com grosserias e ameaças explícitas, servidores públicos que trabalham duro, muitos deles sacrificando noites e fins de semana ao enfrentar uma pandemia que se alastra pela nação.
Diferentemente do velho bode e do locatário manhoso, os referidos senadores escondem suas sujeiras debaixo de um poderoso tapete, são inquilinos da casa, é verdade, mas não precisam pagar aluguel, porque o povo faz isso para eles. Ao contrário, ainda recebem vários milhões de reais a cada ano.
Eles também não correm risco de despejo, como ocorreu com o locatário manhoso, pois foram legitimados para ocupar a casa do povo, esse errático habitante de um país que lhes patrocinam todas as mordomias possíveis e imagináveis, por décadas.
Enquanto isso, nós, locatários do Imóvel República, assistimos impassíveis a esse espetáculo dantesco, indiferentes às sujeiras que se sucedem e se acumulam sem a
consciência de que temos o poder de expulsá-los, locatários e bode, com o uso consciente do voto.
A República agradeceria vivamente pela limpeza que só os cidadãos conscientes podem fazer.
FRASE
Enquanto isso, nós, locatários do Imóvel República, assistimos impassíveis a esse espetáculo dantesco, indiferentes às sujeiras que se sucedem e se acumulam sem a consciência de que temos o poder de expulsá-los, locatários e bode, com o uso consciente do voto.