Os movimentos da disputa política também devem ser compreendidos como um teatro onde os atores são simultaneamente os espectadores. Por sua vez, a totalidade das perspectivas de todos os espectadores de uma sociedade política está fracionada em diferentes níveis de consciência e interação com a realidade social objetiva. É nesse cenário que as tentativas de disseminação de determinadas (des) informações sufocam toda consciência social, rompem com a veracidade do discurso, acabam por fazer ruir a própria democracia e promovem a morte.

Caro leitor, se vós desejardes estudar as questões políticas de seu tempo por meio de um olhar menos propício às alucinações de certos discursos, tenhais em mente que a política real, no alvoroço de sua efetivação, também deve ser compreendida em razão dos atos de fala presentes nos argumentos dos participantes dessa grande arena. Nas repúblicas democracias e liberais, onde o conceito de cidadania é a exaltação da individualidade e a fragmentação da consciência moral, o problema se instaura nas personagens que não realizaram completamente o ideal de individuação e análise crítica da realidade. São pessoas mais propícias às vicissitudes do discurso falso porque assimilam e difundem uma determinada opinião política por meio de uma linguagem mal formulada ou pensada em sua origem para escamotear a realidade. Nesse reino da retórica enganadora, a razoabilidade do discurso se esvazia e todo debate é nivelado à balança do obscurantismo em nível massificador.

Em A democracia contra ela mesma, o filósofo Marcel Gauchet defende que “a privatização da vida […] caminha junto com uma massificação dos comportamentos e dos modos de vida. Os direitos do homem, de um lado, mas nada de sujeito autônomo do outro lado para exercê-los: tal parece ser a fórmula na direção da qual se dirigem nossas sociedades” (2009, p. 53). A massificação da retórica enganadora não seria então um modo pelo qual a democracia sabota a si mesma? Sobre isso, é possível responder que o discurso falso desempenha um papel decisivo no aprofundamento da alienação entre os cidadãos, para os quais as virtudes políticas passam a ser compreendidas como uma façon de parler, uma entonação ou um simples bordão desprovido de sentido razoável. Caso transformássemos esses fatos em demonstrações geométricas, o conjunto representando a verdade estaria vazio; as premissas desses discursos não formam um silogismo válido porque o termo médio se repete na conclusão.

No triste Brasil pandêmico, os sintomas dessa fragilização semântica podem ser identificados quando os diversos escândalos que envolvem o descaso no combate à pandemia de Covid-19 são justificados através de discursos divorciados da realidade, como uma forma de apagar os dados, escamoteando a objetividade por meio da composição de uma realidade falaciosa. Essa tarefa é facilitada e intensificada pela veiculação das fraudes por simples toques em teclas analógicas ou virtuais; aquele que tecla sabe que quanto melhor enganar a sua audiência, mais êxito terá na sua tarefa de influenciar as ações do espectador assombrado que replicara a mentira, denominada nesses tempos de fake news. Esse cenário se torna catastrófico quando os principais difusores da fraude estão nos mais altos escalões de comando, possuem a caneta, governam em período de grave crise sanitária e podem dizer “sou eu quem mando”!

Com efeito, um modelo que combina a discrepância da consciência política com a imposição de argumentos falsos não poderia deixar de fornecer os elementos para a perpetuação da desigualdade, da fraude e da planejada carnificina.

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